O dilema que se renova, por Paulo Maldos
A situação política do país está deteriorando a olhos vistos nos últimos dias. As denúncias de corrupção; a performance teatral do deputado Roberto Jefferson; a tímida defesa dos acusados, tesoureiro e secretário-geral do Partido dos Trabalhadores e outros integrantes da cúpula petista; a avalanche de denúncias, vazias ou não, em toda a imprensa brasileira e inclusive repercutindo no exterior; tudo isso junto contribui para alimentar um mal estar público com relação às instituições políticas, à representação popular e ao governo federal.
O clima é de perda de referências, de generalizações radicalizadas, de propostas as mais variadas, que vão do impeachment do presidente até a aliança do PT com o PSDB.
O tom exacerbado de alguns setores influentes da mídia parece indicar que existe um interesse em explorar ao máximo a atual crise, para dela retirar dividendos eleitorais para a direita tradicional, que via com pessimismo as eleições de 2006. É interessante observar como, depois de dias seguidos de manchetes com desdobramentos das denúncias de corrupção, os “institutos de opinião” publicam pesquisas com o objetivo declarado de verificar o quanto aquelas “afetaram” a avaliação do presidente e do governo.
O governo, por sua vez, não altera um só milímetro a sua política de alianças com setores da direita, estratégia que o levou ao beco em que agora se encontra; pelo contrário, reafirma a “correção” da aliança com o PTB de Roberto Jefferson (!) e convoca o PMDB para “reforçar” a sua base de sustentação política. Ou seja, “más de lo mismo” , como diriam os argentinos.
Os movimentos sociais entraram em cena, posicionando-se em torno de três eixos fundamentais: investigação profunda das denúncias de corrupção, com punição dos responsáveis; repúdio às tentativas de desestabilização da presidência da República e exigência de uma mudança de rumos do governo, para uma aliança com os setores populares; e a implementação das mudanças esperadas desde 2003. Dezenas de entidades e movimentos, articulados pela CMS – Coordenação dos Movimentos Sociais – divulgaram uma Carta ao Povo Brasileiro, na qual expressam sua análise e suas propostas de saída para a atual crise.
DESDOBRAMENTOS
É difícil imaginar os desdobramentos da situação atual: que provas irão produzir as CPI’s instaladas? E as demais investigações em curso? E as investigações da imprensa? A quem irão atingir? Com qual gravidade?
Como irá se comportar o governo? Irá manter a sua política de atração de setores de direita e que, comprovadamente, sempre trazem mais problemas de natureza ética a ele próprio? Ou como caracterizar os “ganhos” da aliança com Roberto Jefferson, com Romero Jucá, com Henrique Meirelles, com o ex-bispo Rodrigues, com o PTB, com o PP, com o PL etc. etc.? Irá manter e aprofundar a política econômica de matriz neoliberal e mais realista que o rei-FMI?
Como irão se comportar o PSDB e o PFL, na sua euforia em retirar o máximo de vantagens da crise? O PFL irá colocar em primeiro plano a proposta de impeachment; o PSDB vai continuar com sua estratégia de “sangrar” indefinidamente o governo, para exauri-lo até 2006?
Como irão se comportar os movimentos sociais? Terão força suficiente para se apresentar como uma alternativa de aliança ao governo federal, para um outro conceito e uma outra prática de governabilidade? Na verdade, esta última hipótese implica também em outro projeto político, econômico e social, aquele mesmo imaginado e esperado com as eleições de 2002, que levaram Lula à presidência da República.
Os movimentos sociais, as Igrejas e as entidades da sociedade civil definiram um calendário de mobilizações – com as Assembléias Populares Locais, Estaduais e Nacional – e de reflexões- com a IV Semana Social Brasileira – para serem realizadas ao longo deste ano, que significam condições excepcionais para a construção de um projeto alternativo para o Brasil.
O FUTURO
O governo Lula se encontra numa encruzilhada: ou aprofunda o modelo neoliberal adotado, dando continuidade à política econômica, cedendo mais e mais às exigências dos aliados da direita e aos recém fortalecidos inimigos, tucanos e pefelistas, também de direita, que se dispõem a anulá-lo ou “sangrá-lo” até a exaustão; ou traça uma estratégia de aproximação, de interlocução, de debates e de construção política de um projeto nacional, com os seus aliados históricos, de antes de 2003, com os setores populares.
A primeira alternativa promete amesquinhar ainda mais o governo Lula, reduzindo-o a uma experiência a mais das próprias elites, sem vontade de futuro, sem ímpeto de transformação, sem compromisso com o resgate das imensas dívidas sociais acumuladas ao longo da História do nosso país. Promete colocar o governo, na memória da nação, como um a mais, sem dimensão nem importância históricas.
A segunda alternativa significaria uma retomada do impulso popular que levou Lula à presidência da República, culminância de uma trajetória de trinta anos de criações e ousadias dos setores mais esclarecidos e mobilizados do povo brasileiro; entre estas, novas práticas comunitárias, no campo e na cidade; novos tipos de movimento popular e sindical; novas organizações sociais; novas práticas de participação popular e de gestão dos recursos e administrações públicas; novas e multitudinárias mobilizações sociais e políticas, que derrotaram a ditadura militar, num momento, que colocaram um governo corrupto fora do poder, em outro momento.
Este é o dilema que se apresenta ao governo Lula: tanta ousadia popular terá por conseqüência a covardia de um governo conservador a mais, um a mais controlado pelas elites? Ou, da ousadia histórica dos setores populares nascerá a ousadia de um governo que se identifica com estes e se projeta na História brasileira e latino-americana como o ponto de inflexão para a sua libertação definitiva?