21/01/2005

Indígenas divulgam em Manaus manifesto de repúdio ao governo Lula


Manifesto lançado no 4º Fórum Social Pan-Amazônico pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira aponta casos de morosidade ou irregularidade na demarcação de terras indígenas. Sede da Funai em Manaus segue ocupada há uma semana. 


 


 


Maurício Thuswohl  


 


 


Manaus – Depois da sentida ausência na edição do ano passado, realizada na Venezuela, os indígenas voltaram com força total neste 4º Fórum Social Pan-Amazônico. Tendo como pano de fundo a tensa invasão da sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Manaus por lideranças indígenas – que já dura uma semana e pode acabar em conflito com a Polícia Federal se a Justiça determinar a reintegração de posse – representantes de diversas etnias e dirigentes das principais entidades políticas marcam presença no FSPA para denunciar o recrudescimento dos ataques aos direitos de seus povos e para avisar que em 2005 estarão intensificando suas lutas.


 


No caso específico do Brasil, a nova postura dos indígenas se manifesta pelo enfrentamento com o parlamento e o governo federal. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgou no FSPA um manifesto de repúdio à política indigenista do governo Lula. No documento estão elencados diversos casos de morosidade ou irregularidade no processo de demarcação das reservas indígenas, além de denúncias das tentativas que grupos ligados ao agronegócio e ao latifúndio vêm empreendendo no Congresso para rever o marco legal de conquistas dos povos indígenas obtidos na Constituição de 1988.


 


“O PT sempre foi sintonizado com as demandas históricas dos povos e organizações indígenas. Por isso, tínhamos esperança que o governo Lula inaugurasse uma nova política indigenista. No entanto, agora que o mandato do presidente chegou à metade, percebemos que o governo prefere atender aos grupos políticos e econômicos interessados em explorar as terras indígenas, seus recursos e sua cultura”, afirma Jecinaldo Sateré-Mawé, coordenador-geral da Coiab.


 


“A Funai é uma máfia”


O manifesto afirma que o governo federal “fechou todas as portas de diálogo para os povos e organizações indígenas”, e lamenta a postura do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, que “não quer reconhecer as organizações indígenas como interlocutoras”. A Coiab denuncia que a Mesa de Diálogo criada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio do ano passado não existe mais. Para Jecinaldo, os setores antiindígenas da sociedade estão se fortalecendo enquanto a Funai nada faz para proteger os índios. “O órgão que deveria lutar por nossos interesses não está atendendo mais às necessidades dos povos indígenas. A Funai é uma máfia”, afirma.


 


As lideranças denunciam também que o governo Lula deu espaço para o aumento da violência contra os indígenas ao “militarizar a política indigenista federal, passando a responsabilidade da mesma para o Gabinete de Segurança Institucional”, ao mesmo tempo em que “agrava-se rapidamente a pressão assassina sobre as lideranças”. Para Débora Ticuna, os incidentes ocorridos em 2004 na reserva dos Cinta-Larga, um foco permanente de conflito, mostram que os índios devem organizar sua defesa. “Estive entre os Cinta-Larga e vi que, além da disputa pelo garimpo, ocorreram invasões, humilhações e ataques aos direitos humanos dos indígenas, tendo muitas vezes as mulheres como vítimas. Para impedir isso, vamos ter que lutar com armas, sim. Se for preciso, que nossas flechas se tornem nosso principal símbolo”, disse.


 


Inimigos no Congresso


O manifesto divulgado pela Coiab afirma que na primeira metade do governo Lula os tradicionais inimigos dos povos indígenas se fortaleceram no Congresso Nacional e nos partidos políticos e lamenta que isso ocorra “em partidos outrora aliados, principalmente o PT”. A decepção dos indígenas com o partido de Lula também atende pelo nome de Delcídio do Amaral, senador petista pelo Mato Grosso que é relator do projeto de lei 188/04, que visa criar novos procedimentos para a demarcação de terras indígenas.


 


“O mais grave é que esse projeto de lei determina que sejam revistos e adaptados às eventuais mudanças todos os processos que estejam em fase de identificação da área demarcada ou de revisão de seus limites. Isso, na prática, significa fazer com que volte à estaca zero cerca de 80% dos processos de demarcação de terras indígenas em andamento”, afirma Egon Heck, que é coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul.


 


Liberalizar a mineração


Coordenador do Cimi no Amazonas, Francisco Loebbens espera que o PL 188/04 seja modificado nas comissões internas do Senado, uma vez que agride os direitos indígenas conquistados na Constituição de 1988. “A comissão especial criada no Senado para preparar o projeto de lei era composta por forças políticas ligadas ao agronegócio e elaborou um texto que manifesta exclusivamente a preocupação de rever os direitos indígenas”, disse. Além do petista Amaral, a comissão era composta entre outros pelo senador Jefferson Perez (PDT-AM) e pelos maiores opositores da demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima: Romero Jucá (PMDB-RR) e Mozarildo Cavalcante (PFL-RO).


 


Outro foco de crise entre as organizações indígenas e o Congresso é o projeto de lei 1.610/04, que aguarda votação na Câmara dos Deputados e visa legalizar a mineração em terras indígenas. O pretexto para sua elaboração é a necessidade de impedir que se repitam conflitos como o que envolveu os Cinta-Larga, mas as lideranças denunciam o que, segundo elas, são as reais intenções do projeto. “O texto mostra claramente que seu intuito é liberalizar a mineração predatória em terras indígenas para os interesses do grande capital e em detrimento dos nossos direitos de usufruto de nossas terras”, afirma Jecinaldo Sateré-Mawé.


 


Veja os principais problemas de demarcação denunciados pelas lideranças indígenas:


 


Raposa Serra do Sol (RR) – A homologação ainda não saiu, e cresce a possibilidade de se voltar atrás na idéia inicial de fazer a demarcação em terras contínuas. Os indígenas denunciam a pressão exercida nesse sentido sobre o governo por fazendeiros, políticos e outros invasores que são contrários à homologação.


 


Cachoeira Seca (PA) – Com extensão de 760 mil hectares, abriga o povo Arara e já possui portaria demarcatória desde janeiro de 1993, mas nunca saiu do papel. Atualmente, a pressão de latifundiários paraenses que são contrários à demarcação em área contínua com a vizinha Terra Indígena Laranjal, pode provocar a redução da reserva.


 


Terra Indígena Marãiwatsede/Suiá-Missú (MT) – Com 165 mil hectares, abriga o povo Xavante e já foi demarcada, homologada e registrada. No entanto, permanece invadida e ocupada por grileiros e fazendeiros enquanto os índios vivem em abrigos na beira da estrada. As lideranças indígenas denunciam a conivência da Funai e do governo com os fazendeiros.


 


Terra Indígena Baú (PA) – Abriga o povo Kaiapó e teve sua área reduzida em 317 mil hectares (17,2% do total) por decisão do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. As lideranças denunciam que a decisão foi tomada por pressão dos latifundiários e invalida todos os levantamentos fundiários feitos no passado. Denunciam também que os indígenas da reserva foram coagidos pelo governo federal a assinar um termo concordando com sua redução.


 


 


 


 

Fonte: Agência Carta Maior
Share this: