HISTÓRIAS DE RESISTÊNCIA
Povo XETÁ
“Todo mundo quer viver, não é só índio não é só branco. O Brasil é grande”
Um dos oito sobreviventes do povo Xetá e seu filho participaram do encontro em busca de apoio para a reconquista de seu território tradicional. José Luciano da Silva e Claudemir da Silva esperam poder voltar a morar em sua terra tradicional, “a gente veio daquela lonjura para lutar por terra também. Nós não viemos aqui a passeio, viemos para pedir ajuda de todos os parentes para dar uma força para nós termos a nossa terra de volta, porque todo mundo tem direito”, pediram.
Cerca de 50 anos depois de terem sido massacrados e quase dizimados, os oito sobreviventes do povo Xetá lutam pela reconquista do seu território tradicional, Serra de Dourados, no noroeste do Paraná. Conta a história que a população dos Xetá era cerca de 250 pessoas, no entanto, segundo a memória dos sobreviventes, eles eram um grupo de aproximadamente 600 pessoas que ocupavam um território vasto, antes da cobiça das frentes cafeeira e agropecuária e das companhias de colonização e imigração. ” Começamos a correr e chegou uma hora que a gente não podia mais, então a turma (os brancos) foi acabando com a nossa mata e pegando os índios, foi matando nosso povo acabando com a gente. O restinho que foi sobrando foi extraviando tudo, e sobraram só 8″, relatou José Luciano da Silva, Tikueim , de 57 anos, um dos sobreviventes do massacre.
Tikueim foi pego pelos fazendeiros com sete anos de idade, e é um dos três que ainda falam a língua Xetá. “Eu custei para falar a língua dos brancos e a primeira vez que fui comer comida deles eu não consegui” . Hoje, ele mora com sua esposa, 13 filhos e netos em São Jerônimo da Serra, nas terras dos Kaingang. Segundo ele, hoje os Xetá são cerca de 250 pessoas que estão espalhadas por São Paulo e Paraná.
A antropóloga Carmem Lúcia da Silva, que estudou o grupo, promoveu, em 1997, o reencontro dos Xetá. O Encontro Xetá: Sobreviventes do Extermínio, foi realizado em Curitiba e reuniram todos os sobreviventes e descendentes do grupo, onde alguns dos familiares se conheceram e conversaram sobre perspectivas de futuro. “Eu sabia que tinha outros parentes, mas não sabia se estavam vivos ou mortos. A Carmem correu atrás e descobriu até a índia que mora em São Paulo”, lembrou Tikuein.
Em 1999, a Funai e o governo do estado do Paraná constituíram um grupo técnico para realizar estudos, levantamentos de identificação e delimitação da terra, sendo a primeira vez que um governador assina uma portaria para esta finalidade. “O governador Jaime Lerner assinou na época, agora a gente espera que o Requião, atual governador, assine, ele assinando a gente leva para o Lula; assim que ele assinar, fim de papo, só resta alegria para nós e vamos seguir nossa cultura para não deixar acabar nossa tradição “, espera Claudemir da Silva de 25 anos, filho de Tikueim.
Itakó Xetá, nome indígena que Claudemir faz questão de usar, sonha com o dia em que todos estarão em suas terras para plantar e viver juntos sua cultura. “O que a gente pede é a terra para a gente plantar e alimentar nossos filhos e netos”. Tikueim lembra do território, que, segundo ele, tinha muita mata e agora só toco de peroba. “Ali era tudo nosso, Campo Mourão, Cruzeiro do Oeste. De Maringá para lá ,era tudo nosso, nós andávamos por ali tudo para caçar e comer”.
Povo Koiupanká
“Somos os primeiros habitantes do Brasil e temos que plantar feijão e milho em metade com os fazendeiros e até mesmo arrendar a terra que é nossa”
Cerca de 150 famílias lutam para voltar a viver em seu território tradicional, em Inhapi, sertão de Alagoas. “Em 1883, meu bisavó, Anselmo Pankararu, deixou seu povo e veio para cá, aqui constituiu uma família, o Povo Koiupanká (Comunidade Indígena União Pankararu)”, lembrou José João, conhecido como Cacique Zezinho.
Segundo ele, cerca de 30 pessoas vivem em uma pequena área que faz parte do território, o restante vive na cidade nas casas que eram de seu bisavó. “Os brancos chegaram e construíram a cidade, eles continuam lá e não vão sair”.
O cacique lembra as muitas vezes que deixaram de fazer seus rituais com medo, “fazíamos escondido, tínhamos medo. Fomos massacrados, discriminados e perseguidos”. Para ele, a dança é o principal ritual do povo, “eu danço com fé, tenho fé no que estou fazendo. Tivemos que guardar embaixo dos panos, mas este pequeno grupo que guardou está servindo para ensinar os outros”.
Motivados pela luta de outros povos, como os Kalankó e Genipapo-Kanindé, com quem mantinham contato freqüente, os Koiupanká intensificaram a luta pelos seus direitos em 2001. “A união e a organização é o que resolve tudo, a convivência com eles foi nos fortalecendo”, ressaltou Zezinho.
Desde setembro de 2002, o povo aguarda a criação do GT para estudo da área. “Está sendo adiado sempre e, a cada dia, fica mais difícil nossa sobrevivência. Somos os primeiros habitantes do Brasil e temos que plantar feijão e milho em metade com os fazendeiros e até mesmo arrendar a terra que é nossa”.
Os Koiupanká lutam pela regularização e oficialização de sua terra para que possam ter uma escola diferenciada, “nossas crianças têm que aprender nossas tradições e o seu significado, para isto precisamos ter educação diferenciada”, disse o cacique.
Para ele, o encontro foi muito importante pela troca de experiências e pela socialização das dificuldades e lutas. Ele acredita que este foi um passo significativo para o avanço das conquistas de todos os povos que participaram. “Através deste encontro vamos alcançar um grande objetivo e vamos conseguir com apoio das entidades”, concluiu.
Povo Munduruku
Localizados no Baixo Tapajós, cerca de 700 Munduruku vivem na área de conservação nacional do Tapajós. Fortemente pressionados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis -Ibama-, por não poderem caçar e plantar, seguiam as regras impostas pelo órgão. Mas a partir de 1998 os resistentes Munduruku deram seu grito de liberdade. “Com a morte de meu pai, o pajé do povo, fomos à luta, a gente resolveu lutar pelo nosso reconhecimento”, comentou o cacique, Assis Munduruku.
O povo vivia disperso e escondido com vergonha e medo da discriminação e do preconceito. “Nós sabíamos que éramos índios, mais tínhamos medo de dizer e assumir”.
Segundo o cacique, depois que começaram a participar de encontros e debates como este, é que tiveram coragem e ânimo para enfrentar a luta. Na região, os Munduruku resistentes se dividem em três aldeias, Taquara, Bragança e Marituba.
A aldeia Taquara foi a protagonista na história de luta do povo, sendo a primeira “a comprar a briga”. “Nós começamos e depois fomos ganhando força junto com as outras aldeias”, disse.
A situação atual dos MunduruKu é bem parecida com a dos dois povos anteriores. Vivem em uma terra que não é demarcada e nem homologada, plantam quando podem e não têm acesso à saúde e a educação diferenciada, mas o cacique analisa este quadro com muito otimismo. “Já melhorou muito, hoje temos acesso a todas as áreas do nosso território para caçar. Podemos plantar sem a interferência do Ibama, isto foi conquistado por nós, pela nossa resistência”.
Quanto às reivindicações, Assis afirma que a regularização fundiária da terra é o primeiro passo. “Depois desta conquista vamos brigar para termos saúde, educação e tudo o que os índios têm direito”, concluiu.