Informe n.º 619
LANÇADO O FÓRUM EM DEFESA DOS DIREITOS INDÍGENAS
Lançado ontem (23), o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas será um espaço de discussão e análise da atuação do estado brasileiro na garantia dos direitos dos povos indígenas. Preocupadas com o retrocesso nas ações dos três poderes acerca dos povos indígenas e no respeito dos seus direitos garantidos pela Constituição Federal de 88 e amparados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, entidades indigenistas e organizações indígenas acreditam na união de forças para enfrentar o momento atual de omissão do governo e de constante ataque das forças antiindígenas.
Durante o lançamento foi unânime entre os participantes a importância da criação do Fórum. A expectativa de Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental, é de que este espaço se nutra das mobilizações feitas durante a Constituinte, quando a união de forças foi de suma importância para as conquistas naquela época.
O presidente da Comissão Pastoral da Terra, Dom Tomás Balduíno, acredita que a contribuição desse Fórum de discussões não servirá apenas para os povos indígenas, mas para o Brasil “que até hoje se sente mutilado na sua constituição, principalmente no que se refere aos povos indígenas”.
Dom Luciano Mendes, que falou em nome do Cimi, disse que a criação do Fórum representa um marco na luta do movimento indígena, pois “trata-se de uma ação constante e não transitória”. Contudo, Dom Luciano ressaltou que “depende de todos nós, militantes da causa indígena, que está iniciativa permaneça”.
Neste primeiro momento o Fórum trabalhará com algumas questões, consideradas emergenciais – terra, saúde e mineração em terra indígena. Inicialmente, a secretaria ficará a cargo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que já marcou, para hoje, uma reunião de planejamento das ações.
Segundo Jecinaldo Saterê Mawé, coordenador da Coiab, o objetivo inicial é fazer um dossiê abordando essas questões focando: a atual situação do atendimento à saúde indígena depois das mudanças ocorridas na Funasa; a urgente homologação da terra Raposa Serra do Sol e a verdadeira situação dos povos daquela terra; e sobre a mineração em terra indígena, principalmente na reserva Roosevelt, do povo Cinta Larga. “O dossiê servirá para que a sociedade conheça a realidade e os problemas que estamos enfrentando”, disse.
O Fórum será um espaço de socialização dos problemas, de análise das situações atuais e de pressão para a construção efetiva da política indigenista. “Vamos trabalhar para fazer o governo direcionar para a construção da política indigenista participativa, com a presença das comunidades indígenas e entidades indigenistas”, afirmou Jecinaldo.
A 6ª Câmara do Ministério Público Federal fará um acompanhamento de todos os projetos no âmbito do legislativo e do executivo para manter o Fórum constantemente informado.
Para Deborah Duprat, subprocuradora-geral da República e coordenadora da 6ª Câmara, o Fórum é de fundamental importância para assegurar que os índios tenham o protagonismo em relação a todas as posições do Estado assumidas com relação a eles. Deborah afirma que este espaço servirá para que os índios possam ter um lugar de discussão para enfrentar as políticas negativas que vêm sendo desenvolvidas pelo Estado, em desconformidade com a Convenção 169 e a Constituição, onde os índios sequer são ouvidos. “Seus pleitos (dos índios) não são reconhecidos como válidos. Esse fórum é exatamente o espaço para os índios recuperarem para si o papel que a Constituição e Convenção 169 lhes destina, o de efetivamente dizerem o que querem e obrigar o Estado a atuar na medida daquilo que é a pretensão deles”, afirma a subprocuradora-geral.
O lançamento contou também com a participação do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que usou de simbologia para definir o Fórum. “Enquanto o pássaro tiver asas ele tem que voar. E esse é um espaço para que as nossas asas não caiam do nosso corpo, é um espaço de perpetualidade”.
PRIMEIRA DENÚNCIA AO FÓRUM
Depois de deixar a terra tradicional Mata Alagada, localizada no município de Lagoa da Confusão, cerca de 300 quilômetros de Palmas, Tocantins, retomada no último dia 10, o povo Krahô-Kanela, volta à estaca zero. A situação desse povo foi a primeira denúncia feita ao Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas.
A Justiça Federal, dia 16, expediu liminar de reintegração de posse contra o povo, depois que o juiz, de Cristalândia, transferiu a competência à instância federal. Um acordo firmado pela Funai, de agilizar o processo de regularização do território Mata Alagada e de providenciar, até que seja concluído o processo, um local onde eles possam ficar com dignidade e assistência, fez com que os Krahô-Kanela deixassem a área.
Em Brasília, a situação desse povo foi relatada pelo cacique Mariano, que pediu apoio ao Fórum. As andanças e a falta de respeito a eles foram expostas pela liderança que afirmou apenas querer a terra que lhes foi tirada há mais de 20 anos e explicou o que motivou o povo a retomar a área. “Nós fomos forçados por causa da omissão da Funai, nosso pessoal há mais de 20 anos não tem onde morar, a turma lá (da Funai) dá pouca assistência pra nós. O estudo da nossa terra está muito lento, parece que eles passam muito tempo sem olhar para os papeis. Isso forçou a gente a entrar na nossa terra tradicional”.
Os momentos de tensão que viveram nos dias que estiveram na área, quando fizeram reféns dois oficiais de Justiça, foram esclarecidos pelo cacique, que garantiu, não ter intenção alguma de brigar ou de machucar alguém. “Só queremos a nossa terra, a luta é pela nossa terra”.
Vivendo de um lado para o outro e fartos da omissão do Governo frente a situação em que vivem, a decisão da retomada foi considerada, pelos índios, a única alternativa para ter a terra de volta. Mariano pediu ajuda às entidades presentes, pois credita que o órgão do governo pouco fará por eles. “Peço a vocês que nos ajudem a chegar na nossa terra. Ajudem porque a Funai não está ajudando. É por causa da espera, pela ajuda da Funai que o nosso pessoal está sofrendo há mais de 20 anos. Nós não vamos continuar sofrendo mais não. Se a Funai não resolver, nós vamos resolver”, concluiu.
Brasília, 24 de junho de 2004.
Cimi – Conselho Indigenista Missionário