ABIN, Agência Estado e o direito dos povos indígenas
Egydio Schwade, indigenista
Desde 1987 a Agência Estado, suas servis repetidoras e agora com uma aliada dentro do Governo, a Agência Brasileira de Inteligência-ABIN, vem insistindo em levianas acusações contra as organizaçõesindigenistas, principalmente contra o Conselho Indigenista Missionário – CIMI. Veja suas últimas investidas em A Crítica de 8-5-05 sob o título: “ABIN suspeita dos interesses de Ongs na Região Amazônica”.
Participei na fundação de pelo menos quatro organizações indigenistas: OPAN-Operação Amazônia Nativa (Cuiabá/1969), CIMI (Brasília/1972) e Grupo Kukuru (Manaus/1977), esta junto com professores e estudantes da UFAM-Universidade Federal do Amazonas.
Durante quatro anos fui Coordenador Técnico da OPAN (1969-1973) e sete anos Secretário Executivo do CIMI (1973-1980). A julgar pelo conteúdo das reportagens da Agência Estado eu deveria ser um dos elementos mais favorecidos pelos “interesses” a que se referem as reportagens em foco.
Já naquele ano de 1987, eu e minha esposa, fomos alvos principais de três matérias da Agência de Notícias Estado. Nunca recebemos espaço algum para nos defender, nem na Agência Estado e nem nas suas servis repetidoras. Também nunca tiveram interesse algum em investigar-nos aqui no interior da Amazônia. Em dezembro de 1986 fomos expulsos da área indígena Waimiri-Atroari por Romero Jucá, Presidente da Funai, órgão então subordinado ao “sortudo” Ministro João Alves, do Interior. Com isto ficou interrompido o primeiro trabalho de alfabetização na língua daquele povo indígena que desenvolvíamos ali. A injustiça sofrida prejudicou a nós e a nossos filhos. Jucá justificou a sua atitude com a seguinte mentira: “Ele (Egydio) estava ensinando a língua portuguesa através de métodos que pregavam a violência contra o homem branco e a FUNAI”. (O Estado de São Paulo 15-8-87).
Em verdade eu apenas alertara os índios sobre novos avanços da Mineração Taboca (Paranapanema) nas terras Waimiri-Atroari. A empresa já havia grilado antes 526.000 hectares do território desses índios, os quais foram posteriormente desmembrados pela Ditadura Militar.
Como não consegui espaço algum na Imprensa para me defender, recorri ao então Ministro da Justiça, Paulo Brossard, meu conterrâneo e que conhecia o meu trabalho indigenista desde os idos de 1977, quando em sua residência e mesa de trabalho em Porto Alegre, elaboramos juntos, um dos seus importantes discursos de Senador da Oposição ao Regime Militar. O discurso tratou em especial da lastimável situação em que se encontravam as populações indígenas durante a Ditadura.
No recurso ao Ministro solicitava uma investigação sobre as acusações levianas sofridas. Entretanto, este sequer acusou o recebimento da missiva, o que não foi estranho, porque os interesses das elites políticas e empresariais não mudaram da Ditadura Militar para a Nova República.
Mas o que está, então, por detrás das acusações da Agência Estado e da Agência Brasileira de Inteligência contra as ONGs indigenistas?
Vocês conhecem o levantamento dos povos indígenas, feito por Darci Ribeiro nos anos 50? Veja o que ele diz em seu livro “Os Índios e a Civilização” pg.431: “A população indígena do Brasil, cujo montante se encontrava em 1957 entre um mínimo de 68.100 e um máximo de 99.700, não alcança, mesmo na hipótese mais otimista, 0,2% da população nacional. Distribuídos pelas diversas regiões do País, os valores médios destas avaliações nos dão um montante provável de 52.550 (61%) para a Amazônia; de 18.125 (21,6%) para o Brasil Central; de 7.700 (9%) para o Brasil Oriental, e de 5.525 (6,5%) para a região Sul”.
Darci comparava este quadro com o do início do século 20 e concluía que … “o extermínio no período considerado foi de 73,4%”.
No início dos anos 70, o latifúndio e as mineradoras, com o aval do Governo Militar haviam loteado entre si quase todos os territórios indígenas do país, aguardando apenas o seu desaparecimento para ocupá-los.
Entretanto, esta perspectiva de morte inexorável dos povos indígenas mudou com a intervenção do CIMI, OPAN, CCPY e outras. Em 1978, como secretário do CIMI, orientei uma nova pesquisa da população indígena brasileira. Os indígenas já haviam duplicado sobre os dados de Darci Ribeiro. Eram 220.000. Hoje as estatísticas já dão conta de que são mais de 450.000 ou até 750.000 conforme o IBGE, frustrando toda a expectativa necrófila de mineradores e latifundiários.
Isto não foi apenas conseqüência de um crescimento físico, mas principalmente da esperança de vida que se apoderou dos povos indígenas, quando as ONGs indigenistas e algumas igrejas, como a Católica e a Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, mudaram a catequese doutrinadora e iniciando a pregação da Boa Nova do direito à Terra, à Autonomia e a sua Cultura. Povos inteiros renasceram das cinzas dos roubos e dos preconceitos sofridos. Levantaram-se assumindo a sua identidade étnica, retomando a sua cultura e os territórios perdidos, entregues pelos governos ou grilados pelo latifúndio e mineradoras.
Como Coordenador Técnico da Operação Amazônia Nativa e como Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário, durante a difícil década de 70, acompanhei os povos indígenas na retomada de sua História de Norte a Sul. Na vanguarda desta luta dos índios não estavam apenas ONGs e igrejas, mas também profissionais liberais e principalmente jornalistas que trabalhavam em diversas empresas jornalísticas, inclusive do Estado de São Paulo. Imprensados entre a Ditadura Militar e as suas empresas, eles arriscavam diariamente tudo para exercerem um jornalismo que tinha como meta a justiça e a verdade. E isto, inclusive, muito antes do levante do Movimento Operário do ABC em 1978.
O latifúndio e as mineradoras, sustentáculos da ditadura militar não saíram de cena com Nova República. Apenas mudaram a sua estratégia de ação. Aliança e suborno de algumas empresas de notícias fazem parte da nova estratégia. Através delas mantém a pressão contra os povos indígenas e os seus aliados e pressionam com audácia cada vez maior. Veja a resistência contra a homologação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima.