Quando o carnaval passar, por Egon Heck
Dizem que o Brasil só começa a funcionar depois que a alegria do carnaval passar. Não deixa de ter sua ponta de verdade. Para os povos indígenas, porém, nos últimos anos, as preocupações, ameaças e violências, começaram bem mais cedo.
Neste ano não parece ser diferente. O governador de Roraima não perdeu tempo e enquanto ainda soavam os sinos de um novo ano, apressou-se em procurar instâncias do Executivo em Brasília para tentar impor a vontade do governo estadual, buscando impedir a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em área contínua, conforme a portaria 820/96. Do ministro da Justiça receberam a sinalização de que terão seus pleitos considerados numa possível negociação dos limites da área.
Os Guarani Nhandeva e Kaiowá do Cerro Marangatu, no Mato Grosso do Sul, estão prestes a ver a guilhotina da expulsão cair sobre suas vidas uma vez mais. Apesar da terra já estar demarcada, a justiça expediu liminar de reintegração de posse para os fazendeiros e a Polícia Federal já estudou o esquema de efetuar a ação. Os índios reafirmam que só sairão de lá mortos e pediram que quando vierem executar a expulsão tragam logo uma máquina cavadeira para enterrá-los. É mais uma agressão etnocida anunciada.
No Senado Federal a trama antiindígena fica por conta do retorno do fatídico projeto de lei 188/2004, que continua constando na pauta do plenário do Senado para o reinício dos trabalhos, apesar de um dos seus propositores, o senador Delcídio do Amaral, ter afirmado que pediu a retirada de pauta. Aliás, o senador está sendo até promovido a líder do PT no Senado. Será que o PT está premiando as iniciativas contra os índios?
Além disso, no mês de janeiro foi revelada a “Biafra” presente em terras indígenas Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, causando comoção, mas nenhuma sinalização de solução duradoura do problema através da demarcação das terras indígenas. Ao contrário, muita movimentação para descaracterizar a realidade dizendo tratar-se de disputas políticas e outras querelas, como se os índices de subnutrição, mortalidade infantil e fome fossem fantasmas inventados. Trata-se de realidades sim senhores e não de fantasias de carnaval.
Os povos indígenas também não esperaram a banda ou a escola de samba da violência e cinismo passar. Reunidos em Porto Alegre, durante o V Fórum Social Mundial, alertaram para essa situação de violências e agressão a seus direitos e vidas e exigiram medidas urgentes do governo, na perspectiva das promessas de campanha até hoje em nada cumpridas. Mas também estão conscientes de que apenas haverá conquistas e avanços em suas lutas pelos seus direitos se efetivamente conseguirem unidos e organizados pressionar o governo Lula e demais poderes. Para tanto ampliaram suas alianças com outros setores no Brasil e no mundo para ajudar a construir os outros mundos plurais, possíveis e necessários.
Brasília, 08 de fevereiro de 2005.
Egon Heck
Cimi Regional Mato Grosso do Sul