07/02/2006

Indigenistas também debatem desafios dos Guarani

Propriedade privada, alta concentração da terra e agricultura baseada na monocultura são as características dos países da América do Sul, onde vivem os Guarani.


 


Em paralelo às reuniões indígenas, acontecem os debates entre missionários e indigenistas presentes na Assembléia Continental Guarani. Desde domingo, 5, eles buscam identificar as questões comuns à realidade dos Guarani nos diferentes estados do Brasil e nos países como Argentina e Uruguai, de onde também vieram missionários.


 


Os países da América do Sul onde vivem os Guarani têm em comum a estrutura fundiária altamente concentrada e uma estrutura de produção que reforça esta característica, pois adotam a monocultura para exportação como principal atividade do campo. O principio que rege a divisão da terra nestes países, a propriedade privada, choca-se com a visão de mundo do povo Guarani, baseada na concepção de que a terra foi criada para uso coletivo, de todos os seres que nela vivem. “Na Argentina, a maioria das terras é considerada propriedade privada de grandes empresas”, afirmou a missionária da pastoral indígena da Argentina Maria José Ramirez.


 


Pelo fato de as terras habitadas por este povo serem, em geral, de solo fértil e ricas em espécies de madeira, elas foram ocupadas desde o inicio da colonização. Neste processo, que no Brasil começou pelo litoral atlântico, muitos indígenas foram migrando para o interior do país em direção às fronteiras do oeste. Já os Guarani da Argentina e do Paraguai fizeram o caminho da costa oeste para as fronteiras ao leste dos países. O processo começou no Brasil, no século 17, quando os bandeirantes caçavam índios para mão de obra nas reduções. No Paraguai, o processo foi semelhante, mas se desenvolveu de forma um pouco mais lenta. Apenas as terras situadas na Argentina foram ocupadas mais tarde, sobretudo nos séculos 19 e 20. A conseqüência mais visível desta migração é que hoje um grande número de Guarani vive em regiões de fronteira. Mas também ali os espaços que haviam restado intactos foram tomados pelas plantações de soja na última década.


 


A devastação das terras traz também conseqüências culturais porque, na visão Guarani, todos os seres que nascem da terra são vivos e, se o território é destruído, esta população tem dificuldade para encontrar sentido para a vida neste ambiente.


 


Outro problema comum aos Guarani de todo o continente é a criação de unidades de conservação nos locais onde os indígenas vivem, exatamente porque são espaços onde ainda há matas originais. Há diversos casos em que o acesso dos indígenas aos parques é negado ou, pelo menos, vira motivo de disputa. Exemplos do problema no Brasil são o Morro do Osso, parque municipal da cidade de Porto Alegre que é terra reivindicada pelos Guarani, e os indígenas que foram expulsos da terra Ocoí, que fica em São Miguel do Iguaçu, RS. Estes últimos, aliás, lutam por terra depois de terem sido expulsos pela construção da hidrelétrica de Itaipú, na década de 1980.


 


O problema se repete na Argentina.”Lá, muitas comunidades sofrem com o desmatamento indiscriminado e com o roubo de madeira, principalmente as comunidades que estão dentro da Reserva de Biosfera Yabuti, na província de Missiones. Esta reserva, criada pela Unesco, tem 250 mil hectares, engloba os últimos redutos da Selva Paranaense [semelhante à Mata Altlântica] que restam no planeta. Há nove comunidades indígenas na reserva da biosfera, mas a maioria das terras está em propriedade de empresas madeireiras, porque o Estado argentino abre a possibilidade de exploração neste tipo de reservas”, Maria José.


 


Nos casos em que a terra dos Guarani já foi usada para o gado ou para a monocultura, o desafio dos povos originários e dos Estados nacionais quando estas terras são finalmente reconhecidas como indígenas é a recuperação ambiental. “Um dos grandes desafios no Brasil é que os indígenas, quando conseguem ter acesso à terra, voltam para terras onde não há mais nada”, afirmou Mario de Oliveira, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).


 


Migrações e a globalização do capital


 


Em relação às fronteiras dos Estados nacionais, a passagem dos indígenas de uma fronteira a outra ainda causa muita reação da sociedade não-indígena, que não entende que uma das características desse povo é a mobilidade dentro de seus territórios.


 


No entanto, ao mesmo tempo em que há esta reação, ocorre a compra de terras no Paraguai por brasileiros, principalmente para o cultivo de soja. A prática tem levado aos povos que vivem do outro lado da fronteira os mesmos problemas enfrentados aqui. Como a moeda brasileira é valorizada em relação à moeda paraguaia, fazendeiros daqui têm investido em terras do outro lado da fronteiras, e estas terras são exatamente os locais onde ainda havia espaço para os Guarani viverem no Paraguai.


 


A construção de hidrelétricas é outro problema comum entre Argentina, Brasil e Paraguai. Elas afetam as comunidades indígenas direta e indiretamente, destruindo a pesca, medicina, as terras. Itaipu é o exemplo histórico, mas projetos recentes contam com o apoio do governo brasileiro, entre eles a construção da represa de Garabi, no rio Uruguai.


 

Fonte: Priscila Carvalho (Cimi – Assessoria de Imprensa)
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