10/04/2025

Povos isolados: a necessidade de proteção em meio às ameaças de extermínio na Amazônia e a aplicação da UNDRIP

Evento paralelo do Cimi e da Repam à 24ª Sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas

Por Assessoria de Comunicação – Cimi

Entre os dias 21 de abril e 2 de maio acontece na sede da ONU em Nova York (EUA) a 24ª Sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas (UNPFII). O UNPFII é um órgão consultivo da ONU que trata de questões indígenas e que atua em áreas como desenvolvimento econômico e social, cultura, meio ambiente, educação, saúde e direitos humanos.

O Fórum Permanente é um dos três órgãos da ONU que lidam especificamente com questões indígenas. Nesta sessão, haverá a discussão sobre o tema “Implementação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas nos Estados-Membros das Nações Unidas e no sistema das Nações Unidas, incluindo a identificação de boas práticas e o enfrentamento dos desafios”.

Além dela, povos indígenas, organizações indigenistas e Estados-Membros debaterão as seis áreas obrigatórias do Fórum Permanente (desenvolvimento econômico e social, cultura, meio ambiente, educação, saúde e direitos humanos), com referência à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Também ocorrerão eventos paralelos organizados pelas entidades da sociedade civil credenciadas ao Fórum Permanente. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), no dia 23 de abril, organizam o Evento Paralelo Povos Indígenas em Isolamento Voluntário: a Necessidade Urgente de Medidas de Proteção em Meio às Ameaças de Extermínio em Curso na Amazônia e a Aplicação da UNDRIP.

UNDRIP é a sigla em inglês da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Na UNDRIP estão os direitos dos povos livres a serem aplicados pelos Estados-Membros

O Cimi atua junto à temática dos povos em situação de isolamento voluntário, os povos livres, desde a sua fundação, em 1972. Atualmente possui a Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (EAPIL) com presença nos estados da Amazônia Legal, Centro-Oeste e Nordeste, regiões do Brasil em que se concentram os registros de povos livres. O Cimi também se articula com as demais organizações preocupadas com o tema, entre elas a Repam.

No último dia 13 de março, o Cimi lançou o livro “Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco”. Em 29 artigos escritos por especialistas, pessoas envolvidas e comprometidas com a proteção e existência dos povos isolados, o livro traz uma grande riqueza de informações e análises sobre a existência desses povos, seus direitos, as políticas governamentais e os riscos à sua sobrevivência nos diferentes países da América do Sul.

Com base nessa atuação de mais de 50 anos na temática, mais de uma década de incidência contínua na ONU e tomando por base os dados e o debate mais recente sobre os povos isolados, sistematizados na publicação recém-lançada, o Evento Paralelo busca atualizar a comunidade internacional sobre os perigos que de forma permanente rondam e afetam essas populações.

Leia baixo a nota conceitual em português do Evento Paralelo:

To read in english and spanish click here.

POVOS INDÍGENAS EM ISOLAMENTO VOLUNTÁRIO: A NECESSIDADE URGENTE DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO EM MEIO ÀS AMEAÇAS DE EXTERMÍNIO EM CURSO NA AMAZÔNIA E A APLICAÇÃO DA UNDRIP

Evento paralelo à 24ª Sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas

23 de abril de 2025 | 2:30 às 4:00 p.m (horário de Nova York) | 15h30 às 17 horas (horário de Brasília)

Church Center of the United Nations, CCUN – 10º andar

777 United Nations Plaza, New York, NY 10017

Os Povos Indígenas são os grupos humanos mais vulnerabilizados em todo o mundo. Essa realidade violenta é ainda mais dramática em relação aos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário (PIAV) que enfrentam os maiores riscos de extermínio.

Todos os PIAV atualmente conhecidos estão expostos a constantes ameaças que colocam em risco não apenas os seus sistemas políticos autônomos, mas a própria existência dessas populações enquanto grupos sociais específicos.

Apesar de previsto em legislações internacionais e leis nacionais a garantia dos direitos dos PIAV, estes são constantemente violados, tanto por retrocessos legais e exclusão de direitos promovidos por interesses anti-indígenas, como pela não implementação de políticas públicas efetivas para a proteção aos seus territórios e suas vidas.

Neste evento se discutirá os impactos da fragilização das políticas públicas para os PIAV, destacando a necessidade e urgência de implementar, sobre este tema, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP) nos Estados membros e no sistema das Nações Unidas. A sessão contará com depoimentos de lideranças indígenas e antropólogos expertos em Povos em Isolamento, assim como representantes de organismos internacionais.

II Encontro sobre Povos Indígenas Isolados e Recente Contato Situações e desafios na proteção dos nossos parentes isolados – novembro de 2021. Foto Neto Ramos/Ascom Coiab 2

Background

Cimi e os Povos Isolados

Desde sua fundação, na década de 1970, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) assumiu o respeito à autodeterminação dos Povos Indígenas como princípio orientador de atuação e compreendeu que os Povos Indígenas Isolados estavam entre os mais afetados pela política desenvolvimentista estatal.

Diante do número crescente de notícias sobre novas referências da presença de grupos indígenas isolados, e em resposta à inoperância da agência indigenista brasileira (Funai), o Cimi criou em 2006 uma equipe específica que assumiu o serviço interno de registro e organização de informações sobre Povos Isolados, que posteriormente passou a se chamar Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (Eapil).

“Povos Livres” é como a Eapil conceitua os povos ou segmentos de povos isolados, enfatizando a dimensão política destes grupos orientada pela autonomia e autodeterminação expressas na busca de distanciamento do mundo exterior.

Aliado com outras entidades, antropólogos, indígenas e indigenistas, o Cimi promoveu discussões sobre os impactos decorrentes dos contatos iniciais e suas consequências sobre os Povos Indígenas Livres, ganhando força o entendimento de que a decisão desses povos de se manterem em regiões distantes e evitando relações com outros grupos sociais deveria ser respeitada, a não ser em situações de risco extremo à sua sobrevivência, em conformidade com seu direito à autodeterminação. Tal entendimento criou as condições para a adoção da “política do não contato e da proteção territorial”, que foi instituída formalmente pela Funai em 1987 e resultou no chamado “Sistema de Proteção ao Índio Isolado”, em seguida passou a ser adotado por outros países da América do Sul.

Presença de Povos Isolados

Atualmente a presença de PIAV é identificada na Ásia (Ilha Sentinela do Norte, na Índia, e  Ilha de Halmaherana, na Indonésia), na África (Bacia do Rio Congo) e na América do Sul (Amazônia e Chaco Sul-Americano). O maior número de Povos Indígenas Livres está localizado na América do Sul,  onde são registradas atualmente 185 grupos isolados. Contudo, apenas 66 referências são reconhecidas oficialmente, enquanto as outras 119 permanecem invisibilizadas pelos governos nacionais, não contando com nenhuma proteção oficial, o que os deixa expostos às constantes investidas de terceiros sobre os seus territórios.

Do total de 185 PIAV registrados atualmente no continente sul-americano, 178 estão localizados  na região amazônica, especificamente no Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.

A partir de levantamentos de campo realizados por equipes locais da Eapil e de informações incorporadas da Funai e de outras entidades indigenistas, a Eapil/Cimi mantém uma base de dados independente de registros reunindo informações sobre a presença de 119 PIAV no Brasil, sendo apenas um localizado fora da Amazônia. Deste total, 37, ou seja, quase um terço, encontra-se em áreas sem nenhuma providência para a restrição de acesso, demarcação territorial e proteção efetiva. O Estado brasileiro, através da sua agência indigenista, reconhece 114 registros e atesta como comprovada a existência de apenas 28 destes grupos locais, enquanto todos os demais não contam com nenhuma medida de proteção.

Um grande número dos registros de Povos Indígenas Livres na América do Sul está localizado em regiões de fronteiras internacionais. Segundo estudos recentes esse número pode ficar entre 106 e 146 registros sendo que muitos desses indicam povos que ocupam territórios de dois ou mais países simultaneamente, sendo, por isso, chamados de Povos Isolados Transfronteiriços.

Isolados na Terra Indígena Yanomami. Foto: acervo Funai/FPEYY

Isolados na Terra Indígena Yanomami. Foto: acervo Funai/FPEYY

O Evento Paralelo

Em consonância com o livro “Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco”, publicado pela Eapil/Cimi no final de 2024, esse evento é um chamado à consciência coletiva sobre o direito dos PIAV, para que possam continuar a ser aquilo que reivindicam: grupos sociais com culturas próprias, com direito a existir em um mundo plural.

Em 29 artigos escritos por especialistas comprometidos com a proteção e existência dos PIAV, o livro “Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco” apresenta um conjunto atualizado de informações sobre esses povos, seus direitos e os riscos que enfrentam para a sobrevivência no contexto de crescente ameaça na América do Sul. O livro busca dar visibilidade aos PIAV e estimular ações de solidariedade e políticas públicas adequadas e necessárias para a proteção de seus territórios. A publicação também pretende ser um subsídio de apoio à incidências de organizações indígenas e entidades indigenistas, de organismos públicos nacionais e internacionais e da sociedade civil.

Assim como o livro “Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco”, e esse evento “Povos Indígenas em Isolamento Voluntário. A necessária e urgente adoção de medidas de proteção frente o risco de extermínio continuado na Amazônia”, toma por orientação os direitos humanos assinalados pela Organização das Nações Unidas (ONU),  enfatizando o respeito à autodeterminação dos PIAV, que se manifesta no “direito de permanecer em condição de isolamento voluntário e de viver livremente e de acordo às suas culturas” conforme defende o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

A Declaração (UNDRIP) estabelece que os Povos Indígenas têm o direito de manter e fortalecer a sua relação espiritual com as suas terras, territórios e recursos naturais, incluindo corpos de água (Art. 25), e o direito de controlar e gerir os recursos nos seus territórios (Art. 26 e 32).

Além disso, diversas tradições indígenas consideram a natureza não apenas como um recurso, mas como um ser vivo com direitos próprios. O reconhecimento dos direitos da natureza, consagrados na Constituição do Equador (art. 71-74), é uma abordagem que dialoga diretamente com as cosmovisões indígenas sobre a natureza como um elemento sagrado e interdependente com a vida das pessoas e seus ecossistemas. A inclusão deste conceito na governação territorial poderia reforçar a proteção jurídica contra práticas destrutivas do ambiente e da vida dos PIAV.

A degradação dos recursos naturais causada pelas atividades extrativistas e industriais compromete a saúde e o bem-estar dos Povos Indígenas. Estudos indicam que a contaminação por mercúrio, derivado da exploração mineral, tem efeitos devastadores sobre as populações indígenas, violando o direito à saúde reconhecido no art. 24 da UNDRIP e no art. 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Além disso, a falta de consentimento livre, prévio e informado (CLPI), conforme estabelecido no art. 19 da UNDRIP e no art. 6º da Convenção 169 da OIT, agrava as violações ambientais e territoriais que afetam os Povos Indígenas.

De modo ainda mais direto, os PIAV são particularmente violados pelas invasões de seus territórios tradicionais, a contaminação pelo garimpo e mineração industrial, o corte de madeiras, que afetam irreversivelmente a disponibilidade de recursos florestais e acarreta o extermínio de animais silvestres, indispensáveis à sobrevivência de povos caçadores e coletores que mantêm seus modos de vida baseados em sistemas tradicionais de mobilidade sazonal em seus territórios ancestrais.

A depredação de terras, a exploração dos recursos naturais e a poluição do ar e da água representam uma ameaça direta à existência humana, contrariando as diretrizes da ONU sobre a proteção dos Povos Indígenas Isolados e de Contato Inicial.

Como destacou anteriormente a Relatoria Especial, negar o direito à autodeterminação dos Povos Indígenas e à autodeterminação dos seus territórios enfraquece a democracia e aumenta a sua vulnerabilidade a projetos que afetam os seus territórios.

Esse evento pretende criar um espaço de de reflexão, onde representantes de Povos Indígenas, especialistas em questões relacionadas aos Povos Isolados e representantes de organismos internacionais, possam denunciar violações de direitos humanos, esperando sensibilizar o sistema ONU, os Estados membros e a comunidade internacional para a promoção de medidas concretas contra a impunidade e os danos aos modos de vida tradicionais e à existência dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário.

Lançamento do livro “Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Equipe de Apoio aos Povos Livres do Cimi (Eapil). Arte: Verônica Holanda | Cimi

Objetivos

  • Apresentar em linhas gerais o livro “Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco”, recentemente publicado pela Eapil/Cimi, que traça o panorama geral dos PIAV na América do Sul e uma análise crítica do contexto das ameaças e violências que colocam em risco de extermínio a imensa maioria desses grupos locais.
  • Analisar como a implementação da UNDRIP pode fortalecer a proteção do direito dos PIAV à gestão sustentável dos seus territórios ancestrais.
  • Destacar as implicações legais da degradação e destruição ambiental na violação dos direitos dos PIAVs, com base na UNDRIP e outros instrumentos internacionais.
  • Discutir os desafios enfrentados pelos Estados membros na implementação dos direitos humanos dos PIAV e propor boas práticas para o respeito à autonomia desses povos e a governança autodeterminada em seus territórios ancestrais.
  • Sugerir ao Fórum Permanente (UNPFII) recomendações aos Estados nacionais para a  implementação conjunta de políticas públicas e medidas de proteção aos PIAV transfronteiriços e aos territórios que estes ocupam.
  • Denunciar a ausência de medidas protetivas e o não reconhecimento de muitos registros de PIAV por parte dos Estados nacionais, alertando para a iminência de genocídios.
  • Fomentar opinião crítica em torno do princípio da precaução que conduza ao reconhecimento do conjunto dos registros de PIAV, superando a invisibilização que lhes é imposta pelos Estados nacionais.
  • Assinalar a importância do movimento indígena e suas iniciativas próprias para visibilizar a situação de vulnerabilidade em que são colocados os PIAV, avançando na implantação de políticas públicas de proteção e no combate às invasões territoriais.
  • Reforçar a necessidade urgente de adoção pelas instituições de Estado, em colaboração com as organizações indígenas, de medidas preventivas para fortalecer e ampliar os sistemas de proteção territorial e à vida dos PIAV.

Speakers

  • Alessandra Korap Mundurukú, Pueblo Indígena Mundurukú de Brasil, The Goldman Environmental Prize en 2023.
  • Julio Cusurichi Palacios, Pueblo Indígena Shipibo de Peru, The Goldman Environmental Prize en 2007.
  • Ninawa Huni Kui, Pueblo Indígena Huni Kui de Brasil.
  • Dra. Beatriz Huertas, antropóloga de Peru, RFN.
  • Dr. Lino João de Oliveira Neves, antropólogo de Brasil, EAPIL-CIMI.
  • Anexa Alfred Cunningham, membro do Mecanismo de Peritos sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Co-Sponsors

  • Jesuiten weltweit
  • Entreculturas, ngo Jesuit
  • Associação Indígena Pariri – Munduruku
  • Federação do Povo Huni Kui do Estado do Acre – FEPHAC
  • DKA Austria – Dreikönigsaktion, Hilfswerk der Katholischen Jungschar
  • Pan-Amazonian Ecclesial Network (REPAM)
  • Dominican Leadership Conference
  • Ngo Mining Working Group
  • NGO Committee on the Rights of Indigenous Peoples
  • Vivat International – Brasil
  • Proclade Internazionale onlus

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