Documento da XX Assembléia do Cimi Regional Rondônia
Nós, missionários e missionárias do Conselho Indigenista Missionário – regional Rondônia, reunidos em nossa XX Assembléia Regional, no CAP (Centro Arquidiocesano de Pastoral) da Arquidiocese de Porto Velho, nos dias 27 a 29 de junho de 2005, juntamente com os representantes dos povos indígenas Canoé e Oro Mon, das Pastorais Sociais da CNBB Noroeste, do Conselho Arquidiocesano de Pastoral, da Comissão Pastoral da Terra – CPT, do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, representantes do vice-provincial dos Freis Capuchinhos MT/RO e da provincial das Irmãs Catequistas Franciscanas, professora Marilza da Unir, do deputado federal Eduardo Valverde, coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas da Câmara Federal e de sua assessora parlamentar; após a avaliação das atividades desenvolvidas pelas equipes de área, bem como uma análise da conjuntura nacional e regional; das políticas públicas, especialmente da política indigenista; das constantes violências contra os povos indígenas, inclusive com mortes, manifestamos nossa indignação diante do descaso e omissão dos órgãos públicos oficiais no que tange as populações indígenas em nosso estado:
1. Terra
Apresentamos os povos indígenas Purubora, Wayuru, Miqueleno, Cujubim, Karitiana, Pangyjej, Gavião, Oro Eo, Oro Waram, Jabuti, Arikapu, Salamãi e Cassupá, expulsos de seus territórios tradicionais pelo próprio Estado brasileiro, representado por seus órgãos públicos, principalmente pela omissão do órgão indigenista oficial, pela grilagem das terras públicas e pelo latifúndio. É importante destacar a existência de inúmeros documentos destes povos, solicitando a devolução de suas terras tradicionais com a devida inclusão dos lugares sagrados.
2. Revisão de limites
Há também os povos Sabanê, Canoé, Kaxarari, Aikanã, Kwazá, Mamaindê, Oro At, Oro Mon, Oro Nao´ (do Rio Novo) e Oro Nao´ (do Rio Ouro Preto), que perderam quase todos os seus lugares sagrados de seus territórios tradicionais. Existem no Ministério Público Federal de Rondônia, inúmeros documentos destes povos, solicitando a devolução das terras tradicionais, com a devida inclusão de seus lugares sagrados.
3. Povos Indígenas Isolados
É dramática a realidade em que se encontram os povos indígenas isolados da Amazônica legal, especialmente em Rondônia, onde o risco de extermínio de culturas milenares, em pleno século XXI, é evidente pela complexidade da política fundiária em que os interesses de grupos políticos e econômicos se fundem, dando margem para que latifundiários, madeireiros, garimpeiros imperem e dessa forma invadam seus territórios, destruindo seus recursos naturais, ameaçando sua integridade física e cultural, sem que os órgãos oficiais competentes tomem as devidas providências, no sentido de regularizar e proteger suas terras. São eles: Povo Isolado da cabeceira dos rios Formoso; Povo Isolado do Rio Candeias; Povo Isolado do rio Karipuninha; Povo Isolado do rio Jaci Paraná; Povo Isolado do rio Jacundá; Povo Isolado da cabeceira do rio Marmelo e Maicizinho; Povo Isolado do rio Novo e Cachoeira rio Pacaas Novas; Povo Isolado da Rebio Jaru; Povo Isolado da Serra da Cutia; Povo Isolado chamado de “Índio do Buraco” quase extinto na fazenda Modelo; Povo Isolado do Parque Estadual de Corumbiara.
– Protestamos contra a desinterdição da Terra Indígena Muqui (Povo Isolado Jururei) pela Funai, no final de 2004.
4. Redução da terra
– A Terra Indígena Karipuna foi reduzida de 195.000ha para 152.929 ha, ou seja, perda de 42.071 ha (para atender interesses de políticos e latifundiários do estado para dar continuidade a BR 421). Entretanto, essa terra é parte do território tradicional do Povo Oro Mon;
– A Terra Indígena Omerê foi reduzida de 51.000 ha para 26.000 ha, seja uma redução de 25.000 ha (para atender interesses dos latifundiários).
Diante da atual situação, é irresponsável a afirmação do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, pronunciada na Câmara Federal recentemente: “a demarcação das Terras Indígenas já se encontra concluída no estado de Rondônia”.
Torna-se urgente a definição de uma Política Indigenista, que venha solucionar os casos de invasão de não-índios em terras indígenas, retirando os invasores e reassentando os de boa-fé.
Denunciamos:
– a conivência de funcionários da Funai com a retirada ilegal de recursos naturais como madeira, minérios, peixe e a falta de providências tomadas quando os povos indígenas encaminham as denúncias;
– as situações de descaso quanto ao atendimento à saúde indígena vem se agravando a cada ano. A partir de abril 2004, quando a Funasa assumiu a execução das ações de saúde, a esperança de um atendimento melhor não aconteceu, pelo contrário, e os profissionais estão há um ano sem contrato. Nas reuniões de conselhos, a Funasa pressiona os conselheiros para aprovarem o Plano Distrital e a entidade a ser conveniada, sem transparência. Os recursos, já insuficientes, estão chegando cada vez menos nas comunidades indígenas devido à burocracia do órgão. A contratação de inúmeras empresas pela Funasa, para a realização dos serviços, encarece os custos.
– o não cumprimento das políticas públicas referentes a uma educação específica e diferenciada e desinteresse quanto à implantação do ensino nos diferentes níveis. Entendemos que os direitos indígenas não devem ser tratados isoladamente, mas de forma articulada, no conjunto do debate acerca do Estatuto dos Povos Indígenas;
– somos solidários aos povos indígenas de Guajará-Mirim, que ocuparam a sede da Funai, exigindo a exoneração do funcionário responsável pela fiscalização. Nestes últimos anos, tal funcionário foi denunciado várias vezes por corrupção no MPF, pelas comunidades indígenas, sem que providências tenham sido tomadas. No início do mês de junho último, esse mesmo funcionário coordenou uma operação de fiscalização que envolveu indígenas e um deles chegou a falecer depois de ter sofrido uma picada de cobra.
A crise atual, resultado de inúmeras denúncias de corrupção envolvendo o Legislativo e o Executivo do estado de Rondônia, revela a irresponsabilidade dos políticos no uso do dinheiro e dos bens públicos; fatos estes que já vinham sendo denunciados por setores organizados da sociedade e que foram se agravando devido a paralisia da Justiça.
O Estado brasileiro continua sendo utilizado como instrumento das forças econômicas anti-indígenas que, sedentas do lucro fácil, dão continuidade aos grandes projetos, como a construção de hidrelétricas, ao agronegócio, à monocultura da soja, ao gasoduto e outros, que afetam drasticamente a vida dos povos indígenas.
Tendo por base o compromisso assumido pelo governo federal diante das reivindicações das lideranças indígenas, por ocasião do “Acampamento Terra Livre”, em Brasília, exigimos a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista e o respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas.
Conclamamos todo o povo brasileiro para a luta por uma sociedade realmente democrática, onde os povos indígenas possam viver e construir seu futuro em liberdade.
Porto Velho, 28 de junho de 2005.