Nota Pública
O Cimi recebeu com preocupação a notícia da concessão de decisão liminar pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Nelson Jobim, que, atendendo a pedido de fazendeiros invasores de terras indígenas no Mato Grosso do Sul, suspendeu os efeitos da homologação da terra indígena Ñande Ru Marangatu, tradicionalmente ocupada pelo povo Kaiowá-Nãndeva até o julgamento final do processo. O fundamento adotado pelo Presidente do STF, baseia-se no voto do Min. Carlos Velloso, Relator do Mandado de Segurança, ainda em julgamento pelo Pleno do STF, no qual se impugna o Decreto de Homologação da Demarcação da Terra Indígena Jacaré de São Domingos, tradicionalmente ocupada pelo Povo Indígena Potiguara, no Estado da Paraíba. Como no caso do Povo Potiguara, o Cimi entende que a existência de ação judicial que discute a nulidade do processo administrativo de demarcação de terra indígena não é impedimento para a prática de qualquer ato no curso do processo administrativo em discussão, já que não existe decisão judicial alguma determinando que o Presidente da República se abstenha da prática de ato no processo administrativo em questão. O Cimi diverge ainda dos demais argumentos apresentados pelos fazendeiros ao Supremo Tribunal Federal: 1 – Compete ao Presidente da República, e não o Congresso Nacional, a decisão sobre a homologação de terras indígenas. Isto é determinado pelo art. 19 da Lei 6001/73, o Estatuto do Índio, que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. A alegação de que o inciso V do art. 48 e o § 2º do art. 20, ambos da Constituição foram desrespeitados, não procede, na medida em que no art. 48 da CF, estabelece-se a competência do Congresso Nacional para dispor sobre bens de domínio da União, o que não se aplica à demarcação de terras indígenas que, juridicamente, é um ato que explicita os limites das terras da União, além disso, não há necessidade de lei ordinária alguma para dispor sobre a ocupação de terras indígenas localizadas na faixa de fronteira; 2 – Quanto a aplicação Súmula 650 do STF, cumpre esclarecer que seu enunciado não se aplica às terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas que existem e exercem a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais nelas existentes. Os aldeamentos de Ñande Ru Marangatu jamais foram extintos. Os Guarani Kaiowá, apesar das violências que sofreram para saírem de suas terras, continuam vivendo ali e lutando por suas terras. 3 -. O decreto de homologação de Ñande Ru Marangatu respeita o devido processo legal, já que os fazendeiros tinham ciência do processo administrativo de demarcação da terra indígena, tanto que apresentaram contestações à proposta de delimitação formulada pela Funai, como prevê o decreto 1775/96. No entanto, a decisão do Ministro da Justiça, ao declarar os limites da terra indígena, baseado no relatório de identificação e delimitação da área, foi contrárias às contestações. A suspensão dos efeitos do decreto do Presidente da República, de 28 de março deste ano, que homologou a demarcação de nove mil e trezentos hectares, infelizmente pode contribuir para o acirramento dos conflitos pela posse da terra do povo Guarani-Kaiowá, já afetados pelo confinamento, pela fome e pela violência. O Cimi mainifesta ainda sua preocupação pela presença de um contingente das polícias Federal e Militar para executar o despejo dos índios da terra Sombrerito. Os Kaiowá afirmam que não sairão de sua terra tradicional. “Daqui só saímos mortos”, afirmaram na recente Aty Guasu (grande reunião). Uma ação policial de despejo, ali ou na terra Ivy Katu, poderá levar a um novo derramamento de sangue.