Informe nº 653
JUSTIÇA FEDERAL EVITA DESPEJO DOS GUARANI-KAIOWÁ. MORTES DE CRIANÇAS INDÍGENAS POR DESNUTRIÇÃO CONTINUAM
A desembargadora federal Anna Maria Pimentel suspendeu a retirada de cerca de 500 índios do povo Guarani-Kaiowá de uma área retomada pelos indígenas da terra indígena Nhande Ru Marangatu, localizada no município de Antônio João, a 450 km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A decisão dissolveu o forte clima de tensão que havia entre os indígenas, que haviam decidido resistir em suas terras.
A juíza deu um novo prazo para a reintegração de posse, o dia 31 de março de 2005, mas indica também que, até este prazo, o Poder Executivo “equacione soluções, visando acomodar interesses de todas as partes, adotando política social” que responda à situação.
Agora, apenas a homologação da terra, que conclui o processo administrativo de reconhecimento da terra indígena e que deve ser feita pelo Presidente da República, pode resolver a situação sem que haja o despejo dos indígenas. A terra Nhande Ru Marangatu foi demarcada em outubro de 2004 com uma extensão total de 9.300 hectares. Até as retomadas que geraram a disputa judicial com os fazendeiros do município de Antonio João, os indígenas estavam vivendo em 26 hectares.
Os fazendeiros que reivindicam a área entraram com o processo de reintegração de posse que foi aceito pela Justiça Federal em primeira e segunda instâncias. Eles argumentam que as terras não são de ocupação tradicional indígena, pois fazem parte de um aldeamento extinto, o que vai contra todos os conceitos constitucionais de terras indígenas como espaços de ocupação tradicional. Se os aldeamentos foram extintos, isso se deve à invasão de fazendeiros ou, por vezes, às políticas de estado que visavam a expulsão ou a integração dos indígenas.
Os mesmos argumentos contrários aos direitos indígenas estão sendo utilizados em outros processos de disputa por terras no MS, como na terra indígena Buriti, do povo Terena, localizada nos municípios de Dois Irmãos do Buriti e Sidrolândia, onde também há uma reintegração de posse que pode ser cumprida a qualquer momento.
A terra plantada e a falta de alimentos
A violência de um despejo dos Guarani-Kaiowá seria reforçada pelo atual contexto do estado do Mato Grosso do Sul, onde as carências de terra, estrutura de produção e de alimentos tem levado à morte crianças indígenas. Foram seis mortes na terra indígena Dourados, a 150 km de Antonio João, desde o início de 2005.
Na terra retomada, os Guarani-Kaiowá de Nhande Ru Marangatu puderam voltar a produzir alimentos para subsistência, como mandioca, feijão, milho, batata, arroz, banana.
A mortalidade infantil naquela área foi de 87,72 por mil nascidos vivos em 2001 e baixou para 41,67 em 2004. Ela ainda está próxima, porém, à taxa de mortalidade de Dourados, de 64 óbitos por mil crianças nascidas vivas. A média nacional é de cerca de 25 por mil.
Em Antônio João, dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) apontam que 47 das 256 crianças menores de 5 anos atendidas pela Funasa, ou 18% delas, apresentam desnutrição. Outras 52 crianças (20%) estão em situação de risco nutricional.
Atuação do Estado, desnutrição e mortes de crianças
Porcentagens como estas se repetem em todas as aldeias do povo Guarani no Mato Grosso do Sul. A análise dos dados por aldeias mostra um quadro ainda mais preocupante do que aqueles apresentados pela Funasa, que tem divulgado a média de desnutrição do estado, de 12% de desnutridos e 15% de crianças em risco nutricional.
No Mato Grosso do Sul, aldeias dos povos Terena e Kadiwéu têm um índice mais baixo de desnutrição, de no máximo 3%. Assim, a média estadual não mostra que em Amambai, por exemplo, a desnutrição atinge 19% das crianças. A aldeia Tacuru, dos Guarani-Kaiowá, tem a taxa em 17%, sem contar os casos de risco nutricional.
Os números da Funasa, órgão responsável pelo atendimento à saúde indígena no Brasil, demonstram que a preocupação sobre a alimentação e sobre as condições de vida das crianças indígenas não pode se restringir às aldeias de Dourados. Desde a última semana, toda a direção da Funasa transferiu-se para o município e diversas equipes de médicos e nutricionistas passaram a atuar no local. Também cresceu a distribuição de alimentos para os indígenas das aldeias da terra indígena Dourados. Pouco se sabe, entretanto, sobre a atuação da Funasa para prevenir novas mortes em outras aldeias da região que ainda não estão sob os holofotes dos meios de comunicação.
Ontem (dia 2) foram noticiadas mais seis mortes por desnutrição em duas aldeias do povo Guarani Nhandeva da região do sul do Mato Grosso do Sul, nos municípios de Japorã e Eldorado nos dois primeiros meses deste ano. E, no início da semana, foi noticiada também a morte de seis crianças com sintomas de desnutrição em aldeias do povo Xavante, na região de Campinápolis, a 570 quilômetros de Cuiabá, no Mato Grosso.
Resta saber se todas as denúncias de mortes e de falta de alimentos irão se reverter na estruturação de políticas amplas de atendimento às necessidades não apenas alimentares, mas também às condições de saneamento, de produção e de espaço para a sobrevivência dos indígenas.
A homologação da terra indígena de Nhande Ru Marangatu, neste sentido, será uma indicação de que o governo federal está disposto a ir além das medidas assistenciais e emergenciais, tomando medidas efetivas para a garantia da terra e da sobrevivência dos indígenas.
Acompanhe no site do Cimi, uma série de reportagens especiais realizadas naquele estado.
POVO KARAJÁ DE ARUANÃ RETOMA SUA TERRA TRADICIONAL
Cansados de esperar por providências do governo federal, o povo indígena Karajá de Aruanã retomou, na última segunda-feira (dia 28), uma de suas terras localizada no município de Aruanã, no estado de Goiás.
Apesar dos 704 hectares da terra Aruanã já terem passado por todo o processo de homologação e estarem registrados, desde do ano de 2001, em nome dos Karajá, a área continuava ocupada de maneira ilegal pela Fazenda Arica.
A retomada, que aconteceu de maneira pacífica, contou com a participação de aproximadamente 50 pessoas. As lideranças Karajá de Aruanã afirmaram que permanecerão no local até que os invasores sejam retirados de suas terras.
Brasília, 03 de março de 2005.
Cimi – Conselho Indigenista Missionário