Povo Krahô-Kanela retoma sua terra tradicional
Frente à omissão do governo e as condições desumanas em que vivem, a retomada foi considerada a única solução para ter de volta a terra tradicional.
Vivendo de um lado para o outro e fartos da omissão do Governo frente à situação em que vivem, os Krahô-Kanela retomaram, no dia 10 de junho, seu território tradicional – Mata Alagada- no município de Lagoa da Confusão, cerca de 300 quilômetros de Palmas, Tocantins. “Nós fomos forçados por causa da omissão da Funai”, denunciou o cacique Mariano em Brasília.
Cerca de 170 indígenas entraram na terra e ali permaneceram por nove dias. Durante este período muitos foram os momentos de tensão. Em conseqüência da ação dos índios, fazendeiros que se dizem donos da terra entraram com ações de reintegração de posse. Começa então um dos momentos de maior tensão: ter que sair da terra em que por tanto tempo lutam para retornar.
Duas liminares foram expedidas contra os Krahô-Kanela. A primeira, no dia 11 de junho, pelo juiz Agenor Alexandre da Silva, de Cristalândia (TO), que na segunda-feira, dia 14, revogou-a e transferiu a competência do caso à Justiça Federal. Em menos de 24 horas, o juiz federal substituto, Wesley Wandim Passos Ferreira de Souza, concedeu, no dia 16, uma nova liminar de reintegração de posse contra o povo Krahô-Kanela.
Com a notícia da primeira liminar, os índios fizeram reféns dois oficiais de justiça que, no dia 12, foram até a área levar a notificação. Após negociações que foram acompanhadas pelo superintendente da Polícia Federal em Palmas, representante do Ministério Público e de entidades de apoio aos povos indígenas e de direitos humanos, os dois foram liberados.
Durante toda a negociação, os Krahô-Kanela permaneceram irredutíveis quanto à saída, garantindo que nada os faria desistir. Segundo Aldereise Krahô-Kanela, liderança da comunidade, em entrevista concedida, no dia 16, (horas antes da segunda liminar), a decisão era de resistir, “vamos continuar lá, ninguém vai sair. Minha mãe tem 76 anos e disse para nós que prefere morrer em sua terra a ter que sair”.
Essa resistência é de fácil compreensão, quando fazemos uma retrospectiva da trajetória desse povo. Há quase 30 anos esse povo passou por vários estados e perambulou por muitas terras de outros povos.
O governo só deu início ao processo de regularização do território Krahô-Kanela no ano passado, quando constituiu o Grupo Técnico para elaborar o relatório de identificação e delimitação; até então, viviam de um lado para o outro desde a década de 70 quando foram expulsos da terra.
Cansados das andanças, em 2001, os Krahô-Kanela retomaram a terra Mata Alagada com 30 mil hectares. Após quatro dias tiveram que deixá-la por conta de uma liminar de reintegração de posse.
Depois de um acordo entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a Funai, o povo, com cerca de 300 pessoas, ficou confinado na sede de um assentamento, com meio hectare, a cerca de dois quilômetros da terra tradicional. Sem nenhuma providência e pressionados pelos assentados, pois o prazo do acordo já estava vencido, os índios tiveram que deixar o local. A Funai se comprometeu mais uma vez a ajudar os Krahô-Kanela. A proposta foi de os índios saírem do assentamento e ficarem em uma casa, em Gurupi, onde funcionava a Casa do Índio e o órgão indigenista, por sua vez, agilizaria um outro local para os índios até que o processo de regularização fundiária da terra fosse concluído. Passados mais de sete meses os Krahô-Kanela continuam na casa do índio onde, segundo denúncia dos próprios índios, sofrem discriminação da população, não têm atendimento à saúde e chegam a passar fome
Quando foram para cidade, mais uma vez, o órgão indigenista prometeu total assistência ao povo. Mesmo temerosos em trocar a roça pela cidade os Krahô-Kanela acreditaram nas promessas. “Estávamos com medo, mas confiamos que o prometido seria feito, o que não aconteceu”.
Segundo Aldereise, o povo estava disposto a esperar o término do relatório de identificação, mas o descaso e até a fome os motivaram a tomar a decisão de retomar a área. “O sofrimento era grande, chegamos a passar fome e a Funai não nos atendia em Gurupi”.
Mais promessas – As articulações para que os Krahô-Kanela deixassem o local da retomada culminaram em mais um acordo. O povo retornaria para a Casa do Índio, em Gurupí, e, em contrapartida, a Funai ficou de providenciar, até que seja concluído o processo de regularização, um local onde eles possam ficar com dignidade e assistência. Vale ressaltar que na ocasião da saída do assentamento um acordo parecido foi feito e não foi cumprido.
Tirar o povo de um local para evitar um conflito maior, prometer que soluções favoráveis a eles serão providenciadas e depois deixá-los à própria sorte, tem sido a prática do órgão indigenista. Até o dia 2 de agosto esse local nas proximidades dos rios Formoso e Javaé tem que ser arrendado.
Denúncia – A situação dos Krahô-Kanela foi a primeira denúncia feita ao Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, lançado em Brasília, dia 23 de junho.
O relato foi feito pelo cacique Mariano, que esteve na capital federal com mais 29 lideranças.
As andanças e a falta de respeito para com eles foram expostas pela liderança que afirmou apenas querer a terra que lhes foi tirada há quase 30 anos e explicou o que motivou o povo a retomar a área. “Nós fomos forçados por causa da omissão da Funai, nosso pessoal há quase 30 anos não tem onde morar, a turma lá (da Funai) dá pouca assistência pra nós. O estudo da nossa terra está muito lento, parece que eles passam muito tempo sem olhar para os papéis. Isso forçou a gente a entrar na nossa terra tradicional”.
Os momentos de tensão que viveram nos dias em que estiveram na área foram esclarecidos pelo cacique, que garantiu não ter intenção alguma de brigar ou de machucar alguém. “Só queremos a nossa terra, a luta é pela nossa terra”.
Mariano pediu ajuda às entidades presentes, pois acredita que o órgão do governo pouco fará por eles. “Peço a vocês que nos ajudem a chegar na nossa terra. Ajudem porque a Funai não está ajudando. É por causa da espera pela ajuda da Funai que o nosso pessoal está sofrendo há mais de 20 anos. Nós não vamos continuar sofrendo mais não. Se a Funai não resolver, nós vamos resolver”, concluiu.
Diante dessa peregrinação e todas as promessas feitas e não cumpridas fica a questão, para onde vão os Krahô-Kanela?
(Liliane Luchin)
DISCURSO DO CACIQUE MARIANO KRAHÔ-KANELA, NO LANÇAMENTO DO FÓRUM
“Por um lado me sinto alegre em estar aqui com muitas entidades que ouvimos falar que estão do lado dos povos indígenas , por outro lado, estou com meu sentimento muito triste com o que está acontecendo com o meu pessoal. Nós fomos forçados por causa da omissão da Funai, nosso pessoal há quase 30 anos não tem onde morar, a turma lá dá pouca assistência pra nós. O estudo da nossa terra está muito lento, parece que eles passam muito tempo sem olhar para os papéis. Isso forçou a gente entrar na nossa terra tradicional, onde tivemos aqueles impasses.
Nós tivemos que enfrentar a justiça do homem branco, foram para nos prender, para nos tirar. Fomos obrigados a prender os oficiais, graças a Deus e às mulheres Krahô- Kanela que foram muito sábias naquela hora nada aconteceu. Hoje eu digo que naquela hora eu sentia que era melhor matar aqueles homens, mas as mulheres defenderam a vida deles. Naquele momento o nosso pensamento foi o de brigar, mas o nosso pensamento não é esse. Nós queremos nossa terra, a luta é pela terra.
Estamos esperando para que vocês (entidades) consigam a nossa terra. Eu cheguei aqui e estou muito alegre em escutar todo mundo falando estão aqui para ajudar na garantia do direito indígena, então peço a vocês que nos ajudem a chegar na nossa terra. Ajudem, porque a Funai não esta nós ajudando, é por causa da espera pela ajuda da Funai que o nosso pessoal esta há quase 30 anos sofrendo.
Nós não vamos continuar sofrendo mais. Se a Funai não resolver nós vamos resolver. Temos muitos documentos que vamos fazer chegar até o Fórum, e peço a vocês que nos ajudem.
Esse é o nosso pedido a todos”.