20/06/2004

Exploração Mineral em Terras Indígenas – PL 1610-A, de 1996, por Paulo Machado Guimarães

Proposição inconstitucional e lesiva aos direitos e interesses dos Povos Indígenas

O PL 1610-A, de 1996, dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os artigos 176, § 1º e 231, § 3º da Constituição Federal.

Em síntese, o Projeto em questão, na redação aprovada pelo Senado Federal sugere que:

1. a autorização para pesquisa e a concessão para a lavra mineral em terra indígena seja feita apenas por empresa brasileira constituída nos termos da CF e a garimpagem somente será permitida aos índios;

2. o Poder Executivo declare a disponibilidade de áreas em terras indígenas para requerimento de autorização de pesquisa e concessão de lavra, mediante edital que estabelecerá os requisitos a serem atendidos pelos requerentes;

3. o edital seja elaborado pelos órgãos federais de gestão dos recursos minerais (DNPM) e de assistência aos índios (FUNAI), com base em parecer técnico conjunto caracterizando a área como apta à mineração e apoiado em laudo antropológico específico e contenha memorial descritivo da área, critérios para habilitação à prioridade, condições técnicas, econômicas, sociais, ambientais e financeiras, bem como outras condições relativas à proteção dos direitos e interesses da comunidade indígena afetada;

4. as condições financeiras incluam o pagamento às comunidades indígenas de: renda por ocupação do solo; e participação nos resultados da lavra, em percentual não inferior a 2% do faturamento bruto resultante da comercialização do produto mineral. A receita proveniente da participação dos índios no resultado da lavra seria aplicada em benefício direto e exclusivo de toda a comunidade indígena afetada, segundo plano de aplicação previamente definido;

5. a audiência da comunidade indígena envolvida seja feita pelo órgão federal de assistência aos índios (FUNAI), com a possibilidade de participação da empresa declarada prioritária – art. 10;

6. eventuais impasses que surjam quando da negociação do contrato a ser firmado entre a empresa e a comunidade sejam resolvidos por arbitragem;

7. concluído o procedimento administrativo, o Poder Executivo remeteria o processo ao Congresso Nacional para que autorize, através de Decreto Legislativo a efetivação dos trabalhos de pesquisa, ficando à cargo do DNPM a outorga do alvará de pesquisa – arts. 11 e 12;

8. concluída a pesquisa, o titular da autorização poderá requerer a concessão de lavra, instruindo o pedido com contrato firmado entre a empresa mineradora e a comunidade indígena afetada, com a assistência do órgão indigenista federal, no qual fiquem estabelecidas todas as condições para o exercício da lavra e pagamento da participação dos índios nos resultados da lavra – art. 13;

9. a outorga dos direitos para a execução da lavra, expedida pela autoridade competente, com estrita observância dos termos e condições da autorização do Congresso Nacional e das demais exigências desta Lei e da legislação mineral, ambiental e de proteção aos índios – art. 14;

10. o Ministério Público acompanhe todos os procedimentos previstos nesta lei – art. 15;

11. a União faça um levantamento geológico básico – art. 16;

12. seja assegurada a análise, pelo DNPM, para efeito de declaração de prioridade, dos requerimentos apresentados antes da vigência da CF/88 – art. 18 e 19. A esses requerimentos, considerados prioritários, o § 1º do art. 19 estabelece que "poderão pleitear a concessão de pesquisa e a autorização de lavra sem submeter-se aos procedimentos de disponibilidade previstos nos arts. 4º, 5º e 9º". Ainda nesses casos, o § 4º do art. 19 prevê que os requerimentos prioritários poderão ser sobrestados caso a atividade mineral seja considerada prejudicial à comunidade indígena afetada, em laudo antropológico ou em RIMA. Da mesma forma o Congresso Nacional poderá, nesses casos não autorizar a mineração na área correspondente ao requerimento da empresa declarada prioritária e determinar que o DNPM indefira o pedido.

A Constituição prevê no § 1º do art.176, que a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

A autorização para a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas é, nos termos do art.49-XVI da CF, de competência exclusiva do Congresso Nacional, a quem cabe, pelo disposto no § 3º do art.231 da CF, ouvir as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

Considerando estes parâmetros constitucionais, o PL 1610-A/96 incorre em flagrante inconstitucionalidade, na medida em que: restringe, no seu art.3º a exploração mineral às empresas brasileiras, quando o texto constitucional assegura esta possibilidade aos brasileiros, enquanto pessoas naturais; prevê, no seu art. 10, que o órgão indigenista federal ouvirá as comunidades indígenas afetadas, retirando esta atribuição do Congresso Nacional; não dispõe sobre as condições específicas para realização de pesquisa e lavra em terras indígenas, conforme exigência constante no § 1º do art.176 da CF, tratando-se de efetiva reserva legal.

A concepção do projeto consiste em definir, administrativamente todas as questões relativas a exploração mineral em terras indígenas, para apenas submeter sua decisão à autorização do Congresso Nacional.

Atente-se que é o Poder Executivo quem: declara a disponibilidade de determinada área em terra indígena para sua exploração; escolhe a empresa que irá ter direito a preferência para a pesquisa e lavra, através de escolha; ouve as comunidades indígenas; fixa as condições específicas para a atividade minerária em terra indígena.

Na realidade, o texto constitucional conformou um tratamento especial em relação a exploração mineral em terras indígenas, deslocando o poder autorizativo do Poder Executivo para o Poder Legislativo, exatamente por entender que as graves repercussões e os fortes interesses econômicos sobre esta matéria exigem uma aferição mais detalhada e pública, que somente pode ser feita pelo Congresso Nacional, a quem se atribuiu competência exclusiva, impedindo, nos termos do § 1º do art.68 que seja objeto de delegação.

O correto tratamento desta matéria, em respeito ao disciplinamento constitucional seria:

1. a definição inicial pelo Congresso Nacional quanto ao interesse nacional na exploração de determinado minério encontrado em uma terra tradicionalmente ocupada por índios;

2. audiência da comunidade ou das comunidades indígenas envolvidas, pelo Congresso Nacional;

3. análise, através de Comissão Mista, quanto à conveniência e oportunidade para a autorização, considerando as especificidades étnicas e culturais do grupo indígena envolvido e a efetiva necessidade para o país na exploração mineral em questão;

4. definição de condições específicas peculiares à comunidade indígena envolvida;

5. deliberação, caso a caso, pelo plenário do Congresso Nacional.

Superada estas fases, o Poder Executivo poderia proceder a escolha do brasileiro ou da empresa brasileira interessada na exploração mineral, sempre através de procedimento licitatório, emitindo-se a devida autorização para a pesquisa e posteriormente, firmando-se o correspondente contrato de concessão de lavra, remetendo-se ao Congresso os relatórios relativos a atividade minerária.

A previsão de que os requerimentos para autorização de pesquisa ou para concessão de lavra protocolados antes da vigência da Constituição promulgada em 1988 sejam considerados prioritários caracteriza outra efetiva afronta ao texto constitucional, já que não existe direito adquirido contra determinação constitucional.

Todos os requerimentos apresentados até a vigência da lei que dispuser sobre a exploração mineral em terras indígenas deverão ser arquivados, por não terem qualquer base legal para sua sustentação.

Cumpre assinalar ainda, que este Projeto de Lei constitui um capítulo do Substitutivo aprovado pela Comissão Especial constituída na Câmara dos Deputados para apreciar e deliberar em caráter conclusivo sobre os Projetos de Lei que dispõem sobre a nova legislação indigenista, substituindo o atual Estatuto do Índio (lei 6001/73), cujo Relator foi o Deputado Luciano Pizzato (PFL/PR).

Este Substitutivo e os projetos que lhe deram origem (PL 2057/91, 2061/91 e 2069/92 e outros apensados) aguardam deliberação do Plenário da Câmara quanto a recurso interposto contra a decisão da Comissão Especial.

Tendo em vista a necessidade de que a exploração mineral em terras indígenas seja regulamentada no conjunto dos demais aspectos tratados no Substitutivo mencionado acima, que dispõe sobre o "Estatuto das Sociedades Indígenas", seria mais conveniente e adequado que o PL 1610-A/96 fosse apreciado em conjunto com o PL 2057/91.

Brasília, junho de 2002.

Paulo Machado Guimarães
Advogado e Assessor Jurídico do Cimi

Fonte: Cimi - Assessoria Jurídica
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