Conferência Terra e Água: Manifesto dos Povos Indígenas
Os 35 povos indígenas presentes à Conferencia Nacional Terra e Água: Reforma Agrária, Democracia e Desenvolvimento Sustentável apresentaram na manhã de quinta-feira, último dia da Conferência, documento criticando a política indigenista do governo federal. Veja abaixo a íntegra do manifesto: Nós, representantes de 35 Povos Indígenas presentes na Conferência Nacional Terra e Água, manifestamos nossa insatisfação com a política indigenista do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que esta tem se pautado pela omissão diante das violências praticadas contra nossos povos, pela negligência aos nossos direitos constitucionais e a falta de interesse em estabelecer um processo de diálogo para a estruturação de uma nova política indigenista. Pelo contrário, o governo promove e incentiva a criação de comissões para discutir e pensar políticas para os povos indígenas, compostas por pessoas e autoridades que se manifestam contrários aos nossos direitos constitucionais. Em nossas comunidades existia muita esperança no atual governo, porque este tinha, antes de eleito, relações e compromissos históricos com a defesa dos nossos direitos, de modo especial, o direito a demarcação e proteção das terras. Durante décadas nos relacionamos com o Partido dos Trabalhadores e este sempre se colocou na defesa intransigente da causa indígena. Tínhamos nos seus parlamentares, aliados importantes dentro do Congresso Nacional e acreditávamos que depois da eleição de Lula nós manteríamos a mesma interlocução na discussão e implementação de nossas propostas, de modo especial a que regulamentará a Constituição Federal através de um novo Estatuto dos Povos Indígenas. Passados quase dois anos deste governo, nos sentimos traídos porque as terras não estão sendo demarcadas, conforme promessas e compromissos de campanha. Pelo contrário, existe uma política explícita de revisão de demarcações já concluídas e até de redução de áreas demarcadas, como o que aconteceu com a terra Baú, do Povo Kayapó, no Estado do Pará. Nos sentimos traídos porque no atual governo a violência contra lideranças, comunidades e povos tem aumentado assustadoramente. Nestes dois últimos anos 40 pessoas foram assassinadas, na grande maioria em função da luta pela terra. Fazendeiros, garimpeiros, grileiros, madeireiros e arrozeiros, sentindo a falta de interesse do governo em solucionar os problemas indígenas se articulam e promovem invasões sistemáticas em nossas terras, saqueando as nossas riquezas, destruindo nossas matas, poluindo e envenenando nossos rios e lagos, devastando a nossa biodiversidade, destruindo nossas culturas e matando nossa gente. São inúmeros os exemplos destas invasões. Destacamos neste manifesto, a invasão de milhares de garimpeiros na terra do Povo Cinta Larga, em Rondônia, promovida no ano 2000 e por diversas vezes denunciada para as autoridades federais, sendo que nunca foram tomadas medidas concretas que resolvesse definitivamente a ilegalidade da invasão e exploração garimpeira. As conseqüências dessa omissão são a violência entre índios e garimpeiros, a devastação do meio ambiente e o contrabando de pedras preciosas; a invasão da terra Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde no dia 23, às seis da manhã, quarenta pessoas entre fazendeiros, peões e pistoleiros invadiram três malocas quando queimaram todas as casas, destruíram roças, balearam e espancaram pessoas; a invasão de fazendeiros na terra indígena Marãiwatsedé, do Povo Xavante, o que ocasionou a expulsão violenta de sua terra, o alastramento de doenças e mortalidade infantil. Nos estados do Sul do Brasil o Povo Guarani luta intensamente pela demarcação de suas terras, nas quais não podem mais entrar porque estas foram cedidas pelos governos para a colonização e para o latifúndio ou em função da sobreposição de unidades de conservação ambiental. Hoje dezenas de comunidades vivem acampadas entre as cercas de grandes fazendas e as estradas, sem direito de acesso a terra mãe. No Nordeste são mais de sessenta povos que reivindicam a posse da terra, sendo que dos 490 mil hectares que lhes são de direito, apenas 88 mil estão em processo de regularização. Nessa região também somos vítimas de projetos equivocados como a transposição do Rio São Francisco. No Centro-Oeste nossas terras são invadidas com a construção de hidrovias e pelo processo de devastação de nossas matas para a implementação das grandes plantações da soja, atendendo a demanda do agronegócio. No Mato Grosso, milhares de hectares de terras são desmatados para o plantio da soja, sendo que muitas destas terras são indígenas. No estado do Tocantins, o Povo Krahô-Kanela foi brutalmente expulso de suas terras e obrigado a viver durante décadas em assentamentos do Incra. Hoje esse povo luta pelo direito às terras que lhes foram saqueadas e entregues a latifundiários. Além de todo o descaso com relação aos direitos indígenas, constatamos com perplexidade que a política energética do atual governo mantém a mesma lógica das políticas anteriores, tendo como base a privatização das empresas e das águas e a construção de barragens e hidrelétricas que destroem o meio ambiente, que inundam terras ancestrais, desalojando povos indígenas, comunidades quilombolas e de pequenos agricultores. Estão projetadas dezenas de barragens pelo país afora e muitas delas com processos de licitação irregulares como é o caso da barragem de Barra Grande, no sul do Brasil. A terra indígena Rio Branco, em Rondônia, atingida pelo empreendimento de sete barragens, sendo que três já estão em funcionamento, acarretará a morte do Rio Branco e comprometerá o futuro dos Povos que ali vivem. Lamentavelmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva priorizou nestes dois anos as relações com os setores oligárquicos dos estados, com os políticos conservadores e com as elites do campo, das cidades, do sistema financeiro. Estes segmentos colocam obstáculos intransponíveis para a implementação de ações governamentais destinadas à demarcação das terras, à reforma agrária, à proteção do meio ambiente, à agricultura familiar, à justiça e paz no campo. Diante dessa realidade perversa, reafirmamos a necessidade de fortalecimento de nossas organizações, das alianças entre nossos povos, na luta pela defesa de nossos territórios e pela defesa de nossos direitos constitucionais. Também reafirmamos a necessidade de ampliar as alianças com os movimentos e organizações que lutam pela democratização da terra e da água, que lutam pela reforma agrária, e que lutam por uma sociedade mais justa, pluriétnica e pluricultural. Precisamos, todos juntos, acreditar na nossa força mobilizadora e transformadora para construir uma terra sem mal, uma terra repleta de vida, uma terra mãe de todos os povos.
Brasília, 25 de novembro de 2004
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Povos Indígenas presentes na
Conferência Nacional Terra e Água:
Sabanê – Mamaindê – Lakondê – Puruborá – Wajuru – Migueleno – Oro Mon – Karitiana – Arara – Gavião – Zoró – Aikanã – Kampé – Makurap – Tupari – Kwaza – Terena – Guarani kaiowá – Guarani – Kaingang – Xokleng – Xukuru – Potiguara – Tupinambá – Pataxó Hã-hã-hãe – Xukuru Kariri – Macuxi – Wapichana – Igarikó – Apinajé – Javaé – Xerente – Krahô-Kanela – Krahô – Karajá