01/04/2005

Direitos indígenas são violados em Santa Catarina

É extremamente preocupante e angustiosa a situação vivida pelos povos indígenas  em Santa Catarina. Uma onda de absurdos vêm sendo praticada, por diferentes braços do Estado Brasileiro, em desfavor de lideranças e de direitos indígenas neste estado. Os três povos existentes neste território, Guarani, Kaingang e Xokleng estão sendo atingidos em todas as regiões do estado catarinense. Alguns casos são emblemáticos  e causadores de grande indignação e revolta.



Dois fatos são exemplares no que se refere ao povo Guarani. Em outubro de 2003, a Funai enviou ao Ministério da Justiça o processo que visa regularizar a Terra Indígena Morro dos Cavalos, localizada no município de Palhoça. Após dezoito meses de indecisão e marasmo, o Ministério, ao invés de declarar a tradicionalidade da Terra Indígena, devolveu o processo, em 4 de março de 2005, solicitando mais informações à Funai. Essa atitude contraria o Decreto 1775/96 que estipula um prazo de 30 dias, após o recebimento do processo para que o Ministro decida sobre a questão.



O povo Guarani também reivindica o retorno à Terra Indígena ‘Guarani do Araça’í’, localizada nos municípios de Saudades e Cunha Porã. Em julho do ano 2000, os Guarani fizeram uma retomada na terra pela qual lutam desde 1998. Com isso, em setembro, a Funai criou um Grupo de Trabalho para Identificação e Delimitação da mesma. Em outubro do mesmo ano, porém, o grupo foi violentamente despejado da sua terra mãe. Seus barracos foram derrubados e queimados pelas Polícias Militar e Federal de Santa Catarina. Os índios foram carregados em caminhões e levados, à força, à Terra Indígena Nonoai, no Rio Grande do Sul. Um Juiz Federal da 1ª. Vara da Justiça Federal de Chapecó,  imitiu liminar proibindo os mesmos a retornarem a Santa Catarina. Após um ano, em outubro de 2001, o grupo de Guarani foi acolhido solidariamente pelo povo Kaingang da Terra Indígena Toldo Chimbangue, onde se encontram provisoriamente e de onde pretendem  partir de volta a sua terra tradicional. O Grupo de Trabalho concluiu o Relatório Antropológico da área em março de 2004, mas, há um ano, o presidente da Funai tem se negado a assiná-lo e, com isso, identificar e delimitar a área.



Os povos Xokleng e Kaingang das áreas Indígenas La Klaño e Toldo Chimbangue, respectivamente,  após anos de luta, enfrentam a incerteza e a lentidão de processos judiciais e decisões em primeira instância da Justiça Federal que, há um ano, cancelaram os efeitos das portarias declaratórias de suas terras tradicionais. Os Xokleng ocupam, há cerca de trinta dias, a Barragem Norte, na região de Ibirama e Blumenau, para exigir o cumprimento de indenizações acordadas há mais de duas décadas com o governo brasileiro. O descaso é tamanho que, até o momento, o único posicionamento que receberam de alguma autoridade foi o de serem acusados de estarem destruindo o patrimônio público. Dezenas de indígenas já morreram afogados na referida barragem de contenção, que alaga grande parte da terra deste povo.



Os Kaingang do Toldo Chimbangue, área localizada no município de Chapecó,  por sua vez, na tarde do dia 21 de março último, foram surpreendidos “com uma inesperada e desrespeitosa invasão da Polícia Federal” em sua terra e residências. De acordo com relato dos próprios indígenas, denunciado em “Nota à Opinião Pública”, “Os policiais chegaram dando chutes e ordenando que todos se colocassem, imóveis, na parede da casa”. Segundo a nota, ao revistarem os Kaingang, os Policiais os chamavam de “’negro sujo, vagabundo’, ‘tropa de vadio’, ‘nem índio você é’,  ‘vocês estão que nem os sem terra’”. A Polícia também teria amedrontado um grupo de crianças, de três a seis anos,  ao parar e revistar o veículo em que as mesmas eram conduzidas.  Na ação,  foram presos o cacique Idalino Fernandes e a liderança Romildo da Veiga. Horas depois, os mesmos conseguiram a liberdade por meio de hábeas Corpus impetrado por um advogado amigo de Idalino.



Na dia 22 de março, pela manhã, a Polícia Federal ingressou na Terra Indígena Toldo Imbú, localizada no município de Abelardo Luz, e prendeu preventivamente o cacique Valdecir de Oliveira, o vice-cacique Marciano de Oliveira e o ex-cacique daquela aldeia Kaingang Albari de Oliveira. Os mesmos respondem a processo judicial, impetrado pelo Ministério Público Federal de Chapecó, devido a incidentes ocorridos, em fevereiro de 2004, por ocasião de uma mobilização organizada pelos Kaingang “com vistas a chamar a atenção das autoridades para a demarcação de suas terras”. O processo administrativo de demarcação havia sido enviado, pela Funai ao Ministério da Justiça, em dezembro de 2002. A portaria declaratória da área ainda não foi assinada. Há informações de que o Ministério da Justiça está tentando reduzir a terra, de 1.965 hectares, para cerca de 900 hectares, o que beneficiaria, exclusivamente, a fazendeiros que exploram a referida terra indígena. Os três líderes continuam detidos em Chapecó.



Fica evidente o desrespeito aos povos indígenas e seus direitos. Enquanto a organização e a luta desses povos pela garantia de seus direitos são imediata e injustamente punidas por medidas judiciais, a ilegalidade e a imoralidade governamental que descumpre os preceitos constitucionais e administrativos que fundamentam tais direitos são tratadas com ampla e descarada benevolência.



Nossa avaliação é de que não há coincidência nesta seqüência de fatos. Identificamos fortes indícios de que se trata de uma estratégia de criminalização do movimento indígena em luta por direitos, especialmente de cunho fundiário. O Estado Brasileiro, com todos os seus braços, em pleno “governo popular de Lula” cede às pressões político-econômicas regionais anti-indígenas e continua esmerando-se em “manter a ordem” para que as terras indígenas continuem sendo exploradas sem nenhum tipo de “empecilho”.


Até quando veremos isso? Chega de preconceitos, chega de subterfúgios, chega de perseguições, chega de acusações, chega de prisões e maus tratos. É tempo de os povos indígenas serem tratados com dignidade neste estado e neste país. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.


Conselho Indigenista Missionário – Sul


Equipe Palhoça e Chapecó


 


 

Fonte: Cimi
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