29/04/2005

Diante das ausências e portas fechadas aumenta a tensão e paciência chega ao limite

No terceiro e quarto dia de mobilização indígena do Acampamento Terra Livre acirraram-se os ânimos dos líderes indígenas. Primeiro foi a evasiva do presidente da Funai que prometeu estar com eles no início do dia e hora marcada mandou dizer que tinha surgido outro compromisso, em função da questão de Raposa Serra do Sol.


 


“Ele está se escondendo atrás desse fato, para não dar resposta às questões e questionamentos que estamos fazendo”, manifestou-se revoltada uma das lideranças. Foi dito que essa tem sido uma prática recorrente do presidente do órgão que tem evitado o diálogo com os povos indígenas.


 


Diante da negativa, a plenária aprovou o envio de um documento ao Ministro da Justiça dando um prazo de um dia e meio para que os recebesse, caso contrário iria ver outras formas de lidar com essas autoridades.


 


Quando foram levar a carta ao Ministro, encontraram as portas trancadas. Depois de muita espera, irritação e negociação uma delegação acabou entregando a carta. Receberam a promessa de que iria recebe-los no dia seguinte, limitando os integrantes a 30 pessoas. Isso de fato ocorreu, transcorrendo a conversa em clima de cordialidade.


 


Os presidentes da Câmara e do Senado também não compareceram ao auditório. Apenas dois senadores e dois deputados se fizeram presentes. Esse fato também foi considerado como um descaso concorrendo para a falta de diálogo que tem sido a tônica predominante nas relações dos poderes da Republica com os povos indígenas. Os parlamentares presentes manifestaram sua solidariedade à luta dos povos indígenas e se manifestaram favoráveis às principais propostas do movimento indígena com relação a terra, criação do Conselho de Política Indigenista e retirada de pauta de projetos anti-indígenas no Congresso. Mesmo o senador Delcídio manifestou-se favorável à discussão e aprovação do Estatuto do Índio, aglutinando a ele outros projetos de lei relacionados à questão indígena.


 


Já no dia 28 aconteceram várias atividades na parte da manhã. Inicialmente marcharam para o Congresso onde pretendiam entregar documentos aos senadores e deputados com as principais reivindicações do movimento e participarem de atividades que lhes dizem respeito. As portas novamente se fecharam impedindo a entrada dos índios na “casa do povo”. Após as negativas dos seguranças e a falta de resultados dos parlamentares que estavam intermediando a entrada, foram fechadas as duas vias de acesso ao Congresso. Falas indignadas sucederam-se e um clima de revolta tomou conta das lideranças. Acharam um absurdo estarem sendo barrados quando apenas estavam ali de forma ordeira, lutando por seus direitos. “Isso é mais uma discriminação inaceitável que estamos sofrendo”, diziam as lideranças. A revolta aumentou quando um grupo de mulheres de militares, que estavam em manifestação por melhores salários para seus maridos, tiveram entrada facilitada para o Congresso, sem nenhum obstáculo. “Estão vendo aí, elas vão entrando sem problema e nós continuamos barrados e discriminados aqui fora. Isso é uma violação da Constituição”, diziam algumas lideranças.


 


Finalmente acabou sendo negociada a entrada de uma delegação de dez lideranças para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara e outros vinte para a audiência pública sobre a desnutrição e morte de crianças indígenas no Mato Grosso do Sul, na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Nesta audiência falaram o deputado estadual Pedro Kemp, o antropólogo do CTI, Celso Aoki e o membro do Cimi no MS, Egon Heck. Nas falas foram ressaltadas as causas das mortes que acontecem fundamentalmente em função do processo histórico de roubo das terras indígenas e destruição da natureza – mata, animais, poluição dos rios. Isso acontece em decorrência do modelo de desenvolvimento econômico ecologicamente predatório, economicamente concentrador, socialmente empobrecedor e culturalmente alienante” (texto Campanha Guarani). O  representante do Cimi ainda destacou a situação fundiária onde a terra está nas mãos de uns poucos donos do agronegócio e de fazendeiros. Citou alguns números que mostram claramente a gravidade dessa situação. Enquanto 30 milhões de cabeças de gado, ocupam cada uma de um a três hectares, em média os Kaiowá Guarani têm menos de um hectare por índio. Os cinco bilhões de toneladas de soja que serão colhidos neste ano certamente não estarão matando a fome das crianças indígenas.


 


O deputado Pedro Kemp também reiterou que o problema fundamental é o não reconhecimento das terras indígenas. E apresentou uma proposta para superar essa dramática e conflitiva situação, responsabilizando o Estado para resolver a questão da terra onde emitiu títulos privados em terras indígenas. Essa proposta já foi feita no estado de Santa Catarina, porém não foi aprovada na Assembléia Legislativa daquele Estado. Também o deputado Kemp apresentou proposta semelhante e também não foi sequer debatida.


 


Brasília, 29 de abril de 2005.


 


Egon Heck



Cimi Regional Mato Grosso do Sul


 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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