Raposa Serra do Sol, por Dom Luciano Mendes de Almeida
A Questão do processo demarcatório da terra indígena Raposa Serra do Sol já é bem conhecida e aguarda-se a assinatura pelo presidente Luiz Inácio Lula do decreto homologatório tão desejado pelos povos legítimos proprietários dessa área no nordeste do Estado de Roraima. Nessa terra, há 148 aldeias com 15 mil habitantes dos povos macuxi, uapichana, taurepang, patamona e ingaricó.
A população indígena respeita a diversidade biológica e os mananciais de água e conserva a natureza. Hoje esses povos estão em crescimento e possuem para seu sustento 30.000 cabeças de gado.
Nos últimos decênios, vários grupos de fazendeiros, plantadores de arroz e garimpeiros ocuparam também a área, gerando conflitos e pressionando os indígenas a reduzir os limites de suas terras ou viver em extrema pobreza nas periferias das cidades. É triste lembrar que 21 indígenas perderam a vida na resistência pela posse da terra e do seu patrimônio cultural.
A Constituição Federal assegura aos povos indígenas (art. 231) o direito à posse permanente e usufruto exclusivo. Com razão, esperava-se que não demorasse a homologação da área Raposa Serra do Sol. O problema que vem retardando o decreto homologatório está ligado à discussão sobre a demarcação de área contínua. Com efeito, a liberdade de autodeterminação dos povos em suas terras, a preservação da cultura e a garantia de crescimento exigem que a área demarcada seja contínua e, portanto, não inclua núcleos urbanos e enclaves de plantadores de arroz e outros, que hão de causa mais tensões, enfrentamentos e grave detrimento cultura.
A saída dos que já invadiram a área indígena é viável, tanto mais que alguns possuem outras terras ou podem ser colocados em região vizinha, conforme programa elaborado pelo Incra. No entanto a resistência por parte de fazendeiros e rizicultores é muito forte, tendo estes conseguido uma liminar que impediu a homologação em área contínua. As comunidades indígenas apelaram da decisão, mas não foram atendidas pelo Tribunal Federal, que ampliou até as áreas a serem excluídas no decreto de homologação. Por determinação da Justiça Federal, os indígenas deveriam deixar parte das próprias terras, mantendo-se, assim, por enquanto, a posse dos plantadores de arroz.
No entanto o Supremo Tribunal Federal examinou o pedido do procurador-geral da República, doutor Cláudio Fonteles, que, argumentando haver conflito entre as posições da União e do Estado de Roraima, conseguiu que a ação passe a ser julgada pela Suprema Corte.
É grande a esperança de que seja, enfim, homologada, em área contínua, a terra indígena Raposa Serra do Sol. A decisão almejada da Suprema Corte e o ato presidencial assegurando os direitos constitucionais dos povos indígenas ajudarão assim, diante de Deus, a reparar as graves injustiças praticadas ao longo de nossa história.
É tempo de garantirmos a plena cidadania, as condições de desenvolvimento, a tranqüilidade e a alegria às nossas populações indígenas.
Dom Luciano Mendes de Almeida
Jornal Folha de SPaulo, 30-10-04