17/03/2005

Carta Aberta ao Presidente da República do Brasil Sr. Luiz Inácio Lula da Silva

Sr. Luiz Inácio Lula da Silva


Presidente da República do Brasil


Palácio do Planalto


3o. Andar – Praça dos Três Poderes


70150-900 – Brasília – DF – Brasil


 


Alemanha, 2 de março de 2005.


 


Excelentíssimo Sr. Presidente,



 


Receba uma saudação das organizações de direitos humanos, cooperação e solidariedade da Alemanha, reunidas na Mesa Redonda Brasil, que trabalham com a promoção dos direitos humanos, da justiça social e do desenvolvimento sustentável no Brasil.


 


Queremos manifestar nossa indignação com a recente onda de violência que atinge setores populares rurais e urbanos no Brasil. Revolta-nos a seqüência de assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras, lideranças populares e defensores e defensoras de direitos humanos no Estado do Pará, nas últimas semanas, entre eles Dorothy Stang e Daniel Soares de Souza, praticados por pistoleiros a mando de fazendeiros e políticos daquele Estado.


 


A violência atual não é resultado de conflitos localizados, mas de problemas estruturais somados a políticas e ausências governamentais. As políticas implementadas pelo atual governo não estão promovendo a realização dos direitos humanos econômicos e sociais dos setores mais pobres. Em alguns casos, inclusive, desestabilizam a situação dos grupos sociais mais vulneráveis. O estímulo governamental à expansão desregrada do capital nas áreas de fronteira agrícola, na lógica de uma política de exportar a qualquer custo, está na raiz do agravamento dos conflitos nas áreas rurais e no aumento do número de assassinatos de camponeses, lideranças e defensores de direitos humanos. Os posseiros e trabalhadores rurais destas regiões seguem desprotegidos pelas instituições estatais e à mercê das oligarquias rurais, que desmatam, escravizam, assassinam para ampliar suas chances de lucro com a atual política. O aumento da violência já estava anunciado, pois um modelo de desenvolvimento parecido fora implementado na região amazônica pelos regimes militares com resultados similares. Desta forma, não aceitamos o argumento de que a violência ocorre porque o governo supostamente estaria enfrentando a questão agrária. Onde está a prioridade para a reforma agrária, a demarcação das terras indígenas e a titulação das áreas de remanescentes de quilombo? O que vemos é, na melhor das hipóteses, uma continuidade, em ritmo lento, da política agrária ineficaz, centrada em mecanismos de mercado, implementada pelo governo anterior.


 


Para nós é completamente incompreensível que este governo, composto em sua maioria por pessoas oriundas das lutas populares por cidadania, esteja tão distante da realidade popular que, a exemplo do governo anterior, necessite de tragédias para começar a agir. Entendemos, de igual forma, que medidas de impacto midiático também não resolvem os problemas estruturais que estão na raiz destes conflitos. O governo de Vossa Excelência sabe, por exemplo, que tão logo o Exército se retire das regiões afetadas e a imprensa retire o tema da pauta, os mesmos fazendeiros e seus pistoleiros voltarão a impor suas leis nos espaços em que o Estado está ausente. E, então, sofrerão novamente aqueles que agora acreditaram que, desta vez, seria diferente.


 


O governo de Vossa Excelência foi eleito com o compromisso de implementar políticas públicas que democratizem o acesso aos recursos, ampliem o respeito e a proteção pelos direitos da população brasileira e gerem um desenvolvimento inclusivo e sustentável. Queremos com esta carta encorajar o governo de Vossa Excelência a priorizar a implementação de uma política de reforma agrária e de um modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo, orientado na promoção dos direitos humanos, em especial dos direitos econômicos, sociais e culturais. Desta forma, o governo não estará fazendo nada mais do que aplicar a Constituição Brasileira e os tratados de direitos humanos ratificados pelo país. Queremos, assim, estimular o Estado e a sociedade brasileira a refletir seriamente sobre mudanças profundas no modelo de desenvolvimento econômico, ajustando-os aos princípios e objetivos constitucionais e aos tratados internacionais de direitos humanos, ambientais e trabalhistas. Não nos parece aceitável que o Estado brasileiro siga estimulando, de forma desregrada, a exportação de produtos agrícolas produzidos no contexto de políticas governamentais que favorecem violações sistemáticas dos direitos humanos, como assassinato de trabalhadores rurais e defensores de direitos humanos, trabalho escravo e destruição de recursos naturais.


 


Por fim, consideramos que a impunidade e a falta de solução para a injustiça social no campo e nas cidades têm sido um estímulo a mais violência contra os trabalhadores e trabalhadoras e um atentado à sua luta democrática e constitucional pelos direitos fundamentais. Solicitamos, com base nos compromissos de direitos humanos assumidos pelo Estado brasileiro, que sejam tomadas as devidas providências para que estes crimes sejam investigados e os responsáveis devidamente punidos, mediante a transferência da investigação e do processo para a esfera federal, bem como para que mecanismos de proteção dos camponeses e camponesas e defensores de direitos humanos sejam efetivamente implantados.


 


Por favor, mantenha-nos informados sobre as medidas tomadas a respeito.


 


Atentamente,


 


Michael Windfuhr


Secretário Geral de FIAN


 


Em nome das Organizações da Mesa Redonda Brasil signatárias desta carta:


 


COOPERAÇÃO BRASIL (KOBRA)


MISEREOR


MISSÃO CENTRAL DOS FRANCISCANOS (MZF)


OBRA ECUMÊNICA DE KASSEL (ÖWK)


PÃO PARA O MUNDO – BROT FÜR DIE WELT (PPM)


REDE DE INFORMAÇÃO E AÇÃO PELO DIREITO À ALIMENTAÇÃO (FIAN)


SERVIÇO DAS IGREJAS EVANGÉLICAS NA ALEMANHA PARA O


DESENVOLVIMENTO (EED)


SERVIÇO ECLESIÁSTICO DE DESENVOLVIMENTO NA BAVIERA (KED BAYERN)


 

Fonte: Organizações da Mesa Redonda Brasil
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