Acuados pelo governo e pelas Farc, indígenas exigem direitos
Verena Glass
No dia 4 de setembro deste ano, cerca de 400 indígenas da região de Cauca, sudoeste colombiano, partiram em uma “missão de resgate” do prefeito do município de Toribío, Arquímedes Vitonás, seqüestrado no dia 21 do mês passado com outros quatro líderes indígenas pela guerrilha das Farc. Aparentemente, não havia motivação, e os seqüestrados foram soltos em meados de setembro. O incidente se seguiu a uma tragédia maior, ocorrida no início de agosto, quando dois líderes sociais indígenas, inicialmente, e outros quatro logo depois, foram assassinados pelas forças armadas do governo, também sem motivação aparente. As ações foram condenadas duramente pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU, que exigiu uma investigação dos assassinatos, ainda sem resposta.
Cauca, com seus mais de 42 mil quilômetros quadrados, é uma região peculiar da Colômbia. Há mais de 20 anos é regida pelos povos indígenas locais através de um sistema de autogestão, fundamentado na cultura e nos conhecimentos ancestrais – o Projeto Nasa (Projeto de Vida, no idioma local) que, no início do ano, recebeu o Prêmio Equatorial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). No entanto, apesar de ter sido desmilitarizada em 1998 pelas falidas negociações entre o então presidente Andrés Pestrana e as Farc, as comunidades e os municípios indígenas vêm sendo alvos de ataques de todas as frentes.
Apenas em 2003, foram registrados mais de 100 assassinatos de lideranças indígenas, segundo dados da ONU. Como denunciou, durante a Cúpula Indígena das Américas (ocorrida em julho passado em Quito, Equador), o presidente da Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic), Luis Andrade: “A presença cada vez maior de militares, paramilitares e grupos insurgentes está violentando a autonomia dos povos indígenas. Se restringe o livre transito de pessoas, alimentos e medicamentos, e cada um dos exércitos trata de envolver os indígenas na guerra, recrutando-os, desconhecendo suas autoridades e impondo sua lei”.
Estes e outros problemas, como os desalojamentos forçados em função das fumigações das lavouras, parte do Plano Colômbia de combate ao narcotráfico que já atingiu milhares de indígenas e causou uma série de mortes entre crianças e animais, são o pano de fundo da Marcha pela Vida, a Autonomia, a Liberdade, a Justiça e a Alegria que, reunindo mais de 50 mil participantes, partiu, no último dia 13, do Território de Nasa (município de Santader de Quilichao) rumo à Cali, ocupando parte da Rodovia Pan-americana.
Prevista para chegar em Cali neste dia 16, a Marcha se encontrou com outra centena de grupos indígenas, movimentos sociais e apoiadores – entre eles 14 senadores – para um congresso de dois dias, onde pretendem discutir medidas emergenciais “para deter políticas, processos e projetos que ameaçam a sobrevivência dos povos, comunidades e organizações indígenas”, além de criar mecanismos de articulação com outros movimentos no sentido de fortalecer a resistência e propor alternativas.
Em termos mais concretos, o congresso debaterá, efetivamente, a criação de três frentes: uma Frente contra a Repressão e a Guerra, visando propostas para uma saída negociada do conflito armado a cuto prazo (com participação efetiva dos povos indígenas), cessar fogo com supervisão de organismos internacionais e ressarcimento das perdas e reparação de danos para os povos indígenas; uma Frente contra o Pacotão da Contra-reforma Constitucional, para exigir do Congresso a rejeição das reformas que prevêem a abolição do direito indígena às terras de seus ancestrais, retira garantias civis em nome do combate ao terrorismo, aprova uma lei de Alternatividade Penal, que garante a impunidade dos paramilitares, permite a re-eleição de Uribe, entre outros; e uma Frente contra o Tratado de Livre Comércio (TLC Andino) e a ALCA, que pretende discutir estratégias de luta contra os dois processos, considerados uma ameaça a todas as conquistas do movimento indígena, à sua soberania, aos recursos naturais e conhecimentos ancestrais, entre outros.
Para além de Cauca
Apesar de centralizada em Cali – onde acontecerá, no próximo sábado (18), uma audiência pública com a Defensoria do Povo, congressistas, ONGs, movimentos sociais e personalidades internacionais -, a mobilização indígena também se estende á capital Bogotá (onde ocorrem manifestações e debates regionais até o fim da semana). Outros grupos, como 7 mil indígenas Zenú, estão marchando de Sampués a Sincelejo pela Marginal do Caribe; “os Wayúu vão de Cuatro Vías (Maicao, Guajira) a Riohacha; os Mocaná, no Atlântico, marcham de Galapa a Barranquilla”, comunicam os organizadores.