17/08/2004

Autorização do Congresso Nacional sobre demarcação de terras indígenas, por Paulo Machado Guimarãres

Parecer sobre as Propostas de Emendas Constitucionais
133/1992, 215/2000, 579/2002 e 275/2004


I.                     Proposições


Tramitam na Câmara dos Deputados as seguintes Propostas de Emendas Constitucionais:


1.       PEC nº 133, de 1992, apresentada por parlamentares, tendo à frente o Deputado Nicias Ribeiro, na qual sugerem que se acrescente um parágrafo no art. 231 da CF, com a seguinte redação:


A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, vedada a sua execução em faixa de fronteira, depende de autorização prévia do Congresso Nacional, após a aprovação da extensão e dos limites territoriais da área que compreende a reserva indígena, respeitado o disposto nos parágrafos 2º  e 4º do art. 64 da Constituição.


2. PEC nº 215, de 2000, apresentada por parlamentares, tendo à frente o Deputado Almir Sá, na qual sugere que:


a) se acrescente ao art. 49 da Constituição Federal, o inciso, renumerando-se os demais, com o seguinte teor:


Art. 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:



(novo inciso) – aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as demarcações já homologadas”;


b)                                          se altere a redação do § 4º do art. 231 da Constituição Federal e acrescenta um oitavo parágrafo neste mesmo art. 231 da CF, de forma a passar a vigorar com as seguintes redações:


§ 4º As terras de que trata este artigo, após a respectiva demarcação aprovada ou ratificada pelo Congresso Nacional, são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”;


§ 8º Os critérios e procedimentos de demarcação das Áreas indígenas deverão ser regulamentados por lei”.


3. PEC nº 579, de 2002, apresentada por parlamentares, tendo à frente o Deputado Ricarte de Freitas, na qual sugere que se altere a redação do § 1º do art. 231 da Constituição Federal, de forma a passar a vigorar com a seguinte redação:


§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, devendo a sua demarcação ser submetida à aprovação do Congresso Nacional.


4. PEC nº 275, de 2004, apresentada por parlamentares, tendo à frente o Deputado Lindberg Farias, na qual sugere que:


a)                                          se altere a redação do inciso XVI do art. 49 da Constituição Federal, que passaria a vigorar com a seguinte redação:


Art. 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:



XVI – autorizar a demarcação de terras indígenas, bem como a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais em seu interior”;


b)                                          se altere a redação do caput do art. 231 da Constituição Federal, de forma que passaria a vigorar com a seguinte redação:


São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, ad referendum do Congresso Nacional, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.


II. Parâmetros Constitucionais para a admissibilidade das PECs


Na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, nos termos do que estabelece a alínea “b” do inciso III do art. 32, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados cabe a apreciação da “admissibilidade de proposta de emenda à Constituição”, que deverá se pautar, portanto, pelos parâmetros fixados no art. 60 da Constituição Federal, em especial o disposto no seu § 4º.


O disposto nos §§ 1º e 5º do art. 60 da CF, não se aplicam nos presentes casos.


O § 4º do art. 60 da CF, é taxativo ao estabelecer que:


Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:


I – a forma federativa de Estado;


II – o voto direto, secreto, universal e periódico;


III – a separação dos Poderes;


IV – os direitos e garantias individuais


Conforme bem analisado por José Afonso da Silva:


A Constituição, …, ampliou o núcleo explicitamente imodificável na via da emenda, definindo no art. 60, § 4º, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.


É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: ‘fica abolido o voto direto…’, ‘passa a vigorar a concentração de Poderes’, ou ainda ‘fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação…, ou o habeas corpus, o mandado de segurança’. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, ‘tenda’ (emendas tendentes, diz o texto) para a sua abolição[1].


III. Natureza e classificação do ato administrativo de demarcação de terras indígenas


A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios decorre de imperativo constitucional, consignado no caput do art. 231 da CF, ao estabelecer “competir à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.


A demarcação consiste, assim em ato administrativo, por intermédio do qual a administração pública federal explicita os limites das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, baseado em elementos de prova documental, testemunhal e pericial, fixando marcos oficiais, sinalizadores do limite da terra demarcada.


Esse ato administrativo tem natureza declaratória dos limites da terra tradicionalmente ocupada pelos índios, que consiste em um bem da União, por força do que estabelece o inciso XI do art.20 da CF e sobre o qual os índios exercem a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e nos lagos.


A União, nos termos do art. 19 da Lei nº 6.001/73 e do Decreto nº 1775/96, atribui a concretização das demarcações à iniciativa e à orientação da Fundação Nacional do Índio e a prática de ato  do Ministro de Estado da Justiça, de acordo com procedimento administrativo específico para esse fim.


Nos termos do Decreto nº 1.775/96, o procedimento administrativo inicia com a constituição, pela Funai, de Grupo técnico especializado, “com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessário à delimitação”. Este Grupo Técnico, procede, assim à identificação e delimitação, com a caracterização da terra a ser demarcada, apresentando Relatório circunstanciado à Funai (§§ 1º e 6º do art. 2º do Dec. 1775/96).


Aprovado o Relatório do Grupo Técnico, pelo Presidente da Funai, este fará publicar no Diário Oficial da União, no Diário Oficial da unidade da federação onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel (§ 7º do art. 2º do Dec. 1775/96).


Nos termos do § 8º do art. 2º do Dec. 1775/96, “Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior”.


Nos sessenta dias subsequentes ao encerramento do prazo para as manifestações de interessados, de que trata o § 8º do art. 2º do Dec. 1775/96, acima transcrito, a Funai encaminhará o “respectivo procedimento” ao Ministro de Estado da Justiça, “juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas” (§ 9º do art. 2º do Dec. 1775/96).


Por sua vez, o Ministro de Estado da Justiça decidirá, no prazo de até trinta dias: declarando os limites da terra indígena e determinando sua demarcação; prescrevendo diligências que julgar cabíveis; desaprovando a identificação e retornando os autos à Funai, com base em decisão fundamentada no descumprimento do disposto no § 1º do art. 231 da CF.


Em seguida, a demarcação, feita nos termos da Portaria declaratória do Ministro da Justiça, é homologada, por expressa determinação legal inscrita no § 1º do art. 19 da Lei nº 6.001/73, pelo Exmo Senhor Presidente da República, para, em seguida ser registrada em Cartório Imobiliário e no Serviço de Patrimônio da União.


A demarcação de uma terra tradicionalmente ocupada por índios consiste em ato administrativo composto, na medida em que a demarcação feita nos termos da delimitação declarada pelo Ministro da Justiça, é homologada pelo Presidente da República.


Importa observar, no entanto, que o ato administrativo declaratório de limites de uma terra tradicionalmente ocupada por índios, que resultou da conclusão de um procedimento administrativo, é executado, com despesas do erário, em razão da contratação de empresas de topografia, por processo licitatório, a confecção e a colocação de marcos oficiais nos limites da terra demarcada, em alguns casos com a colaboração dos próprios índios.


IV. Condicionar demarcação de terras indígenas à aprovação ou autorização do Congresso Nacional atenta contra o princípio constitucional da separação dos Poderes


As PECs 133/1992, 215/2000, 579/2002 e 275/2004 ao relacionarem na competência exclusiva do Congresso Nacional: “a aprovação das demarcações das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as demarcações já homologadas”, ou autorizar que as demarcações sejam feitas, conformam pretensões legislativas de forma que uma das ações administrativas do Poder Executivo seja condicionada à validação ou à autorização de um outro Poder da República, o Poder Legislativo.


O poder constituinte derivado não pode pretender restringir as atribuições do Poder Executivo, ampliando as competências do Poder Legislativo, que os constituintes originários não lhe atribuíram.


As inovações objeto das PECs, além de acrescentarem atribuições ao Poder Legislativo, invadem atribuições do Poder Executivo, condicionando a validade de seus atos à vontade dos membros do Congresso Nacional.


Importa observar competir privativamente ao Presidente da República, conforme estabelece o inciso II do art. 84 da CF: “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”.


Por sua vez, aos Ministros de Estado compete, nos termos previstos no parágrafo único do art. 87 da CF, além de outras atribuições estabelecidas na Constituição e na lei: “exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República”.


Pretender limitar ou condicionar a atividade administrativa exercida pelo Poder Executivo, sem que o poder constituinte originário tenha indicado tal possibilidade, implica em inegável tendência a eliminar a separação de poderes.


Ainda conforme lição de José Afonso da Silva:


A divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes, que tomam os nomes das respectivas funções, menos o Judiciário (órgão ou poder Legislativo, órgão ou poder Executivo e órgão ou poder Judiciário). Se as funções forem exercidas por um órgão apenas, tem-se concentração de poderes.


A divisão de poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função; assim, às assembléias (Congresso, Câmaras, Parlamento) se atribui a função Legislativa; ao Executivo, a função executiva;  ao Judiciário, a função jurisdicional; (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Trata-se, pois, como se vê, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder[2].


Analisando a cláusula da independência e harmonia entre os poderes, estabelecido no art. 2º da CF, o Prof. José Afonso da Silva observa:


A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não depende da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; assim é que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração federal, bem como exonerar ou demitir seus ocupantes, prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes; às Câmaras do Congresso e aos Tribunais compete elaborar os respectivos regimentos internos, em que se consubstanciam as regras de seu funcionamento, sua organização, direção e polícia, ao passo que ao Chefe do Executivo incumbe a organização da Administração pública, estabelecer seus regimentos e regulamentos. Agora, a independência e autonomia do Poder Judiciário se tornaram ainda mais pronunciadas, pois passou para a sua competência também a nomeação de juízes e tomar outras providências referentes à sua estrutura e funcionamento, inclusive em matéria orçamentária (arts. 95, 96 e 99).


A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados[3].


Não se alegue, ainda, o disposto no inciso XVI do art. 49 da CF, como justificativa legitimadora das proposições em comento.


A atribuição ao Congresso Nacional, para autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas foi fixada pelo poder constituinte originário e somente ocorrerá após fixação de condições específicas, previstas em lei.


Ao relacionar atos, cuja validade vinculou à manifestação do Congresso Nacional, o Poder Constituinte originário delimitou temas que não podem lhe ser retirados e nem ampliados.


Observe-se que por ocasião da aprovação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, o disposto nos incisos VII e VIII do art. 49, teve suas redações alteradas, sem comprometer, porém a competência do Congresso Nacional na fixação dos subsídios para os Deputados, Senadores, para o Presidente e Vice-Presidente da República e para os Ministros de Estado.


Da mesma forma, o Congresso Nacional, no exercício de seu poder reformador derivado, não pode por exemplo condicionar a assinatura de atos administrativos, como contratos ou convênios à sua prévia autorização, por implicar em abalo na harmonia entre os poderes, com agressão ao princípio da separação dos poderes.


O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de apreciar o tema, como ocorreu por ocasião do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 1.166-9/DF, julgada em 5 de setembro de 2002 e nº 342-9, julgada em 6 de fevereiro de 2003.


Na ADI 1166/DF, por unanimidade de votos, o Tribunal acompanhou o entendimento adotado pelo Exmo Senhor Ministro Ilmar Galvão, Relator do processo, ementado nos seguintes termos:


Ação Direta de Inconstitucionalidade. ART. 60, XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal. Alegada incompatibilidade com os arts. 18, e 25 a 28 , todos da Carta da República.


Dispositivo que, ao submeter à Câmara Legislativa distrital a autorização ou aprovação de convênios, acordos ou contratos de que resultem encargos não previstos na lei orçamentária, contraria a separação de poderes, inscrita no art. 2º da Constituição Federal. Precedentes. Ação julgada procedente[4].


Em seu voto, o Exmo Senhor Ministro Ilmar Galvão, lembra que:


Quando do julgamento da medida cautelar, destacou-se a semelhança entre o caso dos autos e apreciado por esta Corte na ADI 676, Rel. Min. Carlos Velloso, uma vez que em ambas as ações são impugnadas normas que submetem a prévia autorização do Poder Legislativo a celebração de convênios que importem encargos não previstos na lei orçamentária.


O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mérito da mencionada ADI 676, entendeu que normas da espécie contrariam o princípio da separação e independência entre os poderes, inscrito no art. 2º da Constituição Federal, restando o acórdão assim ementado:


‘CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS E ATOS DE SECRETÁRIOS DE ESTADO. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INONSTITUCIONALIDADE.


I – Norma que subordina convênios, acordos, contratos e atos de secretários de Estado à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade porque ofensiva ao princípio da independência e harmonia dos poderes. C.F., art. 2º.


II – Inconstitucionalidade dos incisos XX e XXXI do art. 99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.


III – Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente’.


Nesse sentido, igualmente, os pronunciamentos de mérito desta Corte na ADI 165, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; na ADI 177, Rel. Min. Carlos Velloso; e na ADI 462, Rel. Min. Moreira Alves.


Impõe-se, portanto, a conclusão de que também o dispositivo ora impugnado da Lei Orgânica do DF contraria o art. 2º da Carta da República[5].


Na ADI 343-9, o Tribunal também acompanhou o Voto do Relator, o Exmo Senhor Ministro Sydney Sanches, em acórdão ementado nos seguintes termos:


DIREITO CONSTITUCIONAL.


CONVÊNIOS: AUTORIZAÇÃO OU RATIFICAÇÃO POR ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO XXI DO ART. 54 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ, QUE DIZ:


‘Compete privativamente, à Assembléia Legislativa:


XXI – autorizar convênios a serem celebrados pelo Governo do Estado, com entidades de direito público ou privado e ratificar os que, por motivo de urgência e de relevante interesse público, forem efetivados sem essa autorização, desde que encaminhados à Assembléia Legislativa, nos noventa dias subsequentes à sua celebração’.


1.       A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a regra que subordina a celebração de acordos ou convênios firmados por órgãos do Poder Executivo à autorização prévia ou ratificação da Assembléia Legislativa, fere o princípio da independência e harmonia dos poderes (art. 2º, da C.F.). Precedentes.


2.       Ação Direta julgada procedente para a declaração de inconstitucionalidade do inciso XXI do art. 54 da Constituição do Estado do Paraná[6].


Com efeito, ao condicionar a conclusão das demarcações à decisão do Congresso Nacional, o poder constituinte derivado submete a ação administrativa do Poder Executivo a um juízo de conveniência e oportunidade do Poder Legislativo, sujeito à considerações das mais variadas e possivelmente distintas dos referenciais que o texto constitucional estabelece para cumprimento e respeito.


Pretender-se, que as demarcações das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios venham a ser feitas após aprovação ou autorização do Congresso Nacional, significa retirar do Poder Executivo parte de sua atribuição administrativa.


Admitir esta possibilidade significa aceitar que futuramente as demarcações das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios serão feitas pelo Poder Legislativo. Nessa lógica, confirma-se a tendência à concentração de poderes no Poder Legislativo, retirando-se do Poder Executivo, todas as demais atribuições inerentes à função administrativa.


V.                  Conclusão


Do exposto, conclui-se no sentido de que as PECs 133/1992, 215/2000, 579/2002 e 275/2004, violam o disposto no inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, não devendo ser objeto de deliberação do Congresso Nacional.


Em conseqüência as PECs, com exceção da PEC 133/92, que já foi aprovada pela CCJR, não devem ser admitidas por ocasião de sua apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça e Redação da Câmara dos Deputados.


A PEC 133/92, por sua vez deve ser rejeitada, caso venha a ser apreciada pelo Plenário da Câmara dos Deputados.


Brasília, 15 de julho de 2004.


Paulo Machado Guimarães
Advogado inscrito na OAB-DF sob o nº 5.358
Assessor Jurídico do Cimi


 






[1] Pag. 67, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª edição, Malheiros Editores



[2] Págs. 112 e 113, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª edição, Malheiros Editores



[3] Pág. 114, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª edição, Malheiros Editores



[4] Acórdão publicado no DJU de 25.10. 2002



[5] Inteiro teor do acórdão disponível na página eletrônica do STF (www.stf.gov.br) e no Ementário nº 2088-1/pág. 111 à 116



[6] Acórdão publicado no DJU de 11.04.2003. Inteiro teor do acórdão disponível na página eletrônica do STF (www.stf.gov.br)

Fonte: Cimi - Assessoria Jurídica
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