Comprovação de Condição Jurídica de Índio e Denominação, por Paulo Machado Guimarães
A equipe do Cimi de Rubiataba, consulta sobre quais providências podem ser adotadas no sentido de:
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viabilizar a inclusão do nome Tapuia, no registro civil de nascimento dos membros da comunidade indígena Tapuia;
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conseguir que a Funasa atenda aos índios Tapuia.
A primeira questão, referente à inclusão do nome Tapuia, no registro civil de nascimento, dos membros da comunidade indígena Tapuia contém tratamento normativo no art. 231 da CF, na Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio e na Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os Registros Públicos e dá outras providências.
O caput do art. 231 da Constituição Federal estabelece que:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”
De acordo com o art. 12 da Lei n.º 6.001/73:
“Os nascimentos e óbitos, e os casamentos civis dos índios não-integrados; serão registrados de acordo com a legislação comum, atendidas as peculiaridades de sua condição quanto à qualificação do nome, prenome e filiação”.
Nos termos do art. 13 da Lei n.º 6.001/73:
“Haverá livros próprios, no órgão competente de assistência, para o registro administrativo de nascimento e óbitos dos índios, … e dos casamentos contraídos segundo os costumes tribais.
Parágrafo único – O registro administrativo constituirá, quando couber, documento hábil para proceder ao registro civil do ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova”
Cumpre observar, porém, que a referência consignada neste dispositivo legal quanto aos índios “não-integrados”, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, na medida em que eliminou da perspectiva de relacionamento do Estado com os Povos Indígenas, a determinação para que seus membros sejam incorporados à comunhão nacional. Por vigorar a perspectiva do respeito à diversidade étnica e cultural, todos os dispositivos infra-constitucionais que tenham como referência a integração e a incorporação, restaram derrogados, como ocorreu com o disposto nos arts. 4º, 7º, 8º, 9º, 10 e 11, além de todas as referências à classificação dos índios como isolados, em vias de integração e integrados.
Por sua vez, a Lei nº 6.015/73 admite, em seu art. 57, a possibilidade de alteração do registro civil de nascimento, nos seguintes termos:
“Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa”.
Além dessa possibilidade legal, o art. 56 da Lei dos Registros Públicos prevê a possibilidade de que:
“O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa”.
Considerando, portanto o disposto no art. 12 do Estatuto do Índio, com a observação quanto à derrogação da expressão “não-integrados” e a possibilidade prevista nos arts. 56 e 57 da Leinº 6.015/73 e tendo presente a legitimação processual dos índios e de suas comunidades, desde a vigência do art. 37 da Lei n.º 6001/73, derrogado pelo disposto no art. 232 da CF, cujo conteúdo normativo afigura-se mais avançado e adequado, cada um dos membros da Comunidade Indígena Tapuia, como a própria Comunidade Indígena Tapuia, podem requerer, por intermédio de um advogado, ao Juiz de Direito da Comarca onde o registro civil de seus nascimentos foi feito, que determine a alteração dos seus registros, para que neles se consignem os nomes, prenomes e filiação, atendendo-se as peculiaridades de sua condição de membros de um grupo étnica e culturalmente distinto dos demais membros de comunidades indígenas e da sociedade nacional.
Outra providência cabível, consiste na aplicação do disposto no art. 13 do Estatuto do Índio, em especial seu parágrafo único, por intermédio do qual a Funai emitiria certidões administrativas do nascimento, de óbito e de casamento dos índios Tapuia, sendo, na ausência do registro civil, meio subsidiário de prova.
Ressalte-se que essa providência administrativa repercutiria positivamente em eventual demanda judicial, conforme analisado anteriormente, para efeito de alteração da denominação dos índios Tapuia.
Considerando ainda, o disposto no caput do art. 231 da CF e o disposto no art. 12 do Estatuto do Índio o correto é que os registros civis, como nas identificações civis feitas pelas Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal, seja consignado o Povo Indígena, a comunidade da qual a pessoa faz parte, identificando-se a terra tradicionalmente ocupada por esta comunidade indígena, com a indicação do ou dos Municípios onde se localiza.
Dessa forma, sempre que for necessário, restará comprovado que se trata de um cidadão indígena, porque membro de uma comunidade e de um povo indígenas, habitante de uma terra indígena.
Quanto à segunda questão, consistente em fazer com que a Funasa atenda aos membros da Comunidade Indígena Tapuia, algumas providências podem ser adotadas:
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representar ao Ministério Público Federal, para que instaure Inquérito Civil Público, buscando firmar um Termo de Ajustamento de Conduta com a Funasa e a Funai, para superar o problema;
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Obter do Chefe de Posto ou do Administrador Regional da Funai, certidão consignando os membros da comunidade indígena Tapuia, remetendo-a à Funasa, tendo em vista que a Funai tem legitimidade, nos termo do art. 13 da Lei n.º 6.001/73, para registrar em livros próprios, o registro administrativo de nascimento, óbitos dos índios e dos casamentos contraídos segundo seus costumes;
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Caso a Funasa mantenha-se, por seus agentes públicos recalcitrante ou mesmo omitindo-se no atendimento à saúde, caberá representação pela prática de ato de improbidade administrativa, sem prejuízo das responsabilidades civis e criminais.
Brasília, 4 de junho de 2004.
Paulo Machado Guimarães
Advogado inscrito na OAB – DF sob n.º 5.358
Assessor Jurídico do
Conselho Indigenista Missionário – Cimi