28/07/2004

A Democracia está correndo perigo

O resultado de pesquisa recentemente divulgada, dando conta que as populações de países da América Latina preferem ditaduras que resolvam o problema da fome e pobreza a democracias que não tem solução para isto, é um alerta de que a democracia corre grande perigo. As recentes experiências democráticas, depois de várias décadas de ditaduras militares, resultaram em “democracias de baixa intensidade” onde os cidadãos ainda não participam efetivamente da tomada de decisões que lhes afetam diretamente.


Estas reflexões, do pesquisador português Boaventura Souza dos Santos, da Universidade de Coimbra, abriram a conferência “Democratizar a Democracia”, no I Fórum Social das Américas que se realiza na cidade de Quito, Equador, desde a última segunda-feira.


O debate em torno das experiências democráticas no continente americano teve ainda a participação de Roberto Regalado, de Cuba, Aníbal Quijano, do Peru e Nina Polari, do Equador.


Segundo Boaventura, “estamos desaprendendo a democracia em que vivemos”. Para ele, a forma representativa já não satisfaz a necessidade das populações que, por estarem excluídas do processo decisório, não vêem o modelo como confiável. “Os parlamentares passam mais tempo deliberando sobre assuntos de pouca importância”, diz. A alternativa, aos limites da democracia formal, a fim de que as sociedades possam confiar novamente no processo democrático, está na superação de dois fundamentalismos: a dos partidos políticos que vêem com desconfiança o avanço dos movimentos sociais e dos movimentos sociais que vêem na articulação com outros partidos uma traição.


Para Roberto Regalado, o objetivo dos partidos de esquerda não deve ser o de exercer a democracia burguesa. “Os partidos devem acumular força política para transformar a sociedade”, disse. O pesquisador peruano Aníbal Quijano identificou no fracasso dos estados-nação uma das causas para o descrédito no modelo de democracia sobre a qual se assentam os países do continente americano. “Não teria sentido na América Latina de hoje um movimento indígena porque a sociedade não deixou de se colonizar”. Na história das lutas sociais contra a colonização, no passado, e o imperialismo, hoje, os povos indígenas tiveram grande destaque. Em 1993, o exército zapatista de libertação nacional, em Chiapas, no México, deu o passo inicial para as grandes marchas contra o neoliberalismo, sendo seguido depois por outros setores da sociedade, com ampla participação de povos e organizações indígenas do continente. 


Militarização – Outro tema de grande destaque no I Fórum Social das Américas foi à militarização.


Em conferência realizada na noite de ontem, a mexicana Ana Esther Caceña mostrou os pontos para onde convergem os interesses do governo e das grandes corporações estadunidenses. O mapa por ela traçado mostra que os países da América do Sul, com destaque para aqueles localizados em torno da região amazônica, são os principais alvos dos interesses imperialistas.


Para Ana Esther Caceña o governo dos Estados Unidos enfrenta dois grandes problemas: a crescente escassez de recursos naturais e a indisciplina das populações das nações onde o império americano tenta impor sua hegemonia seja por meio do poderio militar ou de governantes submissos a seus interesses.  Ela mostrou que, a pretexto de lutar contra o terrorismo, o governo dos EUA avança em regiões ricas em recursos naturais, como o aqüífero Guarani, localizado ao sul do Brasil, na fronteira com Uruguai e Paraguai, e na Amazônia, onde se encontra grande parte da biodiversidade do planeta.


Contra o avanço da militarização no continente já existe uma campanha em andamento que conseguiu vitórias expressivas no Brasil, Bolívia, Argentina e Colômbia. A brasileira Maísa Mendonça denunciou que os Estados Unidos não assinaram o tratado de armas biológicas e realizam testes em laboratórios.


Em uma oficina sobre os efeitos da militarização foi sugerida a criação de uma ampla rede nas três Américas contra a presença e ocupação militar.


Na conferência sobre “Desmilitarização e Propostas de Paz”, onde expuseram Ana Esther Caceña e Maísa Mendonça, o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, enfatizou que “o problema de um povo da América é problema de todos”. Somente tomando consciência e agindo sem temer o poderio militar os povos da América conseguirão rechaçar as iniciativas contrárias as suas formas de viver e seus interesses.


Equador, Quito, 28 de julho de 2004.

Fonte: J. Rosha/Cimi Norte 1
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