14/03/2005

Carta Aberta dos Povos Indígenas Ribeirinhos de Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia, contra o projeto de Transposição do Rio São Francisco

“Eu me sinto muito mal, eu faço a comparação pelo nosso corpo. Nós temos as veias que levam, sangue ao nosso corpo, se a gente faz um corte o sangue vai todo embora e a gente morre. O rio é vivo, e só enquanto tem água, senão morre o rio e morre muito mais vida, porque morre o índio, morre o negro, que são ribeirinhos, e muitos bichos que precisam do rio. Eu não aceitaria que isso fosse acontecer”.


Carlito Kiriri


 


Nós lideranças dos povos indígenas ribeirinhos, Tuxá de Rodelas, Tuxá de Ibotirama, Tumbalalá, Kiriri de Muquém do São Francisco, Pankaru, Xocó e Truká, e várias lideranças dos povos indígenas de Pernambuco, Bahia, Paraiba e Alagoas: Xukuru, Kambiwá, Pankaru, Pankará, Pipipã, Kapinawá, Pataxó Hãhãhãi, Potiguara e Geripankó, reunidos no I Encontro dos Povos Indígenas Ribeirinhos da Bacia do São Francisco, durante os dias 12 e 13 de março de 2005, na Aldeia Tuxá de Rodelas, com a presença de organizações não governamentais e governamentais: CESE, CIMI, ANAÍ, Centro de Cultura Luiz Freire, Fórum Permanente em Defesa do São Francisco, Sindicato dos Engenheiros da Bahia, Repensar, D.A. Pedagogia, D.A. Biologia e DCE Uneb Campus VIII, representantes da Prefeitura e da Câmara Municipal de Rodelas, representantes da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia e da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Câmara dos Deputados. Queremos afirmar nosso repúdio ao Projeto de Transposição do Rio São Francisco, pois a nossa sobrevivência econômica e cultural depende do rio. É deste que irrigamos a terra para plantar e pescamos o peixe para comer. Nossos rituais sagrados têm tudo a ver com o rio, nossas ciências estão nas águas do “Velho Chico”. Já sofremos bastante com as transformações sofridas pelo rio, por causa das barragens e hidrelétricas que inundaram terras tradicionais, extinguiram muitas espécies de peixes e animais terrestres, destruíram parte de nossa ciência. Parte do rio onde atravessávamos a nado, hoje atravessamos a pé, nenhuma daquelas obras beneficiaram nossos povos e nem os moradores ribeirinhos provocaram o desmatamento, e, em consequência, a desertificação, além do desvio das águas para irrigação das grandes fazendas. Tudo isso, além do despejo de dejetos, esgotos e agrotóxicos, são derramados no rio, que está morrendo.


 


Além de tudo, queremos lembrar que, a realização desta obra a qualquer custo, rasga a Constituição Federal de 1988 e a convenção 169 da OIT, que afirmam que todos os projetos e políticas desenvolvidos pelos não-índios, órgãos governamentais e não governamentais, para os Povos Indígenas, só devem ocorrer com a participação e anuências desses povos,. através de suas representações legitimas e do Congresso Nacional, conforme o artigo 49 item XVI – CF/88.


 


A transposição vai matar o que resta do rio, secando nossos territórios, extinguindo o que resta dos peixes, matando nossos povos de fome, prejudicando nossa cultura de vazante, prática tradicional que não prejudica o solo e não carece de produtos químicos. A fome nos obrigaria a abandonar nossas terras.


 


Desejamos que o governo utilize outras alternativas à Transposição, que são mais baratas e eficientes no combate a seca, como:


 


– A Revitalização do rio São Francisco;


– Reativar as centenas de obras não terminadas, que ajudaram no combate à seca;


– Saneamento básico nos municípios à beira do rio;


– Dragagem (limpeza do rio);


– Reflorestamento;


– Estudo técnico sobre o uso de agrotóxicos;


– Troca de produtos químicos por orgânicos;


– Democratização da água;


– Repovoamento de nossas espécies de peixes, animais e plantas, terrestres e aquáticas, que estão em extinção;


– Construção de poços artesianos;


– Fiscalização nas grandes fazendas ribeirinhas;


– Recuperação da mata ciliar;


– Projetos de auto-sustentação para os povos indígenas;


– Indenização, por parte da CHESF, das plantações perdidas devido à abertura das comportas de suas barragens/usinas;


– Campanha para utilização racional do uso da água;


– Desobstrução dos canais clandestinos das grandes propriedades de fazendeiros e políticos;


– Incentivo da agricultura orgânica;


– Buscar alternativas nos programas de convivência com o semi-árido (cisternas de placa, barragem subterrânea, plantações adequadas ao clima, etc);


– Cumprimento dos acordos feitos entre a CHESF e os Povos Indígenas.


 


Temos consciência da ineficiência do Projeto, pois sabemos que muitas famílias vivem perto do rio e não têm acesso a suas águas, e não acreditamos que um mega projeto desses irá beneficiar o povo pobre do sertão.


 


Não somo insensíveis com relação às necessidades dos outros estados do nordeste. É preciso que o governo federal busque soluções nos referidos estados, que já dispõem de recursos hídricos suficientes, porém mau utilizados, para aplacar a sede das populações, e propiciar um desenvolvimento local sustentável, democratizando-se o uso das águas, que por muitos anos vem sendo instrumento de dominação e da perpetuação do “coronelismo” nestas regiões.


 


SIM A REVITALIZAÇÃO E NÃO A TRANSPOSIÇÃO DO “VELHO CHICO”.


 


Aldeia Tuxá, Rodelas, Bahia, 13 de março de 2005.


 

Fonte: Cimi Regional Nordeste
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