Proposta para o Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI
FÓRUM EM DEFESA DOS DIREITOS INDÍGENAS
Secretaria Executiva
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O Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas, colegiado formado por organizações indígenas e organizações não governamentais de apoio à causa indígena, responsável pela organização da mobilização “Abril Indígena”, vem, em função do compromisso assumido pelo Governo Federal de criar o Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI, apresentar ao Governo e à sociedade a seguinte proposta e respectivos princípios que, no entender das organizações indígenas e entidades da sociedade civil que apoiam o movimento indígena, devem integrar a estrutura e funcionamento do referido Conselho.
a) Um novo conceito para uma nova Política Indigenista
Desde a criação do Serviço de Proteção ao Índio – SPI, na primeira metade do século passado, o Estado brasileiro entendeu por bem concentrar em um único órgão federal a responsabilidade pelo oferecimento de políticas e serviços públicos aos povos indígenas, nas áreas da saúde, educação, demarcação e proteção de terras indígenas, entre outras demandas. Esse desenho institucional correspondeu ao modelo tutelar onde o órgão indigenista substituía aos povos indígenas e às suas organizações na interlocução com a sociedade e o próprio Estado.
Essa tendência centralizadora que continuou em vigor até a década de 90, mesmo com a extinção do SPI e a sua substituição pela FUNAI, em 1967, era sustentada por uma política indigenista que por sua vez se baseava na premissa de que os povos indígenas seriam “transitórios”, destinados a desaparecer num processo de assimilação à comunhão nacional. Nessa condição, não se justificaria criar políticas estruturantes para os povos indígenas, o que levou, num determinado momento histórico, a se confundir política indigenista com o órgão indigenista.
Ocorre que, contrariamente àquelas expectativas, os povos indígenas voltaram a crescer demograficamente e se firmaram enquanto povos culturalmente diferenciados dentro do Estado brasileiro. A figura jurídica da tutela foi revogada pela Constituição Federal de 1988 e posteriormente com a ratificação da Convenção 169 da OIT. Nesse contexto, a política indigenista adquire o formato de uma política pública com abrangência de várias instâncias e responsabilidades do Estado. Seguindo essa tendência, a partir de 1992, parte dos serviços públicos que antes eram oferecidos com exclusividade pela FUNAI, ligada desde o Governo Collor ao Ministério da Justiça, passaram a ser gerenciados e/ou prestados por outros órgãos do governo federal, a exemplo da saúde (FUNASA), educação (MEC), assistência agrícola (MDA) e extrativismo (MMA).
A diversificação da execução da política indigenista representou o envolvimento e a responsabilização de outros segmentos do Estado na sua gestão, significando maior aporte de recursos humanos e financeiros. No entanto, o despreparo com que esses segmentos passaram a atuar, decorrente da ausência de diretrizes para uma política pública de caráter diferenciado, causou inúmeros problemas para os povos indígenas. Desse modo, se por um lado a descentralização da política indigenista é positiva, por outro requer definição de uma política pública, e respectivas diretrizes, que resultem na articulação entre essas diversas instâncias bem como de suas ações. É necessário, portanto, não a volta da velha política indigenista centralizada, mas a criação de um espaço onde os diversos órgãos federais envolvidos com a questão indígena possam conversar entre si, incorporar a visão dos povos indígenas na suas ações e coordená-las com o intuito de maximizar sinergias e evitar desencontros.
Esse é o marco conceitual dentro do qual deve ser criado o CNPI.
b) Formulação e coordenação das ações do Governo Federal voltadas aos povos indígenas
Um dos objetivos do CNPI deve ser o de coordenar e harmonizar, dentro do Governo Federal, a elaboração e implementação de políticas públicas específicas e diferenciadas destinadas aos povos indígenas e que hoje se encontram em diversos ministérios e órgãos da Administração Pública indireta.
Para tanto, o CNPI deverá necessariamente reunir todos os ministérios e órgãos públicos federais que de alguma forma tenham ou possam vir a ter alguma linha de ação voltada aos povos indígenas.
Para ter poder e legitimidade para coordenar as ações dos diversos ministérios, é fundamental que o conselho esteja diretamente ligado a uma instância hierarquicamente superior aos mesmos.
c) Competências do CNPI
1- Dispor sobre a política indigenista do Estado brasileiro;
2- Aprovar normas regulamentares relativas à política indigenista
3- Coordenar as ações do governo federal relativas à política indigenista;
4- Acompanhar, avaliar e fiscalizar a execução da política indigenista;
5- Promover a capacitação técnica para os executores da política indigenista;
6- Acompanhar a formulação e a execução orçamentária no que diz respeito ao financiamento da política indigenista;
7- Acompanhar o trabalho legislativo relativo à política indigenista;
8- Acolher e dar consecução a petições e requerimentos relativos à execução da política indigenista;
9- Dispor sobre seu Regimento Interno.
d) Formato participativo
Outro objetivo do CNPI deve ser o de aprimorar a eficiência das políticas públicas federais voltadas aos povos indígenas. Para tanto, é fundamental que ele seja composto não só por representantes de Ministérios e órgãos públicos federais, mas conte também com a participação direta de representantes dos povos indígenas e entidades da sociedade civil que trabalham junto a povos indígenas. A composição do Conselho deverá observar a paridade na participação de indígenas e não indígenas, assegurando a efetivação de uma política pública diferenciada.
Não há como elaborar uma nova política indigenista sem a participação efetiva dos povos indígenas e de representantes da sociedade civil. Essa participação é fundamental, pois permite não só a democratização das decisões, mas também o controle social das ações do governo federal, contribuindo assim para que as políticas oficiais sejam avaliadas e aprimoradas, portanto eficazes.
A participação da sociedade civil é essencial para juntar todos os pontos da política indigenista, pois ela ajudará a apontar quais as incongruências e colidências hoje existentes entre as políticas setoriais, quais são os gargalos que impedem que sejam aprimoradas e, principalmente, quais as ações que faltam serem elaboradas e implementadas.
A coordenação dos trabalhos do Conselho deverá estar a cargo de alguma instância que esteja acima dos Ministérios e respectivos órgãos de modo a cumprir o papel de coordenação da ação executiva do governo federal.
A representação indígena deverá refletir as diferentes realidades socioculturais do país.
A representação da sociedade civil deverá refletir aqueles setores que historicamente trabalharam a favor da efetivação dos direitos e interesses dos povos indígenas no Brasil.
O conselho deverá garantir mecanismos de consultas amplas por meio de conferências indígenas locais, regionais e nacional.
e) Composição do Conselho
O Conselho será composto por 46 Conselheiros, 40 com direito a voz e voto, 05 apenas com direito a voz e 01 representante com direito a voz e ao voto de “minerva”.
f) Representantes do Governo Federal:
1- Secretaria Geral da Presidência da República;
2- Casa Civil;
3- Ministério da Justiça/Funai;
4- Ministério da Saúde/Funasa;
5- Ministério da Educação;
6- Ministério do Meio Ambiente/Ibama;
7- Ministério do Desenvolvimento Agrário/Incra;
8- Ministério do Desenvolvimento Social;
9- Ministério de Minas e Energia;
10- Ministério das Relações Exteriores;
11- Ministério da Defesa;
12- Ministério do Planejamento;
13- Ministério da Cultura;
14- Ministério das Cidades;
15- Ministério da Fazenda;
16- Secretaria Especial de Direitos Humanos.
f.1) A Secretaria Geral da Presidência da República presidirá o Conselho e terá direito a voz e ao voto de “minerva”, portanto votará apenas em caso de empates. Também caberá à Secretaria Geral da Presidência a função de Secretaria Executiva do Conselho.
f.2) Os outros 15 representantes do governo federal terão direito a voz e a voto.
f.3) Os conselheiros titulares e suplentes representantes do governo federal serão indicados pelos respectivos titulares das pastas e órgãos do governo.
g) A representação dos povos indígenas se dará por grandes regiões socioculturais assim definidas:
1- Amazônia Brasileira ou Legal incluindo os Estados do Amazonas, Pará, Mato Grosso, Maranhão, Tocantins, Rondônia, Acre, Roraima e Amapá, correspondendo a aproximadamente 47% da população indígena brasileira[1].
2- Nordeste e Leste incluindo os Estados do Ceará, Bahia, Minas Gerais, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe e Espírito Santo. Correspondendo a aproximadamente 25% da população indígena brasileira.
3- Sul e Sudeste incluindo os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, correspondendo a aproximadamente a 17% da população indígena brasileira.
4- Centro Oeste incluindo os Estados de Mato Grosso do Sul e Goiás, correspondendo a aproximadamente 11% da população indígena brasileira.
g.1) O número de conselheiros por região será proporcional à população indígena daquela região, ficando assim: Amazônia brasileira com 9 conselheiros, o Nordeste e leste com 5 conselheiros, Sul e Sudeste com 4 e Centro Oeste com 2, perfazendo um total de 20 conselheiros.
g.2) A escolha dos conselheiros representantes dos povos indígenas obedecerá os seguintes critérios:
1- Poderão ser membros do Conselho lideranças indígenas indicadas por organizações indígenas devidamente cadastradas junto ao Conselho que tenham no mínimo 3 anos de existência legal e 3 anos de comprovada atuação na defesa dos direitos indígenas.
2- As organizações indígenas cadastradas junto ao Conselho poderão indicar, por meio de voto, os nomes correspondentes ao número de vagas para Conselheiros e suplentes da região a que pertencem. Os votos serão enviados por correio à Secretaria Executiva do Conselho juntamente com a ata de votação assinada pelas diretorias dessas associações.
3- A apuração dos votos será procedida pela Secretaria Executiva do Conselho juntamente com os representantes do Ministério Público Federal (MPF), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB), Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e Advocacia Geral da União (AGU).
4- O mandato desses conselheiros e suplentes será de dois anos.
h) À representação da sociedade civil será reservada 05 vagas no Conselho com direito a voz e voto a serem preenchidas da seguinte forma:
1- Poderão se candidatar a uma vaga no Conselho as entidades da sociedade civil não indígena devidamente cadastradas junto ao Conselho que tenham no mínimo 5 anos de existência legal, 5 anos de comprovada atuação em defesa dos direitos indígenas e atuação em mais de uma unidade da federação;
2- As entidades cadastradas indicarão dentre elas cinco para compor o Conselho. Os votos serão enviados por correio à Secretaria Executiva do Conselho juntamente com a ata de votação assinada pela diretoria da entidade;
3- A apuração dos votos será procedida pela Secretaria Executiva do Conselho juntamente com representantes do Ministério Público Federal, OAB, CNBB, ABA e AGU.
4- As entidades eleitas indicarão seus representantes titulares e suplentes para um mandato de dois anos.
i) Terão assento no Conselho apenas com direito a voz as seguintes entidades: MPF, CNBB, OAB, ABA e AGU, cujos titulares e suplentes serão indicados pelas respectivas entidades.
j) Do funcionamento
1- O Conselho se reunirá no mínimo quatro vezes por ano, podendo reunir-se mais vezes segundo a manifestação da maioria dos seus membros.
2- O Conselho funcionará com Câmaras Temáticas para tratar de políticas e ações específicas. Essas Câmaras serão compostas por membros do Conselho e convidados. O funcionamento das Câmaras será disposto em regimento interno.