21/06/2004

Entrevista: Dom Tomás Balduíno

DOM TOMÁS BALDUÍNO


“Ninguém consegue terra indígena neste país dando tapinha nas costas dos latifundiários”




https://cimi.org.br/airasol/acamp/acampamento17.jpg



Cristiano Navarro
Editor Porantim



Dom Tomás Balduíno, ex-presidente do Conselho Indigenista Missionário e atual presidente da Comissão Pastoral da Terra, aguarda atento e ansioso o momento em que o presidente Lula assinará a homologação em área contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol. Para a festa da homologação Balduíno “iria com prazer, e levaria rojão para soltar”.


Enquanto isso não acontece, Dom Tomás foi ao acampamento “Terra Livre” para chamar a atenção da sociedade e manifestar seu apoio incondicional à homologação em área contínua.


O senhor vê a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol em área contínua como um ponto decisivo para definir a opção política do governo federal com relação às causas dos movimentos sociais?


Paradigmático. É preciso ter uma espécie de modelo de política indigenista que respeite aquilo que é constitucional. O direito que os povos conquistaram aqui no Congresso, na Constituição de 88, é muito importante e garante a demarcação das terras. Na mesma Constituição os lavradores perderam os seus direitos sobre a reforma agrária. Então, em cima destes direitos constitucionais, é que os índios estão reclamando. Por isso, é que o governo deve decidir por fundamentar e sedimentar sua decisão pela homologação em área contínua.


Por que a homologação da Raposa Serra do Sol é tão emblemática para os movimentos sociais?


Emblemática por que é uma luta popular que já vem de muito tempo, 30 anos, e hoje trata-se de um ponto de referência de todos os povos indígenas. Neste acampamento, nós temos 20 povos indígenas que estão aqui pelos cinco povos indígenas da “Raposa”. Então, a história de luta e reunião confirma a importância da homologação.


O senhor acredita que o caminho é a pressão?


Certamente. Ninguém consegue terra indígena neste país dando tapinha nas costas dos latifundiários, dizendo “oh, querido amigo, tenha bondade de sair da terra, que não é sua”. Só a pressão social é que dá resultado.


O que o senhor acha do discurso nacionalista que coloca o índio, principalmente o que vive nas faixas de fronteiras, como um risco para a segurança nacional?


Nunca os índios impediram as estruturas governamentais. Eu considero este um argumento hipócrita de quem quer tomar mais terra dos índios. Primeiro, o modelo de desenvolvimento empurrou os índios para a fronteira, depois quer tomar as terras dos índios nas fronteiras dizendo que eles não são confiáveis. Então eu pergunto para onde vão os índios? Vão para a lua? Eles foram expulsos do território nacional e agora querem retirá-los de onde estão.


O deputado Jair Bolsonaro (deputado carioca pelo Partido Trabalhista Brasileiro, ex-militar) disse, durante uma reunião da comissão que analisa a homologação da Raposa Serra do Sol, que os índios são “fedorentos e mal educados”. O senhor acredita que isso acontece porque são criadas as condições sociais para que possa vir à tona o antiindigenismo no Brasil?


O racismo é uma espécie de negação do direito de existência do ser humano. Dessa forma é um escândalo escarnecer destes povos, o que aliás é contra a Constituição. É crime. E esse deputado incorre nesse crime se colocando contra a legislação. Eu acho que quem fala assim, não pode ser considerado um representante do povo, mas sim indigno da posição que ocupa.


O senhor se recorda da vez em que esteve na aldeia Surumu (dentro da Raposa Serra do Sol), quando foi reprimido pela polícia?


A notícia que os jornais deram foi esta. De fato houve uma pretensão da tropa de choque e da Polícia Federal que afirmava que só aconteceria a assembléia se eu saísse da área. E eu disse aos policiais que chegaram à aldeia, “olha companheiro, eu sou um cidadão comportado. Eu conheço a legislação que me garante a presença do missionário em área missionária, mas como sou um cidadão comportado eu saio daqui de mãos algemadas” (oferecendo os pulsos e dando risada). Aí o policial não quis, pois a imprensa estava toda lá. Depois disso a assembléia terminou, mas só aparentemente, pois nunca o povo foi tão ativo em assembléia como daquela vez. Durante a noite toda, depois que os policiais foram dormir, eles debateram. Eu estava ali acompanhando tudo e não entendia nada do que se falava na língua Macuxi. A única palavra que eu entendia era a palavra problema. Que é uma palavra importada. Ou então introduzida na realidade deles.


Agora, 27 anos depois, os problemas ainda são muito semelhantes…


Os problemas são da mesma importação.


Sendo convidado para a festa de homologação, o senhor iria para Roraima?


Eu iria com prazer, e levaria rojão para soltar.

Fonte: cimi
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