23/07/2004

Governo Lula – 18 meses: falta compromisso com os povos indígenas

O Cimi – Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul – tem acompanhado com muita preocupação as decisões relativas à política indigenista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste um ano e meio de governo.


O Cimi, como a maioria das entidades indigenistas, organizações indígenas e a imensa maioria da população brasileira, acolheu com entusiasmo, paciência, esperança e otimismo o governo do presidente Lula. Todos acreditávamos que novos caminhos poderiam ser trilhados na construção de um Brasil novo. Nós do Cimi Regional Sul entendemos que as mudanças seriam lentas, que não se dariam em um ano e meio de governo, em função das estruturas político-econômicas perversas cristalizadas há séculos em nosso país. Entendemos também que tais mudanças somente poderiam dar-se a partir de um processo de discussão, formulação e reflexão dentro do Governo Federal, garantindo a participação ampla da sociedade, das entidades, dos movimentos sociais, das Igrejas, dos partidos políticos, dos governos estaduais e municipais.


Nossa avaliação é de que o governo Lula não assumiu sua responsabilidade histórica e legítima de conclamar a sociedade brasileira para ajudá-lo a construir novos caminhos, tendo em vista a justiça social, a paz no campo, o pagamento de salários mais justos, a redução de impostos, a estruturação de programas de geração de emprego e de renda, a reforma agrária, a demarcação das terras indígenas e a formulação e estruturação de novas políticas públicas, dentre elas a indigenista. Pelo contrário, todos os indicativos, até o momento, apontam para uma mudança de rumo no governo e não na estrutura da nação brasileira. Não vemos o governo Lula como “um governo em disputa”. Se algum dia esteve, pelo que temos visto, já tomou a sua decisão. Apesar de não assumir publicamente sua posição, preferindo esconder-se atrás do demagógico e irealista slogan “Brasil: um país de todos” (sic), optou por aliar-se aos grupos econômicos e políticos que sempre estiveram na condução do país e que são, conseqüentemente, os responsáveis por grande parte dos problemas estruturais do Estado Brasileiro, a saber, a corrupção, a exclusão social, a concentração de renda e de terra, a violência no campo e na cidade e as impagáveis dívidas interna e externa que beiram um trilhão de dólares.


No que se refere aos povos indígenas, avaliamos que o governo do presidente Lula optou por evitar conflitos com militares, fazendeiros, arrozeiros, políticos, madeireiros, mineradores e empresas geradoras de energia elétrica. O governo do presidente Lula, no entender do Cimi Regional Sul,  rendeu-se às pressões e chantagens impostas por estes setores. Este governo, sabendo dos interesses econômicos e políticos que teria de enfrentar caso optasse por demarcar e proteger as terras e  estruturar uma política e um órgão indigenista capaz de executar ações realmente voltadas para a defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas, acovardou-se e preferiu trilhar o caminho mais fácil, caminho da omissão e da conivência com os setores antiindígenas.


Em conseqüência disso, o governo do presidente Lula agride diretamente os direitos indígenas adiando decisões relativas a procedimentos regularizatórios perfeitos e conclusos. Exemplos claros são os casos das Terras Indígenas  Guarani do Araça’í, Palmas e Morro dos Cavalos em Santa Catarina e da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima. Em função de sua inércia em relação às ações indigenistas, o Governo Federal transformou-se no principal fomentador de violências conta os povos indígenas, tais como,  invasões e redução das terras, como nos casos, respectivamente, dos Pareci e Enawene-Nawê no Mato Grosso e da Terra Baú no estado do Pará, típico favorecimento governamental às grandes empresas madeireiras devastadoras do meio ambiente, e de assassinatos e estupros, como nos casos ocorridos nos últimos dias, a morte do líder Kaingang Neves Kenes Farias e o estupro a uma criança Kaingang no Rio Grande do Sul e  os assassinatos de dois adolescentes Kaiowá na área indígena de Dourados no Mato Grosso do Sul.


No entender do Cimi Regional Sul, o Governo Federal é também o principal responsável pelas dezenas de ações judiciais movidas contra as demarcações de terras, como, entre outros casos, o da Terra Indígena Toldo Chimbangue II e La Klaño em Santa Catarina e, novamente, Raposa Serra do Sol em Roraima. Tais ações somente foram impetradas devido à excessiva morosidade da Funai, do Ministério da Justiça e da Presidência da República em resolver as referidas questões. Vale ressaltar que o Poder Judiciário, em conexão com o Poder Executivo, tem se manifestado, muito seguidamente, contra os Povos Indígenas beneficiando invasores e depredadores das suas terras.


Ao Cimi Regional Sul, é evidente a pré-disposição antiindígena do atual governo na relação estabelecida no âmbito do Poder Legislativo. Ali o governo abre espaços para a negociação das garantias constitucionais destes povos fazendo gestão sistemática junto a  sua bancada afim de que esta se mobilize e, de forma articulada, crie Comissões Parlamentares, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, e apresente propostas revisionistas aos direitos indígenas, invariavelmente contrárias aos mesmos, como foram os casos dos parlamentares governistas, o deputado Lindberg Farias (PT/RJ) e o senador Delcídio Amaral (PT/MS), que costuraram macabros relatórios sugerindo e justificando emendas à Constituição Brasileira que restringem seriamente os direitos dos povos indígenas. As ameaças aos artigos 231 e 232 da nossa Carta Magna nunca foram tão constantes e tão ruidosas como nos últimos meses.


No núcleo Poder Executivo, o governo do presidente Lula delegou aos setores militares o estudo de uma proposta de política indigenista para o país. Pode-se constatar isso com a criação de um Grupo de Trabalho, pelo Gabinete de Segurança Institucional, composto em sua grande maioria por órgãos historicamente contrários aos povos indígenas. Soma-se a isso, a continuidade do processo de sucateamento e intromissão no órgão indigenista oficial. A previsão orçamentária da Funai para o ano 2004 é menor que o orçado no governo passado para o período de 2003.


Finalmente, a pulverização das ações indigenistas e a falta de uma articulação entre os diferentes ministérios que prestam serviços às comunidades indígenas revelam as intenções do governo em não fazer cumprir os direitos indígenas para evitar conflitos e “desgastes políticos”.


O Cimi Regional Sul, ao concluir este balanço, quer lembrar o Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que Vossa Excelência e seus ministros serão julgados por seus atos, omissões e falta de respeito aos compromissos assumidos. O que se esperava desse governo era a busca de mais justiça social, construída aos poucos, mas com passos decididos. O retrocesso e a traição dessa esperança será cobrada, com força e coragem, pelos brasileiros que confiaram em propostas e promessas tratadas hoje pelo governo como página virada na história. Parece-nos ver aquele que pediu-nos para esquecermos tudo o que havia escrito, naquele que, por suas opções, nos faz esquecer tudo o que sempre falou.


Chapecó-SC, 22 de julho de 2004.


Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul


 

Fonte: Cimi - Regional Sul
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