24/11/2005

Com Exército, transposição segue

 



 


 


por Luís Brasilino


Novas denúncias incriminam o Exército brasileiro de estar trabalhando para a transposição do Rio São Francisco. Tal atitude descumpre o acordo firmado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o frei Luiz Flávio Cappio. Entre setembro e outubro, o bispo da diocese de Barra (BA) enfrentou 11 dias de greve de fome e só a interrompeu com a promessa do governo de paralisar o avanço do projeto e debatê-lo. A ação dos militares desrespeita também a determinação da 14ª Vara da Justiça Federal, na Bahia, que, em 6 de outubro, suspendeu a licença prévia e proibiu a continuidade da obra.


 


Depois de denúncias de camponeses, no dia 17, Alzení Tomáz, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), foi até a região dos municípios de Petrolândia e Floresta (PE). Segundo o projeto, é nessa área que as águas do Eixo Leste da transposição serão captadas (veja mapa ao lado). Chegando lá, ela viu e conversou com oficiais do 3º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) do Piauí que estavam fazendo a realização geométrica do eixo do canal e o levantamento topográfico da faixa de domínio e segmento de captação da água. Alzení explica: “Estão fazendo picadas no solo para demarcar a área onde os canais passarão. Trabalho topográfico na tomada da água é o início da obra”.



Alzení assegura que ouviu tais informações da boca dos militares. “Não só vimos os soldados trabalhando, como eles confirmaram que estavam fazendo isso para a transposição. Perguntamos o que eles achavam da questão do bispo (frei Luiz) e eles responderam que continuavam trabalhando independentemente disso”, revela Alzení.


 


GOVERNO NEGA



O tenente Alysson Hayalla, comandante do destacamento do 3º BEC em Petrolândia, negou as denúncias. Ele diz que o trabalho topográfico que fizeram para a transposição já está parado há muito tempo por causa da decisão judicial. “Quando ela (Alzení) chegou lá, estávamos só fazendo um reconhecimento do terreno. Não era serviço. Foi só um reconhecimento”, garante Hayalla. Segundo a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) – chefiada pelo ministro Jacques Wagner, mediador das conversações com frei Luiz durante a greve de fome -, não existe nenhuma obra iniciada por parte do governo e do Ministério da Integração, responsável pelo projeto. Isso por conta da decisão judicial e do acordo com o bispo. Representante da SRI que pediu para não ser identificado afirmou: “Isso é uma obra de infra-estrutura do governo, não é uma obra de transposição do Rio São Francisco”. A SRI ainda informa que a topografia já feita será utilizada para “outra coisa”. Porém, não souberam precisar o quê.


 


MAIS DENÚNCIAS



O Eixo Leste da obra será responsável pelo transporte da água para os Estados da Paraíba e de Pernambuco. Subindo o Velho Chico, próximo à cidade de Cabrobó (PE), fica o ponto de captação do Eixo Norte, previsto para levar água ao Ceará e ao Rio Grande do Norte. De acordo com Alzení, os oficiais com quem conversou em Petrolândia disseram que, em Cabrobó, estão efetivos do Grupamento de Engenharia de Construção da Paraíba fazendo o mesmo trabalho.



A informação reforça as denúncias do Neguinho Truká, publicadas na edição 140 do Brasil de Fato. Segundo o líder indígena, o Exército está trabalhando na Ilha de Assunção, em Cabrobó, para desalojar famílias. O objetivo é preparar as áreas para receber máquinas que seriam usadas na transposição. A SRI alega que o Exército está na região atendendo a reivindicações da tribo Truká, resolvendo problemas de pequenas estradas, reconstruindo 150 casas destruídas pelas cheias e asfaltando 20 quilômetros da ilha. Neguinho Truká confirma as informações do governo, porém garante que o desalojamento das famílias também ocorre.


 


FREI LUIZ VAI A LULA



No sul do Ceará, terra do principal empreendedor da obra, o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), indenizações já foram pagas para famílias de dois municípios, Brejo Santo e Mauriti. Essas pessoas foram recompensadas para deixar suas terras e dar passagem aos canais da transposição.



Questionado sobre as denúncias, frei Luiz contou que, até agora, “apesar de algumas entradas inconvenientes do ministro Ciro Gomes na mídia”, o que sabe de oficial é que o governo tem se mantido fiel ao acordo. No entanto, o bispo revela ter ouvido, não oficialmente, que o Exército estaria fazendo alguns trabalhos, apesar de não saber ao certo qual o tipo da ação: se é demarcando área ou realizando obras em áreas indígenas. “Tomei conhecimento, sim, de que Exército estaria lá, mas não sei se é desobedecendo o acordo ou fazendo um outro tipo de trabalho não diretamente ligado à transposição. Contudo, com toda a certeza, estão fazendo alguma coisa indiretamente relacionada ao projeto”, sentencia Cappio.



O frei reitera que retomará a greve de fome se o governo descumprir o acordo, encerrando os debates e colocando as obras em execução. Atualmente, ele está preparando – ao lado de movimentos sociais – mobilizações, palestras e encontros no país inteiro. “A coisa está efervescendo. Nos dias 14 e 15 de dezembro, vamos para Brasília participar de uma mesa de trabalho sobre por que não queremos a transposição. Nessa ocasião, vamos formular um programa alternativo para o Semi-Árido e levá-lo para o encontro que tenho agendado com o Lula nesses dias. Queremos ir ao presidente com este material nas mãos explicar concretamente os motivos que não nos permitem aceitar a transposição de águas e também apresentar-lhe as alternativas”, planeja frei Luiz. 




Fonte: jornal Brasil de Fato
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