DHESC lança nota pública ao Estado Brasileiro
Diante do caso das mortes de seis crianças Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul por problemas na alimentação, a Relatoria Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural, da Plataforma Brasileira DHESC divulgou hoje nota pública apontando a omissão do Estado Brasileiro no caso e cobrando uma série de providências que garantam direitos humanos básicos a vida dos povos indígenas . Abaixo segue documento: NOTA PÚBLICA AO ESTADO BRASILEIRO A Relatoria Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural, da Plataforma Brasileira DHESC, tendo em vista as mortes de seis crianças Guarani -Kaiowá ocorridas nas últimas semanas na região de Dourados, Mato Grosso do Sul, devido à grave situação de insegurança alimentar e nutricional que vem atingindo diferentes povos indígenas, e considerando que: 1. O problema da insegurança alimentar e nutricional entre os Povos Indígenas é mais grave do que se apresenta pelos meios de comunicação e pelos órgãos de governo responsáveis pela formulação e execução das políticas públicas relativas aos povos indígenas, afetando não só os povos indígenas do Mato Grosso do Sul, fato este denunciado em nota do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, do dia 22 de fevereiro de 2005. Esta relatoria já identificou problemas semelhantes nos estados do Rio Grande do Sul e Mato Grosso, entre outros. 2. O governo Brasileiro continua atuando de forma fragmentada no enfrentamento da questão da Insegurança Alimentar e Nutricional dos povos indígenas. A área da saúde, por intermédio da FUNASA, por mais efetiva que seja sua atuação, não conseguirá, de forma isolada, resolver um problema que exige uma ação articulada de todos os setores governamentais envolvidos com elaboração e implementação de políticas públicas relativas aos povos indígenas, começando pela questão da demarcação e homologação das terras indígenas, condição primeira para o exercício do direito humano à alimentação adequada; 3. No momento, o único mecanismo de articulação de políticas públicas relativas aos povos indígenas está vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, ou seja, sob a coordenação das forças armadas, contando com um único representante indígena; 4. O relatório diagnóstico produzido pelo GT Índios, vinculado à Câmara de Políticas Sociais da Casa Civil, em junho de 2004, até hoje não foi tornado público, dificultando o debate sobre possíveis alternativas de gestão articulada das políticas públicas relativas aos povos indígenas; 5. A Mesa de Diálogo Permanente com os Povos Indígenas, instituída no início do atual governo, no âmbito da Secretaria Geral da Presidência da República, com a participação de legítimas representações indígenas, através de suas organizações, reuniu-se pela última vez no final de 2003, não tendo sido convocada desde então; 6. Há mais de um ano, vários organismos governamentais vem discutindo a elaboração de um Acordo de Cooperação Técnica visando a articulação de suas ações voltadas para os povos indígenas, sem conseguir chegar à sua formalização e implementação; 7. Portanto, o governo brasileiro, além de não ter, no momento, nenhum organismo de coordenação efetiva de suas ações relativas aos povos indígenas, desativou todas as iniciativas participativas de construção de uma nova institucionalidade que incorpore os povos indígenas, deixando o único mecanismo existente sob a tutela militar, incapaz de garantir a esses povos a plena efetividade de seus direitos sociais, econômicos e culturais e o respeito de sua identidade social e cultural, de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida. 8. O Estado Brasileiro assumiu, nacional e internacionalmente, a obrigação de respeitar, proteger, promover e prover a realização do direito humano à alimentação adequada, devendo para tanto criar as condições necessárias para que cada um e todos os seus habitantes tenham acesso a alimentação e nutrição, assegurando sua capacidade de produzir sua subsistência e provendo assistência aos que não tenham condições de adquirir alimento de acordo com os mandamentos constitucionais, leis e decretos nacionais, em consonância com os documentos internacionais. 9. O Brasil, ao ratificar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças (1989), reconhece as obrigações de assegurar a sobrevivência e o desenvolvimento da criança (art 6), e de combater as doenças e a desnutrição.(art 24); 10. Frente a todos os considerandos anteriores, as mortes das seis crianças Guarani Kaiowá nos últimos meses são reconhecidas por esta relatoria como: – graves violações do Estado Brasileiro aos direitos humanos dos povos indígenas, em especial ao direito humano à alimentação e nutrição adequada destas crianças e de seus povos; – reflexo de uma política deliberada de omissão do Estado Brasileiro em relação aos povos indígenas que poderia vir a ser inclusive entendida como uma ação de caráter etnocida, como denunciado pelo CIMI Nacional, em nota recente; 11. Em tempo, é inaceitável que as famílias indígenas, submetidas a condições desumanas de vida e de exclusão – áreas limitadas de terra inadequada para produção, sem condições mínimas de saneamento e higiene – pela ação e omissão históricas do Estado Brasileiro, venham a ser responsabilizadas pelas mortes das crianças, e ter seu direito de tutela questionado pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul, sem uma análise adequada das causas reais do problema; Vem, manifestando sua preocupação diante desse quadro de violações perpetradas pelo Estado Brasileiro, recomendar ao Estado Brasileiro que: 1. Seja instituída uma força tarefa nacional interministerial, com a participação de representantes de organizações indígenas, para a. adotar medidas imediatas concretas para o enfrentamento da situação vivida pelos povos indígenas de Dourados, Mato Grosso do Sul, bem como de outros povos que vivenciam situações similares, articulando ações emergenciais a ações estruturantes, passando inclusive pela ampliação, demarcação e homologação de terras indígenas; 2. Seja divulgado imediatamente o relatório elaborado pelo GT Índios, de junho de 2004, que poderá servir de ponto de partida para a discussão de uma nova institucionalidade que incorpore a participação dos povos indígenas na elaboração e implementação de uma política indígena voltada para a promoção dos direitos dos povos indígenas; 3. Seja reinstituída a Mesa de Diálogo Permanente com os Povos Indígenas, como espaço privilegiado para a retomada do processo de discussão de tal política, e para colaborar para a identificação de situações que exijam enfrentamento imediato; 4. Garanta medidas que assegurem aos povos indígenas o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população, sem ferir a sua diversidade cultural; 5. O Ministério Público Federal garanta o direito dos povos indígenas à diversidade e à sua própria cultura, atuando como facilitadores do diálogo entre o Ministério Público Estadual, povos indígenas e governo, evitando que as famílias venham a ser penalizadas por situações decorrentes da omissão do Estado; No aguardo de um posicionamento de V. S.ª em relação a encaminhamentos adotados frente às recomendações acima, despeço-me Respeitosamente Flavio Luiz Schieck Valente Relator Nacional Brasília, 28 de fevereiro de 2005.