19/04/2005

Documento Comissão de Terra Guarani

Porto Alegre, 19 de abril de 2005.


 


Para: Autoridades Municipais, Estaduais e Federais


Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário


 


Prezados Senhores e Senhoras,


 


Nós, representantes da Comissão de Terra Guarani, respeitosamente nos manifestamos para as autoridades públicas a fim de informar sobre a realidade dos Povos Indígenas e sobre as suas necessidades e direitos. Também manifestamos nossa preocupação e até revolta pelo fato de que as autoridades do Estado Brasileiro, responsáveis pela questão indígena, na sua maioria, não cumprem com suas obrigações constitucionais de demarcar as terras indígenas e implementar uma política indigenista tendo em vista uma assistência respeitosa, digna, justa e diferenciada para os nossos povos e comunidades.


 


Nossas terras que eram grandes e abundantes hoje são muito pequenas. E mesmo pequenas não são identificadas ou reconhecidas oficialmente pela Funai. Eles chamam nossas comunidades de acampamentos indígenas. Mas nós não queremos apenas acampamentos, nós exigimos que nossas terras sejam demarcadas como territórios tradicionais e já apresentamos à Funai uma relação de áreas a serem identificadas e demarcadas. Ainda no ano de 2003, durante o mês de outubro, em audiência com o presidente da Funai entregamos para ele as nossa reivindicações. Na ocasião ele nos informou que em 2004 a prioridade do órgão indigenista seria a demarcação das terras do povo Guarani. Nós aguardamos com muita expectativa que fossem criados os GTs (Grupo de Trabalho para identificação das áreas) e que fossem designados os técnicos para os trabalhos  nas áreas Itapuã (município de Viamão), Ponta da Formiga (município da Barra do Ribeiro), Lomba do Pinheiro (Porto Alegre), Passo Grande, Passo da Estância, Coxilha da Cruz, Mariana Pimentel (município de Barra do Ribeiro), Estiva (Viamão), Capivari (Capivari), Palmares (Palmares), Mata São Lorenço,  Irapuã (Caçapava do Sul), Estrela Velha (Estrela Velha) do povo Guarani e acrescentamos aqui o Morro do Osso (Porto Alegre) Estrela (Estrela), Lajeado (Lajeado) do Povo Kaingang. Nós aguardamos com expectativa o cumprimento das promessas, no entanto nenhuma destas áreas foi se quer visitada pelos representantes da Funai, durante todo o ano de 2004.


 


Já se passou mais de um ano e nada foi feito. É por isso que nos dirigimos uma vez mais as autoridades competentes para saber por que não cumprem com a palavra e não fazem valer a Constituição Federal? Queremos dizer que para os Guarani e Kaingang a palavra de um homem tem mais valor do que muitos documentos. Os representantes indígenas quando empenham sua palavra, isso vira lei e confiamos que as autoridades responsáveis pela política indigenista pudessem respeitar a palavra e usá-la com muita seriedade e principalmente que respeitassem e fizessem valer o que estabelece o Artigo 231 da Constituição Brasileira.


 


Dizemos com toda a franqueza que não tem sido nada fácil, para as nossas famílias, sobreviverem sem terra, sem roça para plantar e colher, sem assistência justa, sem respeito às nossas culturas, costumes, tradições, sem os rios, as matas, os lagos. Só para os senhores terem uma idéia das nossas dificuldades, colocamos aqui o tamanho das terras que agora ocupamos: Coxilha da Cruz- 202 ha, água grande – 250 ha; Cantagalo- 286 ha; Nhacapetum – 250 ha; Lomba do Pinheiro – 10 ha; Estiva – 7 ha; Itapuã – 22 ha; Torres – 3 ha; Varzinha – 600 ha; Riozinho – 12 ha; Barra do Ouro – 1.800 ha; Riozinho – 12 ha; Pacheca – 165 ha; Irapuã – 04 ha; Água Branca – 05 ha; Passo grande 6 ha; Passo da Estância ( comunidade na beira da estrada); Capivari ( comunidade na beira da estrada), e também são pequenas Guabiroba; Mbaracá Mirim. Com terras pequenas assim, e ainda por cima desmatadas, esgotadas, muitas vezes sem água boa, não podemos viver nossa cultura.


 


A realidade indígena no Sul do Brasil é das mais difíceis porque não somos tratados com respeito que merecemos.Vale lembrar que na lei maior do Brasil está escrito que devemos ser respeitados conforme nossas culturas, nossas crenças, conforme o nosso jeito de ser e de viver. No entanto, sempre nos trataram com desprezo e indiferença. Isso ficou bem evidente em 2003 quando o atual presidente da Funai, Mércio Gomes, falou para as nossas lideranças que nem sabia que existiam Guarani no Rio Grande do Sul. Para ele nós nem existimos, portanto não somos merecedores dos direitos estabelecidos pela Constituição Federal. É por causa de homens públicos como ele que nossas terras foram saqueadas, depredadas, recortadas e entregues para a colonização. Tomaram nossas terras e hoje lutamos para sermos reconhecidos e para que ao menos alguns pedaços dessas nossas terras retornem para seus verdadeiros donos. Mas é difícil, porque não querem a gente por perto, porque para os brancos as terras têm valor econômico, valem dinheiro, enquanto que para a gente a terra tem valor sagrado. Nosso direito hoje está submetido aos interesses de pequenos grupos econômicos que controlam a terra e o seu uso e para justificar a negação deste nosso direito dizem que somos entraves para o progresso, que não sabemos trabalhar na terra, que não produzimos.


 


Senhores e Senhoras, quando andarem pelas estradas do Rio Grande do Sul, verão que estamos vivos, que existimos. Verão, ao passar, que estamos em barracos de lonas pretas entre a cerca, geralmente de fazendas, e as estradas. Verão que é apenas isso o que sobrou para as dezenas de comunidades do Povo Guarani, os primeiros habitantes destas terras. Ali nos barrancos ou nos banhados sobrevivemos com a venda de nosso artesanato e das doações ou cestas básicas, quando são entregues em nossas comunidades. Nossa gente passa fome, passa frio, passa sede.


 


Mas lutamos sempre. De nosso jeito marcamos nossa resistência durante décadas e séculos. Hoje nos organizamos e reivindicamos nossos direitos. Hoje lutamos por nossa terra e cobramos da Funai, do Ministro da Justiça, do Presidente da República que cumpram com suas obrigações constitucionais. As autoridades públicas deveriam ter muito cuidado com os bens públicos, com o zelo pelos direitos dos cidadãos, das comunidades e Povos. Eles têm que entender que são passageiros, apenas isso, e nós não, nós ficamos, mesmo sofrendo ficaremos para sempre.


 


Estamos no mês de abril, na Semana dos Povos Indígenas. No dia 19 de abril muitos homenageiam o índio. Mas homenageiam um índio que inventaram, que serve para os livros, que serve para o folclore. Os nossos sofrimentos, as nossas lutas, sequer são lembradas e quando nos organizamos para reivindicar nossos direitos, isso é considerado incomodação, aí dizem que somos perigosos, bêbados, preguiçosos, querem a divisão e não a harmonia entre as pessoas.


 


Mas o dia do índio deveria ser todos os dias. E não queremos ser lembrados como pobres, miseráveis, ou como pessoas do passado. Devemos ser tratados como sujeitos donos de uma longa história, e que temos direitos constitucionais e não apenas recebedores de favores públicos ou de migalhas de orçamentos dos estados, municípios e da União. E porque somos sujeitos exigimos que nossas terras sejam demarcadas, não como presente deste ou daquele governo ou autoridade, mas como direito. E aqui lembramos Sepé Tiarajú, que morreu lutando por nossa terra e que disse para os colonizadores “Alto lá! Esta terra tem dono!” E como donos, exigimos que a terra que vivemos seja demarcada. É por isso que lutamos e reivindicamos que as seguintes terras: Itapuã, Ponta da Formiga, Lomba do Pinheiro, Passo Grande, Passo da Estância, Coxilha da Cruz, Estiva, Capivari, Palmares, Mariana Pimentel, Mata São Lourenço, Irapuã, Torres, Riozinho, Estrela Velha, Morro do Osso, Estrela.


 


Um outro problema que nos preocupa, é a duplicação da BR-101, que vai trazer problemas para as comunidades Guarani das áreas Varzinha, Riozinho, Torres e Barra do Ouro no Rio Grande do Sul e de outras quatro áreas Guarani em Santa Catarina. A Funai deveria se envolver mais nas discussões com relação às indenizações a serem pagas para nossas comunidades, o que já foi estabelecido em convênios e contratos entre a Funai, Denit, Ministério Público Federal. Reivindicamos também que os projetos planejados sejam executados com a participação das comunidades em todos os momentos, bem como queremos que se realize, com a máxima brevidade, a formação dos GTs de ampliação das áreas que sofrerão os impactos da duplicação da BR-101 e que estas sejam demarcadas como terras de ocupação tradicional Guarani.


 


Senhores e Senhoras, nestas solenidades do mês de abril, do dia do índio, da semana dos Povos Indígenas solicitamos que sejam tomadas as providências necessárias para criação dos GTs relativos às terras que destacamos acima, bem como que o governo federal elabore, com a nossa participação, uma nova política indigenista que respeite nossos povos, que garanta assistência específica e diferenciada e também reivindicamos maior participação nas discussões e execução das ações sobre os projetos, obras ou qualquer tipo de empreendimento que envolvem as comunidades indígenas, e de modo especial, neste período, os programas e projetos que atingirão as áreas de Varzinha, Riozinho, Barra do Ouro e Torres em função das obras de duplicação da BR-101.


 


Atenciosamente,


 


Comissão de Terra Guarani.


 

Fonte: Cimi - Regional Sul Equipe Porto Alegre
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