16/02/2006

Salve Mércio! Salvem o Mércio! Salvem-se do Mércio!

 


 


 


O mar não está pra peixe, companheiro do Companheiro Mór. Parece que quanto mais você se move mais a areia movediça te engole. Palavras são cruéis. Eu sei, trabalho com elas. A diferença é que sou poeta, não político. Poetas fazem sonhar, políticos destroem sonhos. Preferia você como poeta, aquele do livro que você escreveu falando dos parentes Tenetehara como sábios, gente capaz de transmutar a realidade para permanecer livres.


 


Preferia você como foi dito por Luiz Sérgio Coelho de Sampaio na orelha de seu livro “O índio na história”: “Ele vem da linhagem de José Bonifácio, Gonçalves Dias, Gilberto Freire, Vilém Flusser, Darcy Ribeiro”. Lendo isso fiquei muito emocionado. É um elogio e tanto! Mas você virou político. Políticos são monstros: alguns, monstros da dignidade, da ética na vida pública; a maioria, monstros da falsidade, da hipocrisia, da falta de ética e da decência.


 


Queria crer que com você seria diferente por ter sido alguém saído do meio indigenista sério e por ter uma visão e perspicácias vitoriosas. Ledo engano. Lamentável engano.


 


Lendo as palavras que dizem que você disse fico extremamente frustrado. Fico até a pensar que tudo não passa de “intriga da oposição” e que, na verdade, tudo tem sido um grande engano em torno de um profissional tão apessoado à causa indígena. No entanto, ao ouvir ou ler novas declarações, acho que o idiota é eu. Talvez por não entender a exata noção do que seja o ser humano nas suas complexas demandas internas por poder. Um ser humano assim deve ser doente. Um ser humano que releva outros seres humanos poderia ser classificado como geneticamente modificado pelo vírus do poder. Ou será que no seu caso não houve modificação? Será que você sempre foi assim e a gente nunca percebeu?


 


Sabe por que de tudo isso, companheiro do Companheiro Mor? Sabe o porquê de tamanha frustração? Simplesmente porque você era poeta e usava as palavras certas “pra doutor não reclamar” (Zé Ramalho). Frustração por ter-se tornado político e não olhar mais os outros com o encantamento necessário para tornar o mundo mais gostoso de ser vivido e a vida, uma belezura.


 


Por isso penso no que você está deixando de herança a seus filhos ou filhas: O pai íntegro? Sincero? Honesto aos seus propósitos de vida? Ou apenas um arremedo de ser humano?


 


Desculpe a franqueza, mas não posso deixar de pensar isso diante dos fatos que presencio. Como suplente de conselheiro, se pudesse dar-lhe um conselho diria: sai dessa vida. Você já deu o que tinha de dar.


 


 


Daniel Munduruku, escritor e professor indígena.

Fonte: www.danielmunduruku.com.br
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