Considerações sobre o MS nº 21896 impetrado no STF
CONSIDERAÇÕES SOBRE O
MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO NO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
CONTRA A HOMOLOGAÇÃO DA DEMARCAÇÃO ADMINISTRATIVA DA
TERRA INDÍGENA JACARÉ DE SÃO DOMINGOS,
TRADICIONALMENTE OCUPADA PELO POVO INDÍGENA POTIGUARA
Processo: Mandado de Segurança n° 21896
Relator: Exmo Senhor Ministro Carlos Velloso
Pedido de Vista do
Exmo Senhor Ministro Joaquim Barbosa
Paulo Machado Guimarães
Advogado e
Assessor Jurídico do
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB
I. Introdução sintética dos fatos
As empresas rurais Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S.A., Destilaria Miriri S.A. e a Usina Central Nossa Senhora de Lourdes S.A. impetraram, em 31 de janeiro de 1994, Mandado de Segurança contra o Exmo Senhor Presidente da República, em razão do ato consubstanciado no Decreto s/n°, de 1 de outubro de 1993, publicado no DOU de 4 de outubro de 1993, por intermédio do qual homologou a demarcação administrativa da Terra Indígena Jacaré de São Domingos, tradicionalmente ocupada por comunidades do Povo Indígena Potiguara, no Estado da Paraíba.
As impetrantes alegam que:
1. a “demarcação desobedeceu à Portaria e o Decreto homologatório o confirma, desde o ponto de partida”, de forma que as áreas demarcanda e demarcada são diversas;
2. a demarcação da terra indígena Jacaré de São Domingos incidiu sobre títulos imobiliários de propriedade delas;
3. se desrespeitou o disposto no art. 6° do Decreto n° 22/91, induzindo a erro o Ministro da Justiça e o Presidente da República;
4. a demarcação homologada atenta contra o disposto no inciso XXII do art. 5° da Constituição Federal;
5. se ofendeu o direito líquido e certo de ver respeitado o domínio e a posse sobre a área demarcada, em pronunciamento judicial proposto em setembro de 1993;
6. não querem que o STF substitua o Juízo próprio da Justiça Federal da Paraíba, onde tramita ação judicial de nulidade demarcatória cumulada com ação reivindicatória, mas não aceitam que juízo administrativo substitua o juízo judicial, razão pela qual pedem que se assegure ao Juízo competente a oportunidade de processar e julgar a ação proposta.
Concluindo sua impetração, pedem que se defira o Mandado de Segurança para anular o Decreto que homologou a demarcação administrativa da terra indígena Jacaré de São Domingos, tradicionalmente ocupada pelos índios Potiguara.
Foram prestadas informações pelo Exmo Senhor Presidente da República, fazendo-as acompanhar de manifestações da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, da Consultoria Geral da União e da Procuradoria da Funai.
O Procurador Geral da República opinou pelo indeferimento do Mandado de Segurança.
Atualmente o Mandado de Segurança n° 21.896 encontra-se sob a relatoria do Exmo Senhor Ministro Carlos Velloso, que em 3 de novembro de 2004, submeteu o processo a julgamento pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.
Após o voto de S. Excia. Min. Carlos Velloso, concedendo parcialmente a segurança requerida, e do voto do Exmo Senhor Ministro Eros Grau, que acompanhou o voto do Relator, o Exmo Senhor Ministro Joaquim Barbosa pediu vista dos autos.
Agora, a Presidência do STF divulga em sua página eletrônica, que o Tribunal deverá retomar o julgamento do processo, no próximo dia 15 de setembro de 2005.
II. A improcedência das alegações das impetrantes:
1. Quanto à alegação de que a demarcação desobedeceu à Portaria
declaratória dos limites da terra indígena, de forma que as áreas
demarcanda e demarcada seriam diversas
Quando se declara os limites de uma terra tradicionalmente ocupada por índios, o Ministro de Estado da Justiça pratica este ato e determina a demarcação administrativa da área, com base em estudo cartográfico previsto no § 1° do art. 2° do Dec. 22/91, ato normativo regulamentar em vigor na data da prática do ato impugnado, que indica as coordenadas geodésicas dos limites da terra a ser demarcada.
Ao se efetivar a demarcação dos limites da terra tradicionalmente ocupada pelos índios, a projeção feita por ocasião do estudo cartográfico é materializada no espaço territorial, decorrendo a aferição precisa de todas as coordenadas geográficas.
Daí a diferença entre o que é declarado como limite e o que é homologado pelo Presidente da República. Com efeito, a descrição dos limites no Decreto que homologa a demarcação é a correta e com base na qual a União procederá o registro no Cartório Imobiliário e no Serviço de Patrimônio da União.
Por oportuno, revelam-se absolutamente corretas as seguintes informações contidas às fls. 458 e 459 dos autos, no Ofício n° 006/PG/94, de 2 de março de 1994, do então Procurador Geral da Funai, Dr Marcelo Luís Castro Rodopiano de Oliveira:
“Esclareça-se que a delimitação de uma área indígena consiste na apresentação de um mapa e memorial descritivo baseados em estudos antropológicos, ambos elaborados em gabinete, levando-se em conta dados técnicos colhidos em campo. A demarcação de uma área, por sua vez, consiste na materialização dos dados técnicos obtidos por ocasião da delimitação dessa mesma área.
Esclareça-se, ainda, que o processo de delimitação de uma área vale-se de dados técnicos estimativos, enquanto que o processo de demarcação está representado por dados técnicos concretos. Por conseguinte, a área objeto da delimitação (demarcanda) nem sempre coincide com a área efetivamente demarcada.
A experiência da Funai em trabalhos de tal natureza, permite concluir que há uma diferença de até 15% (quinze por cento), para mais ou para menos, entre a área delimitada e a área demarcada. Essa diferença justifica-se em função da base cartográfica empregada no processo de delimitação. Quanto melhor for a base cartográfica, menor será a diferença entre as áreas demarcanda e demarcada”.
Observe-se que quando o Ministro de Estado da Justiça declara os limites de uma terra tradicionalmente ocupada, indica a “superfície aproximada de 4.500 ha” e o “perímetro também aproximado de 27 km ”. Ao indicar a delimitação da área a ser demarcada, a Portaria do Ministro da Justiça indica que os azimutes e as distâncias são “aproximados”.
Por sua vez, concluídos os trabalhos demarcatórios, com base em Relatório específico, o Exmo Senhor Presidente da República homologa a demarcação realizada de acordo com o que foi determinado pelo ato administrativo do Ministro de Estado da Justiça.
Atente-se para o fato relevante de que o Presidente da República homologa a demarcação, que resulta de determinação legal inscrita no § 1º do art. 19 da Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973.
A lei não determina que o Presidente da República homologue a delimitação da área fixada por ato do Ministro da Justiça.
No regular exercício do poder homologador, o Chefe da Administração Pública recebe o procedimento administrativo destinado à demarcação das terras indígenas já devidamente instruído e afere se está legal e administrativamente correto. Constatando sua regularidade, ou seja que foram praticados todos os atos administrativos necessários à demarcação, respeitadas as fases procedimentais e as formalidades legais e regulamentares, estando comprovado que a terra é efetivamente tradicionalmente ocupada por índios, homologa a demarcação feita.
Daí a improcedência da alegação das impetrantes, no sentido de que a área demarcada não corresponde à área delimitada.
2. Quanto à alegação de que a demarcação da terra indígena Jacaré de
São Domingos incidiu sobre títulos imobiliários de propriedade das
impetrantes, atentando contra o disposto no inciso XXII do art. 5° da
Constituição Federal;
A alegação de existência de títulos imobiliários incidentes em terras indígenas, como objeção à demarcação e à homologação da demarcação de terras indígenas, como se verifica nos autos, em relação à TI Jacaré de São Domingos, não se presta à obtenção da segurança pleiteada.
Além do disposto no § 6º do art. 231 da CF, que declara nulos e extintos os efeitos jurídicos de quaisquer atos que visem à posse, à ocupação e o domínio de terras tradicionalmente ocupadas por índios, a conclusão de que os títulos de propriedade das impetrantes se sobrepõe ao direito constitucional dos Potiguara sobre a TI Jacaré de São Domingos, o que, desde logo esclareça-se não ser verdade, exige a comprovação de que a demarcação da Terra Indígena em questão e sua homologação incidiram sobre terras que não são tradicionalmente ocupadas por índios Potiguara.
Para aferir a alegação de que a área, cuja demarcação homologada é impugnada no Mandado de Segurança em análise, seria, como é necessário confrontar e analisar outros elementos de prova, insuscetíveis de serem produzidos no processo regulado pela Lei n° 1.533/51, que exige a apresentação das provas que comprovem o direito líquido e certo, diante do que estabelece a legislação aplicável à matéria. Daí tratar-se de alegação que remete à controvérsia, cuja solução não tem como ser resolvida nos limites do processo do mandado de segurança.
Decorre dessa circunstância processual, a ausência de liquidez e certeza da pretensão das impetrantes, a ensejar o não conhecimento da impetração neste particular.
Esta, a propósito, tem sido a orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, como se pode aferir na análise das seguintes ementas:
“Mandado de Segurança. Os impetrantes têm legitimidade para postular em juízo. Todavia, torna-se inviável a pretensão à vista de que o processo do mandado de segurança assenta apenas na prova pré-constituída, não sendo meio hábil ao deslinde de matéria fática complexa e controvertida. Resta aos requerentes o uso dos meios processuais ordinários. Denegação do pedido”[1]
“Mandado de Segurança: tempestividade. Terras Indígenas.
Decreto n. 92.015/85, que declara de ocupação dos indígenas área de terras que menciona.
Iliquidez dos fatos.
Embora tempestivo o mandado de segurança, posto que ajuizado no 120 dia, contado o prazo da publicação do ato atacado, [e ele de ser indeferido se os fatos são incertos. Não é possível, no âmbito estreito do ‘’writ’, onde a prova há de ser preconstituída, espancarem-se as dúvidas quanto a serem as terras objeto do decreto atacado ocupadas ou não por indígenas. Da incerteza quanto aos fatos resulta a iliquidez do direito”[2]
“Declaração de ocupação indígena. Denega-se a ordem de desconstituição do decreto presidencial, porque o deslinde da matéria depende de indagação probatória, inviável em mandado de segurança. Mandado de Segurança indeferido”[3].
“Mandado de Segurança. Decreto 94.603, de 14.7.87, que homologou a demarcação da área indígena Pankararu.
– Saber se as áreas ocupadas pelos impetrantes são, ou não, terras indígenas para efeito de sua inclusão no decreto que homologou a demarcação da área indígena Pankararu é questão de fato que, por ser controvertida, não pode ser deslindada em mandado de segurança. Ausência de direito líquido e certo.
– Observância das normas estabelecidas no artigo 2 do Decreto 88.118, de 23.02.83, sob cuja disciplina se realizou efetivamente o procedimento administrativo de demarcação. Mandado de segurança indeferido, ressalvadas as vias ordinárias”[4].
Por oportuno, convém esclarecer que, ao contrário do que as impetrantes alegam, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Primeira Seção, ao julgar o Mandado de Segurança n 1835, impetrado contra a Portaria do Ministro de Estado da Justiça, que declarou os limites e determinou a demarcação administrativa pela Funai, interditando a área a ser demarcada, não reconheceu serem as então impetrantes as legítimas e senhoras possuidoras e detentoras da área indígena em questão.
Por maioria de votos, foi concedida parcialmente a segurança requerida, para anular o item III da Portaria Declaratória dos limites da terra indígena, que havia estabelecido:
“Proibir o ingresso, o trânsito e a permanência de pessoas ou grupos de não índios dentro do perímetro ora especificado, ressalvada a presença e a ação de autoridades federais bem como a de particulares especialmente autorizados, desde que sua atividade não seja nociva, inconveniente ou danosa à vida, aos bens e ao processo de assistência aos indígenas”.
A Primeira Seção do STJ dividiu-se em três posições, resultando vitoriosa a posição que admitiu a anulação da interdição da área delimitada, por ter reunido a maioria de votos de 6 à 3:
1. Pela concessão parcial da segurança para anular o item III da Portaria impugnada, para determinar que o Ministro da Justiça fixasse prazo para a interdição da área – Ministros Garcia Vieira (Relator), Helio Mosiman e Demócrito Reinaldo;
2. Pela concessão parcial da segurança para anular o item III da Portaria impugnada – Ministros Milton Pereira e Pádua Ribeiro;
3. Pela concessão integral da segurança para anular a Portaria impugnada – Ministros César Rocha, José de Jesus, Humberto Gomes de Barros e Peçanha Martins.
No caso, observe-se que a posição favorável à anulação integral da Portaria, considerando os títulos imobiliários como prova legítima para a desconstituição da delimitação da terra indígena, ficou circunscrita aos votos dos Ministros César Rocha, José de Jesus e Humberto Gomes de Barros. Ao reformular seu voto, o Min. Peçanha Martins fundamentou sua posição no entendimento segundo o qual a delimitação teria se baseado em estudo de um único técnico da Funai, o que, em seu entendimento caracterizaria violação ao devido processo legal previsto à época no Dec. 22/91.
A referência consignada na Ementa, do Acórdão do julgamento do Mandado de Segurança n° 1835, pelo STJ, da lavra do Ministro Milton Pereira, designado Relator para o Acórdão, no sentido de ser ”suficientemente pré-constituída a prova das situações e fatos da impetração, ainda que complexos, mas incontrovertidos”, foi destacada como fundamento de admissibilidade da via processual do mandado de segurança, conforme explicitado na mesma ementa, nos seguintes termos: “fica desembaraçada a via processual do ‘mandamus’ para a verificação da liquidez e certeza, para a correta aplicação da lei”. Em seu voto, o Min. Milton Pereira observa: “Nesse toar, o suficiente, preconstituída a prova das situações e fatos sustentatórios dos fundamentos da impetração, a meu ver, bisando, ainda que complexos, mas incontrovertidos, desarmado eventual óbice para o conhecimento do ‘mandamus’, fica desembaraçada a via processual para a verificação da liquidez e certeza, pressupostos timoneiros da constituição do direito invocado, permitindo a correta aplicação da lei”.
Mais adiante, em seu voto, o Relator para o Acórdão do MS 135/STJ assevera:
“Para não adejar dúvidas, deixo registrado que, fora a interdição, no meu entender, outros estorvos não existem para a execução procedimental da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ou por eles habitadas em caráter permanente (art. 231, C.F.)”.
Concluindo seu voto, o Min. Milton Pereira observa:
“…concedo a ordem, anulando o item III, da Portaria atacada. Quanto aos demais itens, até aqui, não afrontosos à legislação esmiuçada, continuam subsistindo, ficando anotado que, para discussão demarcatória, como forma de proteção ao seu direito de propriedade, com amplo contraditório, reconheço às Impetrantes o uso de ação petitória ou possessória, se assim pretenderem”[5].
Dessa forma, esclarecidos todos os aspectos suscitados pelas impetrantes, em especial os limites das referências feitas pelo STJ, por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança impetrado contra a Portaria do Ministro da Justiça que declarou os limites da terra indígena Jacaré de São Domingos, resta evidente, que o Mandado de Segurança não é a via processual adequada para reconhecer eventual prevalência de títulos imobiliários sobre os direitos constitucionais dos povos indígenas, nas terras que tradicionalmente ocupam, pelo fato de não se ter como provar, no processo do Mandado de Segurança, que as terras em questão não são tradicionalmente ocupadas, no caso pelo Povo Indígena Potiguara.
3. Quanto à alegação de desrespeito ao disposto no art. 6° do Decreto n° 22/91, induzindo a erro o Ministro da Justiça e o Presidente da República
O art. 6° do Decreto n° 22, de 4 de fevereiro de 1991 estabelecia que:
“A demarcação das terras de domínio indígena, referidas no art. 32 da Lei n° 6.001, de 1973, será procedida com base nos respectivos títulos dominiais”.
Por sua vez, o referido art. 32 do Estatuto do Índio, que decorre da classificação de terras indígenas contida no art. 17 da lei n° 6001/73, em especial em seu inciso III, estabelece que:
“São de propriedade plena do índio ou da comunidade indígena, conforme o caso, as terras havidas por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil”.
Portanto, a hipótese a que se refere o art. 6° do Dec. 22/91, não guarda qualquer relação com a demarcação administrativa da terra indígena Jacaré de São Domingos, pelo fato de que esta terra é tradicionalmente ocupada pelos índios Potiguara.
Como se pode aferir da leitura do Decreto n° 22/91, em especial no seu art. 1°, este ato normativo regulamentar regulava como se procederia a demarcação das terras a que se refere o art. 17 da Lei n° 6.001/73 e o art. 231 da Constituição Federal.
O art. 2° dispunha sobre a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
O art. 3° estabelecia sobre o aproveitamento de trabalhos de identificação e delimitação de terras indígenas realizados anteriormente à vigência do Decreto n° 22/91.
O art. 4° fixava a obrigação do órgão fundiário federal proceder ao reassentamento dos ocupantes não índios, que se encontrassem nas terras indígenas.
O art. 5° dispunha sobre a demarcação das terras indígenas reservadas, a que se refere o inciso II do art. 17 e os arts. 26 à 31 da Lei n° 6.001/73.
E o art. 6° fixava o procedimento de demarcação das terras que os índios individual ou coletivamente viesse a adquirir.
Já os demais dispositivos do Decreto n° 22/91 estabeleciam normas regulamentares sobre: revisão de limites (arts. 7° e 11); interdição de áreas pelo Ministro da Justiça (art 8°); homologação da demarcação pelo Presidente da República (art. 9°); registros em Cartório e no então Departamento de Patrimônio da União; alteração da denominação de terras consideradas “áreas indígenas” e “colônias indígenas” (art. 12); normatização, pela Funai das atividades dos Grupos Técnicos (art. 13); plano de demarcação de terras indígenas (art. 14).
4. Quanto à alegação de que o ato impugnado ofendeu o direito líquido e certo das impetrantes verem respeitado o domínio e a posse sobre a área demarcada, em pronunciamento judicial proposto em setembro de 1993, na Justiça Federal da Paraíba, onde tramita ação judicial de nulidade demarcatória cumulada com ação reivindicatória.
As impetrantes pretendem que o Decreto de Homologação da demarcação da Terra Indígena Jacaré de São Domingos seja anulado, pelo fato de que este ato administrativo foi editado enquanto tramita “ação ordinária de nulidade demarcatória cumulada com reivindicatória”, o que, segundo alegam prejudicaria sua regular tramitação.
Ocorre que o pedido de prestação jurisdicional, com o propósito de declarar a nulidade de um procedimento demarcatório praticado pela União, ao passo em que reivindica judicialmente o domínio da área em questão, não tem como ser prejudicado ou mesmo paralisado, inclusive como efetivamente não o foi, em razão da homologação da demarcação da terra indígena Jacaré de São Domingos, pelo Presidente da República.
Como se demonstrará em seguida, a homologação da demarcação da terra indígena constitui-se como requisito para a constituição e o desenvolvimento válido da relação processual iniciada pelas impetrantes, impedindo mesmo a extinção do processo sem julgamento de mérito, por força do disposto no inciso IV do art. 267 do CPC.
O legislador ordinário, dispondo sobre a demarcação das terras indígenas, em norma recepcionada pela Constituição Federal de 1988, estabeleceu no § 2º do art. 19 da Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, que:
“Contra a demarcação processada nos termos deste artigo não caberá a concessão do interdito possessório, facultado aos interessados contra ela recorrer à ação petitória ou à demarcatória”.
Com efeito, a vedação às demandas possessórias se justifica, porque com a demarcação administrativa de uma terra indígena, a União, baseada em elementos de prova da ocupação tradicional de uma terra por índios, a demarca como bem público federal, por força do que estabelece o inc. XI do art. 20 da CF.
Com as ações petitórias, possibilita-se a discussão sobre o reconhecimento de um direito real. Como se sabe, as ações de reivindicação, negatória, confessória e de petição de herança, são modalidades de ações petitórias[6].
No caso em análise, ao deduzir pretensão reivindicatória, os impetrantes buscam exercitar direito processual público subjetivo destinado ao resguardo de direito real que alegam ter, sobre parte da terra indígena demarcada pela União, como sendo tradicionalmente ocupada por comunidade do Povo Indígena Potiguara, no Estado da Paraíba.
Mas para que a prestação jurisdicional pretendida possa ser corretamente constituída e se desenvolver validamente, será necessário que o objeto da lide tenha tido sua demarcação administrativa homologada pelo Presidente da República.
Antes que a demarcação tenha sido homologada pelo Chefe da Administração pública federal, não há como recorrer à qualquer das ações petitórias, como a reivindicatória proposta pelas impetrantes cumulada com declaratória de nulidade demarcatória, devido à circunstância jurídica de que a demarcação administrativa não ter se aperfeiçoado.
A demarcação de uma terra tradicionalmente ocupada por índios consiste em ato administrativo composto, na medida em que a demarcação feita nos termos da delimitação declarada pelo Ministro da Justiça é homologada pelo Presidente da República.
De acordo com Hely Lopes Meireles, homologação:
“…é o ato administrativo de controle pelo qual a autoridade superior examina a legalidade e a conveniência de ato anterior da própria Administração, de outra entidade ou de particular, para dar-lhe eficácia. O ato dependente de homologação é inoperante enquanto não a recebe. Como ato de simples controle, a homologação não permite alterações no ato controlado pela autoridade homologante, que apenas pode confirmá-lo ou rejeitá-lo, para que a irregularidade seja corrigida por quem a praticou. O ato homologado torna-se eficaz desde o momento da homologação, mas pode ter seus efeitos contidos por cláusula ou condição suspensiva constante do próprio ato ou da natureza do negócio que ele encerra”[7].
Odete Medauar, por sua vez define a “homologação” a partir dos mesmos referenciais de Hely Lopes Meirelles, considerando-o como o:
“ato administrativo pelo qual um órgão com autoridade administrativa de escalão superior confirma decisão de órgão ou autoridade de escalão inferior. Conforme a legislação que a prevê, a homologação pode incidir sobre aspectos de legalidade e mérito da decisão anterior ou somente sobre aspectos de legalidade. A homologação implica, portanto, a confirmação de decisão anterior, podendo a autoridade ou órgão superior não homologar, significando não confirmação da decisão; descabe à autoridade homologadora modificar a decisão que aprecia, devendo somente confirmá-la ou não. Se uma decisão necessita ser homologada, só produzirá efeito após tal manifestação em sentido positivo”[8]
Dessa forma, a homologação da demarcação administrativa de uma terra indígena, como no caso da homologação da demarcação impugnada neste writ, não caracteriza qualquer inovação no Fonte: Cimi - Assessoria Jurídica