11/06/2005

Guajajara do Araribóia, um triste horizonte devastado e sem alternativas

Cristiano Navarro, de Amarante (MA)


 


Enquanto a professora Maria da Conceição Ribeiro Guajajara vê pela janela da sala de aula um caminhão lotado dos troncos de Ipê atravessar sua aldeia rumo a cidade, seus 28 alunos assistem as explicações atentamente sentados em tijolos de barro. Na escola Kari, que recebe o mesmo nome da aldeia, não existem cadeiras, mesas ou armários.


 


O caminhão que Conceição vê partir da aldeia tem caminho certo. Depois que oito toras de 10 metros de Ipê são cortadas e colocadas no caminhão, o madeireiro paga a um Guajajara em média 25 reais por “carrada” (nome dado ao caminhão cheio de madeira) . O madeireiro vende a tora de madeira para o serralheiro por mil reais o metro cúbico. O serralheiro repassa o ipê para fábricas de móveis e construção, principalmente dos estados da região Sul e de São Paulo, por 2 500 reais em média o metro cúbico. Considerando que em cada carrada é possível se aproveitar 80 metros cúbicos de Ipê, pode-se concluir que da floresta até a indústria de móveis, o ágio sobre o metro cúbico de Ipê é de 80.000 % sobre o valor pago ao Guajajara. O preço da “carrada” pode ser menor, variando de acordo com a necessidade que passa a comunidade indígena. Não são raras as vezes em que os Guajajara são pagos com alimentos como açúcar, óleo de soja e café. Em outras vezes os madeireiros, simplesmente não pagam e ameaçam de morte os Guajajara.


 


 


Ipê, Camaru, Jatoba, Massaranduba, Sapucaia, Maracatiara, Amarelão são muitos os tipos de madeiras consideradas “nobres” encontradas nesta terra indígena. Localizada no oeste do Maranhão, o território dos Guajajara do Araribóia, de 547 mil hectares, é uma área muito cobiçada por madeireiros que atuam de maneira ilegal na floresta Amazônica. Em um levantamento feito pela Funai de Imperatriz, nos últimos 20 anos, constata-se que aproximadamente 70 % de toda terra indígena foi devastada pela ação dos madeireiros. Estima-se que existam cerca de 87 caminhões e 27 tratores derrubando árvores diariamente.


 


 


Comércio maldito


 


 


“A venda da madeira não trouxe benefício para nenhum Guajajara. Ninguém ganhou dinheiro ou ficou rico. Muito pelo contrário, o madeireiro trouxe para aldeia doença, bandidos, devastação, morte, prostituição, cachaça, ganância e inveja”, argumenta o cacique da aldeia Iporangatú, Itamar de Souza Guajajara.


 


 


Depois da área devastada, muitos dos que trabalham no corte das árvores, como tratoristas, motoristas, serralheiros, catraqueiros, cozinheiros, passam a viver na terra indígena. Entre estes trabalhadores encontram-se  muitos foragidos da polícia com mandado de prisão por crimes como assassinato e assalto à mão armada.


 


No rastro do corte ilegal de madeira vêm as carvorias, que se instalam dentro da terra indígena e seu entorno. Para fazer o carvão retira-se quase todo tipo de árvore. Sobre a madeira, de menor valor, retirada e queimada nos fornos, as comunidades não recebem nada.


 


Todo carvão produzido nesta região vai para as indústrias do município de Açailândia, importante pólo siderúrgico onde encontram-se empresas como a Vale do Rio Doce e Ferroguza.


 


O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), que há dez anos trabalha na região combatendo o trabalho escravo na região sul do Maranhão, denuncia: “tanto no trabalho do corte de madeira, quanto nas carvorias existem trabalhadores em situação de escravidão”.


 


“Não se trata apenas da destruição da floresta, a ação dos carvoeiros e dos madeireiros sustenta o ciclo econômico do trabalho escravo e desestrutura completamente a dinâmica da sociedade dos Guajajara”, confirma o Conselho Indigesnista Missionário (Cimi), que trabalha há 27 anos com os povos indígenas do Maranhão.  


 


 


Durante os dois dias em que a reportagem esteve na terra Araribóia, correu a notícia de que uma grande operação, envolvendo o Exército, a Polícia Federal, o Ibama e Funai, seria realizada para prender não-índios foragidos da polícia e coibir a extração ilegal de madeira. Neste período, o movimento de extração esteve totalmente paralisado. Não encontramos nenhum caminhão, arrrastão, tratores ou homens com moto-serra foram  na área de maior fluxo. No entanto, foram encontradas toras cortadas de Ipê e Jatoba abandonadas.


 


“Quando tem operação as autoridades só encontram os índios, parece até que os madereiros já sabem. No fim sobra para nós passar pela humilhação de ser tratado feito bandido”, afirma o cacique da aldeia Angelim, Dico Rodrigues Guajajara.


 


 


Isolados em risco


 


Há pouco mais de um mês, os Guajajara do Araribóia contataram visualmente aproximadamente 60 pessoas do povo Awá que vive isolado de maneira nômade perambulando pelo o que restou da floresta. Anteriormente haviam vestígios da presença dos Awá nesta região, evitando o contato a todo custo com a sociedade envolvente ou mesmo com os Guajajara. “Neste contexto de violência, os Awá são os mais vulneráveis a violência e as doenças transmitidas pelos ‘brancos’” diz José Pedro Luís, da Funai de Imperatriz.


 


Segundo Pedro Luís, dentro do estado mais pobre da federação, os Guajajara do Araribóia são o povo indígena com maior índice de tuberculose, e o fator principal é a desnutrição.”Com a chegada do madeireiro, muita gente deixou de fazer roça e ficou dependente da derrubada. Agora que a mata vai se acabando, o povo vai passando necessidade. Antes não era assim, cada família fazia vivia da sua roça e aqui tinha muita caça” comenta o cacique Itamar.


 


Não sói a tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis também chamam atenção. Na terra indígena, três pessoas morreram infectadas pelo vírus da aids e ainda há outro doente infectado com o vírus. “As doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids, são um grande perigo. A falta de informação e atendimento pode levar a uma tragédia”, afirma Pedro Luís. 


 


A dificuldade no transporte dos doentes da Floresta até a cidade e o fato de existir apenas uma equipe de saúde para  cobrir as 49 aldeias da terra indígena coloca os Guajajara do Araribóia em total abandono no que se refere à saúde. 


 


Um futuro diferente?


 


Além da falta de estrutura, a escola Kari não recebeu alimentos para merenda, material didático. O salário de sua única professora, Conceição que leciona para alunos de 1ª a 4ª série, está atrasado há 5 meses. A partir da quinta série todos os alunos Guajajara precisam ir para cidade para estudar, o que na época de chuva é impossível de ser feito. “Que futuro que nós vamos dar pra essas crianças nas condições em que vivemos?” questiona Conceição.


 


Sem projetos ou financiamento do governo para agricultura ou exploração sustentável dos recursos naturais da floresta, neste momento não existem alternativas econômicas imediatas no horizonte dos Guajajara da Aribóia. “Ninguém fica feliz vendo a mata ir embora, mas sem nenhuma assistência, de remédio, de educação e sem nenhum projeto do governo para plantar a nossa roça, o que é que a gente vai fazer para sobreviver? E esse homens do Ibama que criticam a gente, queria ver viver aqui abandonado na floresta como a vive”, desafia a liderança da aldeia Iporangatú,  Vírgulino de Souza Guajajara.


 


 


 

Fonte: Cimi
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