Liberdade religiosa: terreiro sagrado da TI Pankararu Opará sofre com invasão de posseiros no sertão de PE
A depredação envolve plantas e árvores sagradas, artefatos arqueológicos e a liberdade religiosa do povo Pankararu Opará no território em processo de demarcação
O terreiro usado para rituais religiosos na Terra Indígena Pankararu Opará, município de Jatobá, no sertão de Pernambuco, vem sendo alvo de depredação cultural, ambiental e arqueológica. Os ataques são dirigidos a todos os elementos materiais que relacionam o local às práticas espirituais e tradicionais do povo indígena – o que inclui a inviolabilidade do terreiro e a liberdade religiosa.
Posseiros invadem o terreiro, parte da terra tradicional em processo de demarcação, derrubam plantas e árvores sagradas para a religiosidade e ciência do povo, além de destruir artefatos arqueológicos encontrados com facilidade no local pelos Pankararu Opará.
Durante esta semana, enquanto preparavam o terreiro para um ritual, jovens Pankararu foram abordados por invasores, que fizeram ameaças. Os indígenas também relatam que posseiros decidiram usar o local como passagem, contrariando os pedidos para que usem outro caminho.
“Afeta nossa liberdade religiosa. Tem o lado de que os posseiros se opõem à demarcação da Terra Indígena, mas esses ataques são contra nosso terreiro sagrado, nossa espiritualidade. É um ataque contra o lugar de nossos encantados, o lugar em que os Praiás dançam”, explica o pajé Washington Tenório Silva, mais conhecido como Jaguriçá.
O pajé explica que o terreiro sagrado é também espaço para reuniões do povo, incluindo de outras aldeias, e para a educação da comunidade, servindo para oficinas e aulas
“Já queimaram nossos ranchos, já incendiaram árvores. Os posseiros sempre querem nos intimidar. Vivemos uma pressão constante, mas estamos lutando por uma terra que é do nosso povo”, conta.
Conforme o pajé, o caso foi levado há alguns meses ao Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e demais organismos ligados à defesa dos direitos humanos.
“O terreiro é também um sítio arqueológico porque aqui encontramos os pilões, que são artefatos dos nossos ancestrais (…) o terreiro tem um motivo de ser aqui. Não é provocação. Está dentro da demarcação e ele tem uma razão sagrada para ser aqui”, ressalta o pajé Jaguriçá.
Relatoria da ONU expressou preocupação
Entre 2016 e 2022, o Relator Especial sobre Direitos dos Povos Indígenas Ahmed Shaheed expressou em suas manifestações oficiais preocupação específica com a liberdade religiosa dos povos indígenas no Brasil.
Shaheed destacou invasões de terras indígenas e destruição de locais sagrados por madeireiros, garimpeiros e fazendeiros, especialmente na Amazônia. Emitiu preocupação com a violência contra pajés e lideranças espirituais.
A Relatora Especial sobre Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, cujo mandato aconteceu entre 2016-2020, denunciou a criminalização de rituais com plantas sagradas (como ayahuasca) e a invasão de territórios sagrados.
Em face desse histórico de notícias das relatorias, cujos relatores visitam o Brasil, o Comitê de Direitos Humanos da ONU, em 2022, cobrou do Brasil explicações sobre medidas para proteger locais de culto indígenas
“Sempre quando nos perguntam o que é preciso fazer para garantir a nossa liberdade religiosa, eu digo que é demarcando a Terra Indígena. Tendo essa segurança acaba a desculpa do invasor, do posseiro de que não é território tradicional e pressiona mais o Estado a proteger”, diz o pajé Jaguriçá.
Mecanismos de proteção
A ONU reconhece a liberdade religiosa dos povos indígenas como parte essencial de seus direitos coletivos, vinculada à preservação de suas culturas, terras e autodeterminação.
Nos fundamentos legais está a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, Artigo 12: “os povos indígenas têm o direito de manifestar, praticar, desenvolver e ensinar suas tradições espirituais e religiosas […], incluindo o direito de manter e proteger seus locais sagrados”.
Além disso, há a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989, Artigo 5: “reconhece o direito às crenças e práticas espirituais indígenas como parte de sua identidade”.
Há também o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, Artigo 18: “aplica-se a indígenas como a todos os indivíduos, mas com ênfase na proteção coletiva de suas práticas”
A liberdade religiosa inclui o acesso a locais sagrados (montanhas, rios, florestas) ameaçados por mineração, desmatamento ou expansão urbana, proteção de rituais e conhecimentos tradicionais (como uso de plantas sagradas, danças, cantos), respeito aos líderes espirituais (xamãs, pajés, anciãos) e suas funções na comunidade e a não imposição de religiões externas, incluindo proselitismo forçado por missões religiosas.
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Delegação do Estado alemão
Uma Delegação composta por governo e diplomacia da Alemanha realizou uma visita aos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, em fevereiro deste ano, para verificar ameaças à liberdade religiosa do povo.
Por iniciativa do Comissário Federal alemão pela liberdade religiosa e da crença, a delegação visitou as chamadas “retomadas de Douradina”, na Terra Indígena Lagoa Rica Panambi, e a Terra Indígena Laranjeira Nhanderu.
Entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2024 pelo menos 16 grandes Casas de Reza Guarani e Kaiowá foram incendiadas (Cimi, 2024). O fogo ocorreu de forma sistemática e criminosa em pelo menos dez territórios do povo.
A comitiva alemã quis entender a situação das terras indígenas dos Guarani e Kaiowá, os motivos do atraso para a conclusão de procedimentos demarcatórios e quais as chances existentes para que, de uma vez por todas, os Guarani e Kaiowá obtenham o usufruto exclusivo de suas terras.
“Em nossa visita entendemos que sem o território o povo não pode exercer sua religião e, portanto, seu direito fundamental à liberdade religiosa é violado. A terra, a água, o ar, os animais e o vínculo das pessoas não são bens; compõem a espiritualidade do povo”, ressaltou Wolfram Stierle, chefe de gabinete do Comissário Federal do governo da Alemanha.