10/09/2004

Povos indígenas e movimentos sociais: a hora das ruas

 


Um consenso vai se consolidando nos movimentos sociais em todo o país, neste momento crucial: mudanças só virão a partir de muita mobilização e pressão popular. O sonho do novo só acontecerá com a força do povo, consciente e organizado, nas ruas. Essa é a sina da maioria dos países do nosso continente. O Equador é um exemplo claro. Aí os povos indígenas, que ajudaram eleger um presidente, sentiram-se traídos, e, com demais setores populares, agora esperam tirar o presidente Gutierrez do poder. A Bolívia é outro exemplo em que os indígenas, que nesse país são maioria, rebelam-se e buscam mudar o governo considerado porta voz da política comandada pelo capital financeiro, fábrica de miséria e exclusão, para concentrar as riquezas em poucas mãos. Poderíamos citar ainda, neste aspecto, a situação do México, com a gloriosa atuação dos Zapatistas, da Guatemala… E no Brasil não é diferente. Muitos lutadores populares engrossam a cada dia a multidão de desiludidos que votam na esquerda para ver se consolidarem, cinicamente, os programas da direita.


Para aprofundar a reflexão sobre a emergência, crise e perspectiva dos movimentos sociais no Brasil do governo Lula, mais de quarenta representantes dos movimentos e de seus aliados em todo o país reuniram-se em Curitiba, de 28 a 30 de maio, num seminário organizado pelo setor do Apostolado Social dos jesuítas. Foi um momento muito rico pois possibilitou aprofundar a reflexão sobre esse processo nas últimas décadas e buscar diretrizes comuns que fortaleçam as alianças, articulações e mobilizações para a “construção do Brasil que queremos”.


Foram expostas e debatidas as experiências de lutas na questão da construção de um novo cenário da questão fundiária em nosso país, seja através de uma efetiva reforma agrária, seja através da consolidação de experiências coletivas da terra, bem como o reconhecimento e garantia das terras indígenas e de quilombolas. Foi visto com esperança o que foi expresso na carta da recente Assembléia da CPT: “as lutas dos povos da floresta, dos povos indígenas, dos remanescentes de quilombos para ter sua terra garantida são sinal de que ainda é possível que a terra é mãe a ser amada, é vida a ser respeitada e repartida e não mero instrumento de produção e geração de riquezas muitas vezes injustas”. (Goiânia, 16/05/04).


A experiência, filosofia e metodologia, objetivos e lutas concretas do MST foram expostos por militantes do movimento. O mesmo foi feito por representantes dos povos indígenas, ribeirinhos e operários, sem teto dentre outros. Como resultado visualizou-se um rico e criativo quadro de lutas dos movimentos sociais.


Porém evidenciaram-se também algumas fragilidades e crises nesses movimentos, no atual momento conjuntural do governo Lula. Seja em face da leitura de como ajudar esse governo a implementar as mudanças com as quais se elegeu, seja em função de uma certa perplexidade paralisante a partir da frustração dos sonhos construídos por décadas com muito suor e sangue, que levou a uma espera que se torna cada vez mais longa, distante e vazia. Outro motivo que muitas vezes tem dificultado decisões mais radicais é a presença de grande número de militantes do movimento social em vários órgãos governamentais. Percebeu-se também uma certa ambigüidade na relação de muitas ONGs (Organizações Não Governamentais) e o movimento social, uma vez que elas às vezes têm se transformado em “organizações paragovernamentais”. Existe um momento de certo refluxo e falta de perspectivas claras nas relações e ações do movimento social na atual conjuntura brasileira.


O movimento indígena também se encontra nessa mesma perplexidade e complexidade do momento atual. Isso tudo agravado pelas conseqüências amargas da armadilha de convênios, como no caso da saúde, que tem dificultado a construção de uma maior unidade e articulação na luta pelos direitos. Por outro lado é notória a qualificação e articulação dos setores antiindígenas com inúmeras ações e iniciativas nos diversos âmbitos do governo e da sociedade. O resultado é o aumento assustador da violência contra os povos indígenas e a permanente ação para impedir seus direitos, especialmente à terra. Tem sido lamentável a atitude do governo, que através de seu silêncio conivente ou de sua postura arrogante e autoritária, em nada tem contribuído para que houvesse qualquer avanço significativo nas políticas com relação a esses povos e muito menos uma “descolonização” das práticas dominadoras e excludentes. A falta de diálogo permanente, a não realização de uma Conferência de Política Indigenista, a não criação de uma instância de definição e fiscalização de uma efetiva política governamental para os povos indígenas, enfim o descumprimento cabal de tudo o que foi assumido no documento “Compromisso com os povos indígenas”, são reveladores de um continuísmo pernicioso.


Foi importante essa reflexão e debate dos movimentos sociais, englobando o movimento indígena, pois isso se torna cada dia mais urgente para construir alianças mais sólidas e traçar estratégias de luta e mobilização articuladas. Só assim será possível conquistar as mudanças prometidas e possibilitar novos rumos do governo Lula. É hora de juntar a resistência, sabedoria e criatividade do povo, na rua.


Egon D. Heck – Cimi Norte 1

Publicado no Jornal Porantim – edição 266

Fonte: Cimi
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