Tragédia já esquecida?
1. EM TODA IMPUNIDADE
Vinte dias se passaram e tudo caiu no esquecimento. O motorista não-índio, Jéferson Alves Cabral, que dirigia embriagado e sem habilitação o caminhão fretado pela FUNAI, responsável pelo acidente que tirou a vida de 6 indígenas Oro Wari´ e deixou 17 feridos, está livre. Todos os sobreviventes afirmam que o motorista estava bebendo desde a ida para a aldeia Ribeirão, como na volta para Guajará-Mirim. O motorista criminoso fugiu do local do acidente sem prestar socorro às vítimas. Esta tragédia que ocorreu na madrugada do dia 25 de janeiro de 2006, a maior desses últimos 30 anos no município de Guajará-Mirim(RO), teve um grande impacto na mídia nacional. Mesmo assim, o motorista que não foi enquadrado na lei do flagrante continua em liberdade, não pagou as despesas de funerária, não arcou com as despesas de tratamentos médicos e cirúrgicos deixando os feridos a mercê dos recursos da FUNASA e da rede do SUS cuja lentidão é notória. O Marcos Cabral, pai do motorista tem o seu caminhão guardadinho na oficina onde ele trabalha.
O clima anti-indígena local se reflete na matéria do repórter Idelmar no jornal “o Mamoré” do dia 29 de janeiro, que chega ao cúmulo defendendo o motorista, culpando os índios por ter subido na carroceria e que finaliza ironizando: “ quanto aos índios que tomem iniciativa que tal lição árdua aprenda que carroceria nem de caminhão e nem de camionete é lugar para transportar passageiros!”
Quanto à FUNAI, responsável pela comercialização dos produtos, o administrador Sr. Dídimo Graciliano de Oliveira, somente fez um pedido de perdão aos indígenas, reconhecendo que o órgão indigenista oficial não tem um mínimo de infra-estrutura de transporte. O pecado estrutural também não deveria ser julgado?.
2. E OS FERIDOS?
Os indígenas enterraram os seus mortos, ainda choram por eles e clamam por “justiça”. Apenas as chagas e as dores dos feridos estão comprovando que a tragédia não foi um mero pesadelo.
A família das vítimas se perguntam: “Afinal, quem vai nos fazer justiça? Porque os nossos parentes feridos não estão sendo cuidados em melhores condições? Muitos deles já deveriam estar curados.” Maxun(Martins), um dos dois feridos que foi encaminhado de avião para Porto Velho, retornou a Guajará-Mirim, o rosto desfigurado por cicatrizes horrorosas devido a suturas mal feitas, com fortes dores de cabeça e diminuição da visão do olho direito. Piauí, que foi encaminhado para Porto Velho de ambulância não fez a cirurgia programada, voltou com dores intensas no pé fraturado, sem poder dormir a noite e aguarda o retorno para Porto Velho. A sorte dos 06 feridos que ficaram internados em Guajará-Mirim não foi melhor. Não receberam atendimento especializado de ortopedia e hoje eles permanecem na Casa de Saúde Indígena, na responsabilidade da FUNASA. O Paulo, que perdeu seus pais na tragédia, tem luxação da clavícula. O Lucas tem a mão fraturada em 2 lugares e tem uma imobilização incorreta, e a sua esposa, Neide, tem uma costela quebrada. O casal perdeu um filho na tragédia e tem outro em Porto Velho que foi submetido a uma cirurgia na perna. Consultas especializadas, exames e tratamentos pelo SUS são demorados e as vezes não acontecem. Por lei, quem causou o acidente não deveria se responsabilizar por todos os gastos médicos e outros? Quem vai ser o advogado dos índios para cobrar dos responsáveis do acidente os gastos relacionados ao tratamento dos feridos e as devidas indenizações?
O sentimento dos indígenas é de abandono e de injustiça. A voz da justiça ainda não se fez ouvir. Não estaria na hora?
Guajará-Mirim, 13 de fevereiro de 2006
Equipe do CIMI/Guajará-Mirim(RO)