Portaria MJ n.° 14, de 9 de janeiro de 1996
Estabelece regras sobre a elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e delimitação de Terras Indígenas a que se refere o parágrafo 6.° do art. 2.°, do Decreto n.° 1.775, de 8 de janeiro de 1996.
O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições e tendo em vista o disposto no Decreto n.° 1.775, de 8 de janeiro de 1996, objetivando a regulamentação do Relatório previsto no § 6.° do art. 1.° do referido decreto;
CONSIDERANDO que o decreto homologatório do Sr. Presidente da República, previsto no art. 5.° do Decreto n.° 1.775, tem o efeito declaratório do domínio da União sobre a área demarcanda e, após o seu registro no ofício imobiliário competente, tem o efeito desconstitutivo do domínio privado eventualmente incidente sobre a dita área ( art. 231, 6 da CF);
CONSIDERANDO que o referido decreto baseia-se em Exposição de Motivos do Ministro de Estado da Justiça e que esta decorre de decisão embasada no relatório circunstanciado de identificação e delimitação, previsto no parágrafo 6.° do art. 2.°, do Decreto n.° 1.775, de 8 de janeiro de 1996;
CONSIDERANDO que o referido relatório, para propiciar um regular processo demarcatório, deve precisar, com clareza e nitidez, as quatro situações previstas no parágrafo 1.° do art. 231 da Constituição, que consubstanciam, em conjunto e sem exclusão, o conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, a saber: (a) as áreas “por eles habitadas em caráter permanente”, (b) as áreas “utilizadas para suas atividades produtivas”, (c) as áreas “imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar”, e (d) as áreas ” necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”;
RESOLVE:
Art. 1.° O relatório circunstanciado de identificação e delimitação a que se refere o § 6.° do art. 2.° do Decreto n.° 1.775, de 8 de janeiro de 1996, devidamente fundamentado em elementos objetivos, abrangerá, necessariamente, além de outros elementos considerados relevantes pelo Grupo Técnico, dados gerais e específicos organizados da forma seguinte:
I – PRIMEIRA PARTE.
Dados gerais:
a) informações gerais sobre o(s) grupo(s) indígena(s) envolvido(s), tais como filiação cultural e lingüística, eventuais migrações, censo demográfico, distribuição espacial da população e identificação dos critérios determinantes desta distribuição;
b) pesquisa sobre o histórico de ocupação da terra indígena de acordo com a memória do grupo étnico envolvido;
c) identificação das práticas de secessão eventualmente praticadas pelo grupo e dos respectivos critérios causais, temporais e espaciais.
II – SEGUNDA PARTE:
Habitação permanente:
a) descrição da distribuição da(s) aldeia(s), com respectiva população e localização;
b) explicitação dos critérios do grupo para localização, construção e permanência da(s) aldeia(s), a área por ela(s) ocupada(s) e o tempo em que se encontra(m) na atual(ais) localização(ções);
III – TERCEIRA PARTE.
Atividades produtivas:
a) descrição das atividades produtivas desenvolvidas pelo grupo com a identificação, localização e dimensão das áreas utilizadas para esse fim;
b) descrição das características da economia desenvolvida pelo(s) grupo(s) , das alterações eventualmente ocorridas na economia tradicional a partir do contato com a sociedade envolvente e do modo como se processaram tais alterações;
c) descrição das relações sócio-econômico-culturais com os outros grupos indígenas e com a sociedade envolvente;
IV – QUARTA PARTE.
Meio Ambiente:
a) identificação e descrição das áreas imprescindíveis à preservação dos recursos necessários ao bem estar econômico e cultural do grupo indígena;
b) explicitação das razões pelas quais tais áreas são imprescindíveis e necessárias;
V – QUINTA PARTE.
Reprodução Física e Cultural:
a) dados sobre as taxas de natalidade e mortalidade do grupo nos últimos anos, com indicação das causas, na hipótese de identificação de fatores de equilíbrio de tais taxas, e projeção relativa ao crescimento populacional do grupo;
b) descrição dos aspectos cosmológicos do grupo, das áreas de usos rituais, cemitérios, lugares sagrados, sítios arqueológicos, etc. explicitando a relação de tais áreas com a situação atual e como se objetiva essa relação no caso concreto;
c) identificação e descrição das áreas necessárias à reprodução física e cultural do grupo indígena, explicitando as razões pelas quais são elas necessárias ao referido fim;
VI – SEXTA PARTE.
Levantamento Fundiário:
a) Identificação e censo de eventuais ocupantes não índios;
b) descrição da(s) área(s) por ele(s) ocupada(s), com a respectiva extensão, a(s) data(s) dessa(s) ocupação(ções) e a descrição da(s) benfeitoria(s) realizada(s);
c) informações sobre a natureza dessa ocupação, com a identificação dos títulos de posse e/ou de domínio eventualmente existentes, descrevendo sua qualificação e origem;
d) informações, na hipótese de algum ocupante dispor de documento oriundo de órgão público, sobre a forma e fundamentos relativos à expedição do documento que deverão ser obtidas junto ao órgão expedidor.
VII – SÉTIMA PARTE.
Conclusão e delimitação, contendo a proposta de limites da área demarcanda.
Art. 2.° No atendimento da Segunda à Quinta parte do artigo anterior dever-se-á contar com a participação do grupo indígena envolvido, registrando-se a respectiva manifestação e as razões e fundamentos do acolhimento ou rejeição, total ou parcial, pelo Grupo Técnico, do conteúdo da referida manifestação.
Art. 3.° A proposta de delimitação far-se-á acompanhar de carta topográfica, onde deverão estar identificados os dados referentes a vias de acesso terrestres, fluviais e aéreas eventualmente existentes, pontos de apoio cartográfico e logísticos e identificação de detalhes mencionados nos ítens do artigo 1.° .
Art. 4.° O órgão federal de assistência ao índio fixará, mediante portaria de seu titular, a sistemática a ser adotada pelo grupo técnico referido no § 1.° do art. 2.° do Decreto n.° 1.775, de 8 de janeiro de 1996 relativa à demarcação física e à regularização das terras indígenas.
Art. 5.° Aos relatórios de identificação e delimitação de terras indígenas referidos no § 6.° do art, 2.° do Decreto n° 1.775, de 8 de janeiro de 1996, encaminhados ao titular do órgão federal de assistência ao índio antes da publicação deste, não se aplica o disposto nesta Portaria.
Art. 6.° Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação.
Nelson A. Jobim
(Of. n.° 7/96)