20/06/2004

Efeitos da Detração Penal Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, por Paulo Machado Guimarães

I. Introdução

Aspecto jurídico-penal que normalmente não é considerado nos processos penais envolvendo índios, consiste na aplicação do disposto no parágrafo único do art. 56 da Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio.

Trata-se da aplicação do instituto da detração às condições em que a lei determina o cumprimento das penas pelos índios.

II. Os efeitos da detração penal sobre os índios

O parágrafo único do art. 56 da Lei nº 6.001/73, estabelece que:

"As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximo da habitação do condenado".

Ocorre que por força do que estabelece o art. 42 do Código Penal, com a redação dada pela Lei n.º 7.209/84, devem ser computados:

"na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior".

Dessa forma, se o tempo de prisão provisória deve ser computado na pena privativa de liberdade, as condições em que a pena privativa de liberdade deva ser aplicada devem ser respeitadas no cumprimento da prisão provisória.

Em razão do disposto no art. 33 do Código Penal, com a redação dada pela Lei n.º 7.209, de 11 de julho de 1984, as penas de reclusão e de detenção somente podem ser cumpridas em regime fechado, semi-aberto ou aberto.

No caso do disposto no parágrafo único do art. 56 da Lei n.º 6.001/73, o "regime de semiliberdade" deve ser entendido como semi-aberto.

De acordo com o § 1º do art. 33 do Código Penal, considera-se:

"a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado".

Nos termos do § 1º do art. 35 do CP, no regime semi-aberto:

"O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar".

Nesse regime prisional, nos termos do § 2º do art. 35 do CP:

"O trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior".

III. As providências judiciais decorrentes da detração penal

Ocorrendo a prisão em flagrante ou a decretação de prisão provisória de um índio, o Juízo processante deve providenciar para que o cidadão provisoriamente preso cumpra a prisão em regime semi-aberto, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximo da habitação do acusado preso.

A verificação da possibilidade a que se refere o parágrafo único do art. 56, somente pode significar as condições materiais e de segurança, para efeito do cumprimento da prisão provisória, respeitando-se os parâmetros normativos do Código Penal e da Lei de Execução Penal. Para tanto, o Juízo deve oficiar ao Órgão Indigenista Federal, ou seja à FUNAI, no sentido de informar sobre as reais possibilidades do cumprimento da prisão nas condições exigidas por lei.

No caso, o local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximo da habitação do preso será o Posto Indígena que atenda a comunidade do preso.

IV. A impropriedade da consideração de aspectos estranhos à condição de índio

Aspecto que às vezes remete a consideração equivocada de alguns, consiste na suposta necessidade de investigar se o beneficiário desse tratamento normativo seria índio integrado, em vias de integração ou isolado, ou mesmo se seria aculturado ou não.

Essas categorias, com a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, deixaram de existir.

Com o disposto no art. 231 da CF, vigora o princípio constitucional do "respeito à diversidade étnica e cultural".

Não há, portanto distinção juridicamente válida e relevante em relação aos índios. Ou seja, pouco importa que um índio ou uma comunidade mantenham contato permanente, recente ou antigo ou que não mantenham qualquer contato com a sociedade não indígena.

No caso, considere-se que o próprio dispositivo legal que assegura aos índios o cumprimento das penas em regime de "semiliberdade" (que atualmente, conforme observado acima deva ser o regime semi-aberto) não distingue entre índios em razão de seu antigo e já superado grau de integração.

Essa garantia legal beneficia a todos os índios e deve ser atentada no cumprimento das decisões provisórias privativas de liberdade, sob pena de impor-se aos índios gravame atentatório ao devido processo legal.

V. Conclusão

Do exposto, concluo no sentido de que aos índios, em razão do instituto da detração penal, o cumprimento das prisões provisórias devam ser cumpridas, nos termos do que estabelece o parágrafo único do art. 56 da Lei n.º 6.001/73, "no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximo da habitação do condenado".

Brasília, 13 de setembro de 2002.

Paulo Machado Guimarães
Advogado e Assessor Jurídico do Cimi

Fonte: Cimi - Assessoria Jurídica
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