Índios Tupinikim e Guarani iniciam a auto-demarcação de suas terras
Cerca de 500 índios Tupinikim e Guarani do município de Aracruz (ES) iniciaram na manhã desta terça-feira a auto-demarcação das suas terras. Eles pretendem que o Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos garanta a demarcação dos 18 mil hectares de terras indígenas reconhecidas como tais por estudos conclusivos da FUNAI. Destes 18 mil, hectares, 11 mil ainda não foram demarcadas e estão nas mãos da multinacional Aracruz Celulose. O Ministério Público Federal do Espírito Santo encaminhou pedido, através do Procurador Geral da República Cláudio Fonteles, ao Ministro da Justiça, recomendando a ele a editar uma nova portaria de demarcação que garanta o direito dos Tupinikim e Guarani sobre os 18 mil hectares.
A comissão de caciques e lideranças Tupinikim e Guarani encaminhou uma carta aberta ao Ministro da Justiça, explicando os motivos da ação (segue abaixo). Declaram que Com este ato, queremos expressar para o Sr. e para todo o povo brasileiro, que as terras pertencem aos povos Tupinikim e Guarani, e devem ser devolvidas para construirmos o nosso próprio futuro, garantindo nossa liberdade e autonomia, e o futuro dos nossos filhos e netos.
Em solidariedade à ação dos índios, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) do Espírito Santo, junto com outras entidades, movimentos, igrejas e demais apoios, está mobilizando 400 pequenos agricultores para protestar na frente da fábrica da Aracruz Celulose, símbolo do agronegócio e do latifúndio no Espírito Santo e violadora dos direitos indígenas.
CARTA ABERTA DA COMISSÃO DE CACIQUES E LIDERANÇAS TUPINIKIM E GUARANI AO MINISTRO DA JUSTIÇA MÁRCIO THOMAZ BASTOS
Aracruz, 17 de maio de 2005
Exmo. Senhor Ministro da Justiça,
A Comissão de Caciques e Lideranças Tupinikim e Guarani vem manifestar o seguinte em relação à luta dos nossos povos pela demarcação integral das nossas terras:
1. Em 1997, a FUNAI, através do Grupo Técnico 0783 de 1994, identificou 18.071 hectares como terras tradicionalmente ocupadas por nós, Tupinikim e Guarani. A complementação solicitada pelo ex-Ministro da Justiça Íris Rezende, bem como o relatório do Grupo Técnico 087 de 1998, confirmaram as conclusões do GT 0783/94.
Apesar destes estudos, o ex-Ministro da Justiça, através das Portarias 193, 194 e 195 de 6 de março de 1998, decidiu, de forma inconstitucional, pela redução da área indígena a ser demarcada de 18.070 para apenas 7.061 hectares. Em seguida, realizamos a auto-demarcação das nossas terras mas, após 8 dias, fomos reprimidos na nossa ação através de uma verdadeira operação de guerra da polícia federal, que fechou o acesso às aldeias, e nos levou para Brasília onde, sem o direito a assessoria e isolados das nossas comunidades, fomos obrigados a assinar um acordo com a empresa Aracruz Celulose, sob a ameaça de perder todas as terras, se não aceitassemos esta proposta.
Consideramos este Acordo ilegal, já que através do mesmo tivemos que aceitar que a Aracruz continuasse a explorar 11.009 hectares das terras Tupinikim e Guarani, em troca de uma indenização em forma de projetos sociais, por um prazo de 20 anos. A ilegalidade da troca de terras indígenas por dinheiro foi confirmada pelo próprio Ministério Público Federal do Brasil que retirou sua assinatura do Acordo ainda no ano de 1998.
No dia 19 de fevereiro deste ano, realizamos uma Assembléia Geral com mais de 350 indígenas de todas as sete aldeias Tupinikim e Guarani. Depois de uma profunda análise da situação dos nossos povos, decidimos, por unanimidade, lutar pela retomada de nossas terras, hoje ocupadas pela Aracruz Celulose. O Acordo não conseguiu resolver nossos problemas, ao contrário, tem nos causado ainda mais dificuldades, gerando dependência econômica, divisão entre as aldeias e enfraquecimento da nossa cultura. A morte da nossa cultura é a morte simbólica do nosso povo.
No dia 31 de março, a Procuradoria Geral da República no Espírito Santo abriu Inquérito Civil Público 1.17.000.385/2005-75 para apurar irregularidades no processo de demarcação e homologação das terras Tupinikim e Guarani no Espírito Santo. Após análise dos estudos dos Grupos Técnicos da FUNAI, acima citados, e dos demais documentos, a Procuradoria confirmou essas irregularidades e encaminhou, no dia 12 de maio, para o Senhor, através do Procurador Geral da República, uma recomendação para declarar a nulidade das Portarias 193, 194 e 195 de 6 de março 1998, incluindo também os decretos homologatórios de 11 de dezembro de 1998. Ao mesmo tempo, os procuradores solicitam também que o Senhor edite novos atos de reconhecimento das nossas terras indígenas, totalizando o montante de 18.070 hectares, conforme as conclusões dos laudos antropológicos confeccionados pelos GTs 0873/94 e 087/98.
Na certeza da legitimidade e validade dos estudos do GT, e convencidos de que os 18.070 hectares de terras é direito dos povos Tupinikim e Guarani, tomamos a decisão de iniciar, no dia de hoje, a auto-demarcação das nossas terras.
Com este ato, queremos expressar para o Sr. e para todo o povo brasileiro, que as terras pertencem aos povos Tupinikim e Guarani, e devem ser devolvidas para construirmos o nosso próprio futuro, garantindo nossa liberdade e autonomia, e o futuro dos nossos filhos e netos.
500 anos atrás cortaram as árvores que representam os povos e culturas indígenas; hoje, com nossa luta, voltam a brotar com força as raízes indígenas no Espírito Santo. Confiamos que o Exmo. Sr. decida, nos próximos dias, a favor do nosso direito, um direito garantido na própria constituição e que deve ser cumprido.
Comissão de Caciques Tupinikim e Guarani/ES