09/11/2004

Reintegração de posse contra Guarani-Kaiowá pode ser executada amanhã

           As 140 famílias Guarani-Kaiowá da terra Nhande Ru Marangatu, que vivem em 26 hectares de terra pouco fértil apesar de terem seu território fisicamente demarcado com 9300 hectares, estão apreensivas com o desenrolar de mais uma ação de reintegração de posse aceita pela Justiça Federal do Mato Grosso do Sul e marcada para acontecer amanhã, 10 de novembro.


            Na tarde de hoje, dia 9, os Guarani-Kaiowá terão uma audiência com Antônio Braga, Secretário de Segurança do Mato Grosso do Sul. Eles querem garantir que não haja violência nas áreas retomadas.


            Na tentativa de reaver parte de sua terra tradicional, em 29 de outubro os Guarani-Kaiowá retomaram parte da fazenda Morro Alto. Os fazendeiros invasores das terras preparavam o plantio de mais uma safra de soja, enquanto os indígenas têm dificuldades de produzir alimento, devido à baixa qualidade do solo nos 26 hectares onde estão vivendo.


            Os indígenas decidiram que, desta vez, quem deveria plantar não eram os fazendeiros, mas eles. “Plantamos ramas de mandioca, milho, feijão e banana”, conta Leia Aquino Pedra, professora indígena.


             Em 4 de novembro, Funai e Polícia Federal estiveram na retomada e notificaram a existência de uma liminar de reintegração de posse. “Disseram que, se a gente não saísse, os fazendeiros iriam passar por cima das plantações”, afirma Léia.


 


Reação dos fazendeiros


            A liminar de reintegração de posse foi expedida pelo juiz federal Odilon de Oliveira, da 3ª Vara da Justiça Federal no Mato Grosso do Sul.


            No dia 3 de novembro, fazendeiros se reuniram em frente ao prédio da Justiça Federal na cidade de Ponta Porã e foram recebidos pelo juiz.  A liminar determinava que a reintegração de posse fosse feita no mesmo dia, mas o Procurador da República Charles Stevan da Mota Pessoa entrou com um recurso que obteve a transferência do cumprimento da liminar para dia 10 de novembro, amanhã.


           Odilon de Oliveira é o mesmo juiz que concedeu, em outubro, cinco liminares de reintegração de posse a fazendeiros da região de Dois Irmãos de Buriti e Sidrolândia, terras do povo Terena no Mato Grosso do Sul.


 


Devastação do território


            Mas os problemas do Guarani-Kaiowá não param por aí. Durante a colocação dos marcos de demarcação física de seu território tradicional, os indígenas também constataram o aumento da devastação de suas terras, realizada por fazendeiros que ainda vivem em terras reconhecidas como indígenas.


           Os índios denunciam que a derrubada de árvores foi intensificada em muitas das fazendas que hoje existem na terra indígena e que rios e nascentes estão sendo envenenados.


           As denúncias estão em um documento que será enviado aos ministérios da Justiça, do Meio Ambiente, à Funai, ao Ibama e ao Ministério Público.


“Estão jogando veneno que impede as sementes de brotarem, como as de ipê, dentre outras. Tem uma serraria funcionando, com madeira da nossa terra. Entram e saem vários caminhões com cargas cobertas, impedindo até a identificação do que está sendo transportado”, afirma o documento.


         O desmatamento tem também conseqüências culturais, já que estão sendo retiradas plantas importantes para a organização do povo, como a palmeira bacuri, utilizada para a cobertura das casas.


         Os Guarani-Kaiowá pedem que sejam tomadas medidas imediatas pelos órgãos ambientais e indigenistas, para que não tenham o restante de suas terras devastadas.


 


50 anos de luta pela terra


            A luta dos Guarani-Kaiowá para a garantia de seu território tradicional é tão antiga quanto as ofensivas dos fazendeiros contra a presença dos indígenas na região do município de João Dias, no MS.


            Os indígenas foram expulsos de suas terras nos anos 50. Durante estas décadas, ficaram confinados em trechos que variaram de 11 a 29 hectares, depois do processo de retomadas. Enfrentaram fome, miséria e a desestruturação de sua sociedade, o que gerou casos conhecidos de alcoolismo e suicídios.


            Em 1983, o líder indígena Marçal de Souza foi assassinado na aldeia Campestre, por denunciar o processo de encurralamento dos Guarani-Kaiowá. O crime gerou mobilizações no Brasil e fora do país, mas os acusados foram absolvidos duas vezes com alegação de falta de provas e o crime prescreveu no início deste ano.


           Na década de 90, este povo fez retomadas para poder voltar a seu território tradicional. Passaram por disputas jurídicas e seguiram ameaçados fisicamente pelos fazendeiros, ligados à elite política da região.


 


                                             Brasília, 9 de novembro de 2004


 

Fonte: Cimi - Conselho Indigenista Missonário
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