16/03/2025

“Direitos negociados não são mais direitos”: lideranças indígenas de todo o Brasil firmam pacto contra mesa de conciliação e lei do marco temporal

Em território Guarani e Kaiowá, o Encontro Nacional de Lideranças Indígenas reuniu representantes de 14 estados e reavivou as marcas deixadas pelas invasões e ataques contra as comunidades de Panambi – Lagoa Rica; encontro serviu para revisitar feridas ainda abertas, mas também para discutir estratégias de luta e resistência conjuntas em meio a retrocessos

Encontro nacional de lideranças indígenas na TI Panambi – Lagoa Rica (MS) | 18-20/03/2025

Por Tiago Miotto da Assessoria de Comunicação do Cimi* – Matéria publicada originalmente na edição 473 do Jornal Porantim

“Aqui foi uma cena de guerra”, resumiu o professor Rezeno Guarani Kaiowá, dentro da casa de reza construída no tekoha Yvy Ajere, uma das oito retomadas e aldeias que hoje constituem a Terra Indígena (TI) Panambi – Lagoa Rica, em Douradina (MS). Enquanto a luz da manhã começava a penetrar pelas frestas da palha que recobre a casa de reza – ou ogapsy, como se referem a ela os Guarani e Kaiowá –, os duros relatos do professor e de outras pessoas das retomadas de Douradina eram ouvidos atentamente por lideranças indígenas de diversos povos. Vindas de 14 estados, elas participavam do Encontro Nacional de Lideranças Indígenas, realizado, não por acaso, naquele território.

Entre julho e setembro de 2024, as retomadas e aldeias de Panambi – Lagoa Rica estiveram sob contínuo ataque de fazendeiros e jagunços. Naqueles meses, a ogapsy que agora acolhia os visitantes era apenas um barraco de lona com estacas de bambu fincadas ao chão. A literalmente poucos metros dali os fazendeiros e jagunços estabeleceram um acampamento, a partir do qual articulavam os ataques às comunidades e de onde, com holofotes, roncos de motor, rojões e tiros, negavam aos Kaiowá e Guarani até o direito ao sono.

Na manhã de março de 2025 em que as lideranças do território recordavam os dias de cerco e violência, o acampamento ruralista já estava desfeito; além dos relatos, outro acampamento próximo do tekoha Yvy Ajere, o da Força Nacional, lembrava que a tensão daqueles dias, que deixaram sequelas e feridas, ainda não está totalmente dissipada.

Foi neste contexto que lideranças de 24 povos indígenas reuniram-se, entre os dias 18 e 20 de março, para discutir os ataques contra seus direitos e as estratégias de luta contra os retrocessos em curso. Elas integraram-se à reunião do conselho da Aty Guasu, que ocorria no tekoha Ita’y, outra das retomadas que compõem a TI Panambi – Lagoa Rica.

Frente à desaceleração nas demarcações de terras, o aumento da violência contra as comunidades e o risco de desmonte dos direitos indígenas pela mesa de conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei do Marco Temporal, as lideranças firmaram um pacto de luta e anunciaram uma grande mobilização em defesa de seus territórios e de seus direitos constitucionais.

As lideranças firmaram um pacto de luta e anunciaram uma grande mobilização em defesa de seus territórios e de seus direitos constitucionais

Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

“Enquanto nosso direito for negado pela institucionalidade, iremos encontrá-lo na prática, na marcha e na luta. Retomaremos nossos territórios, um a um, povo a povo, porque eles são fundamentais para nossa existência e já não aguentamos mais viver apartados deles. Não permitiremos mais que nossos anciões deixem o mundo sem poder viver e sonhar em nossas terras, junto a nossos encantados. Não esperaremos mais, agora ou vai ou racha”, garantem as lideranças no documento final do encontro (leia a seguir), fazendo referência à luta histórica pela demarcação da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Negociação e compra de terras

No documento, os indígenas deixaram clara sua posição contrária à Comissão Especial de Conciliação sobre a Lei 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal, estabelecida pelo ministro do STF Gilmar Mendes e caracterizada pelas lideranças como “mesa de negociação”.

A Lei, promulgada em dezembro de 2023 pelo Senado, foi questionada junto à Suprema Corte por povos indígenas e aliados. A promulgação da lei foi uma reação de setores do Congresso Nacional à decisão do STF no Tema 1031, processo de repercussão geral que teve mérito julgado em setembro de 2023.

Naquele julgamento, o STF confirmou a constitucionalidade dos direitos indígenas e declarou inconstitucional a tese do chamado “marco temporal”, segundo a qual os povos só teriam direito à demarcação das terras sob sua posse, ou em disputa, no dia 5 de outubro de 1988.

Além do marco temporal, a lei incorporou uma série de dispositivos que fragilizam os direitos territoriais indígenas, dificultam novas demarcações – e, inclusive, abrem brecha para a revisão de demarcações já consolidadas.

Os indígenas deixaram clara sua posição contrária à Comissão Especial de Conciliação sobre a Lei 14.701/2023

Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

As ações movidas contra a Lei 14.701 caíram sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes – que, em lugar de analisar a constitucionalidade da norma, estabeleceu a mesa de conciliação. A Lei seguiu em vigor e as reuniões da mesa prosseguiram, mesmo após a saída da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

No documento final do encontro, as lideranças cobram que o governo federal também se retire da mesa. Um dos principais temas em discussão na mesa de conciliação é o pagamento pela chamada “terra nua” a fazendeiros que ocupem terras dentro de territórios indígenas. Na avaliação dos povos, esta política vai “na contramão da garantia de nosso direito Constitucional” e da decisão de repercussão geral do próprio STF sobre demarcação de terras indígenas.

Os indígenas também denunciam o que caracterizaram como um “assédio” do governo federal, com propostas de compra de terras e negociações à margem do rito constitucional de demarcação, e apontam que ofertas do tipo foram feitas em relação à TI Panambi – Lagoa Rica.

“Não permitiremos que estas estratégias de agressão ao nosso direito e à nossa tradicionalidade sejam levadas a cabo contra o território de Panambi – Lagoa Rica nem contra nenhum território de nossos povos e parentes. Direitos negociados não são mais direitos. São concessões junto aos ladrões de nossas terras e aos nossos agressores, bem como a supressão de garantias fundamentais para nós, povos indígenas”, afirmam as lideranças no documento.

A proposta de um anteprojeto legislativo para substituir a Lei 14.701/2023, apresentada pelo gabinete de Gilmar Mendes na mesa de conciliação, também foi debatida no encontro. Entre os pontos previstos no projeto está a proibição e a possibilidade de criminalização das retomadas, justificada como uma “medida humanitária para a diminuição do acirramento dos ânimos no campo”.

Esta política vai “na contramão da garantia de nosso direito Constitucional”

Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

“Nossos corpos estão marcados de bala. Tem uma nhandesy [anciã] que estava dançando aqui, ela levou tiro nas costas, nas pernas. Tudo isso aconteceu aqui”, afirmou, no encontro, a liderança Valdelice Verón, integrante do conselho da Aty Guasu.

“Precisamos nos unir e parar o Brasil até cair o marco temporal. A proposta do Gilmar Mendes é tirar o marco temporal e, em troca, mandar a polícia contra nós. Não podemos aceitar”, pontuou a liderança Guarani Kaiowá. “É urgente que o governo olhe para nós. E, para isso, nós não vamos negociar nossa terra não. Nós vamos lutar com toda a nossa força. O marco temporal, a Lei 14.701 são para nós como o tiro do pistoleiro, como o veneno que polui nossa água”.

O cerco a Panambi

Quando a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) publicou o relatório de identificação e delimitação da TI Panambi – Lagoa Rica, reconhecendo a área de 12,1 mil hectares como ocupação tradicional Guarani e Kaiowá, as comunidades do território já acumulavam décadas de luta por sua terra. Quatorze anos depois, a comunidade contabilizou violências, anciões morreram e áreas foram retomadas, mas a demarcação permaneceu estagnada.

Em 2024, os Kaiowá e Guarani estabeleceram três novas retomadas no território: Pikyxyin, Kurupaity e Yvy Ajere. Foi em frente a ela que os fazendeiros estabeleceram o acampamento de onde lançavam ataques contra as comunidades.

“Por que retomamos? Porque a gente já sabe que é parte do nosso território. Esperamos muito, nossos anciões já morreram. Os fazendeiros enriqueceram, nós cansamos de sentir o cheiro do veneno. Por isso resolvemos retomar. E eles passaram a nos atacar sem dó”, relembra Celso Guarani Kaiowá, uma das lideranças de Panambi – Lagoa Rica.

“Eles chamaram até produtores de outras cidades para nos atacar. Faziam vídeos e publicavam, chamando”, lembra ele. Crianças, anciões, mulheres e homens que estavam nas retomadas foram alvo de um cerco de caminhonetes e homens armados, que deixou dezenas de indígenas feridos, ao menos cinco com gravidade. Um deles, um jovem de 21 anos, ainda está com um projétil alojado na cabeça. Alguns dos ataques ocorreram na presença da Força Nacional – que, segundo os indígenas, em muitas ocasiões apenas assistiu passivamente às violentas investidas.

Esperamos muito, nossos anciões já morreram. Os fazendeiros enriqueceram, nós cansamos de sentir o cheiro do veneno

Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

“Aqui, sofremos vários tipos de tratamento de guerra. Não somente pela arma”, lembrou o professor Rezeno, referindo-se às ameaças e às estratégias de pressão e privação que os fazendeiros adotaram contra os Kaiowá e Guarani.

“Eles piscavam a luz, começando de noite e indo até as seis horas da manhã. Toda noite recomeçava. E, enquanto eles acendiam aquele farol do carro, o povo dançava, cantava, rezava. É a única coisa que a gente tinha”, recorda-se Mboy Jeguaju, outra liderança feminina do tekoha Yvy Ajere. “A violação, a agressão… tudo isso nós passamos”.

Mesmo aldeias e retomadas estabelecidas há anos foram alvo dos ataques. É o caso de Guyra Kamby’i, onde um jovem e um rezador foram baleados. “O fazendeiro foi atacar a nossa aldeia, que já tinha 13 anos”, relata uma liderança do tekoha. “Estavam as crianças, as mulheres, os jovens. Eles deram mais de 15 tiros, acertaram a perna do jovem”.

“Essa espera pela demarcação está deixando marcas em nosso corpo. Temos um jovem com uma bala na cabeça. Se mexer nela, morre”

Foto: Tiago Miotto/Cimi

“Nós não queremos todo o Brasil. Queremos só um pouquinho do que era dos nossos ancestrais”, resume uma das mulheres que lideram a retomada Yvy Ajere, não identificada por razões de segurança. “Eu não vou mais sair daqui, estou com meus filhos. Meu corpo já está marcado. Essa espera pela demarcação está deixando marcas em nosso corpo. Temos um jovem com uma bala na cabeça. Se mexer nela, morre”.

Atualmente, a demarcação da TI Panambi – Lagoa Rica encontra-se paralisada por decisão judicial. “Logo após a identificação da TI, o juiz de primeira instância deu uma decisão liminar, depois confirmada no mérito, anulando o procedimento administrativo, que tinha acabado de ser publicado pela Funai. A sentença aplicou o marco temporal e não citou a comunidade no processo. Entramos com recurso de apelação e estamos aguardando o julgamento pelo TRF-3”, explica Anderson Santos, advogado e assessor jurídico do Cimi.

A ação foi paralisada após a decisão do ministro Edson Fachin, do STF, que suspendeu a tramitação de processos envolvendo terras indígenas até o término do julgamento do Tema 1031, de repercussão geral. A carta final do encontro de lideranças pede que o STF conclua o julgamento dos embargos do processo – último passo para que ele seja concluído.

Ações de reintegração de posse contra as retomadas também foram suspensas e se encontram em fase de conciliação com os proprietários.

“Dividiram o nosso povo com cercas, com fazendas, com grilagem, mas a gente está junto na espiritualidade”

Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Trocas

Além dos relatos sobre a dura realidade vivenciada pelos indígenas naquele e em outros territórios Guarani e Kaiowá, as lideranças presentes no encontro também testemunharam os frutos de sua resistência: apesar da violência, as comunidades de Panambi – Lagoa Rica consolidaram a posse das novas retomadas.

“A gente volta para o nosso território mais fortalecido”, disse Mandy Pataxó, liderança da TI Comexatibá, no extremo sul da Bahia – região também deflagrada devido aos conflitos pela terra. “Fomos recebidos aqui com a reza do povo daqui, dos seus velhos. E vocês podem contar com nós, povo Pataxó, para estar junto com vocês. Dividiram o nosso povo com cercas, com fazendas, com grilagem, mas a gente está junto na espiritualidade”.

Além de lideranças Guarani e Kaiowá, participaram do encontro lideranças dos povos Avá-Guarani e Kaingang, do Paraná; Munduruku, Arapiun e Gavião, do Pará; Pataxó, da Bahia; Guarasugwe, Karitiana e Oro Nao, de Rondônia; Krenye, Kariú-Kariri e Apãnjekra-Canela, do Maranhão; Karaxuwanassu, de Pernambuco; Kariri, do Ceará; Chiquitano, de Mato Grosso; Nukini, do Acre; Maraguá e Mura, do Amazonas; Pankararé, de São Paulo; Xukuru-Kariri, de Minas Gerais; e Apinajé e Xerente, do Tocantins.

Encontro nacional de lideranças indígenas na TI Panambi – Lagoa Rica (MS) | 18-20/03/2025

CARTA DE COMPROMISSO DO ENCONTRO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS NO MATO GROSSO DO SUL

Aldeia Itay, Território de Panambi Lagoa Rica,

Mato Grosso do Sul, 20/03/2025

No dia 18 de março de 2025, os primeiros raios de sol coloriram o horizonte Sagrado do Território Kaiowa e Guarani de Panambi Lagoa Rica, no Mato Grosso do Sul, a figura de uma grande Casa de Reza foi iluminada. Junto a ela, em Luta, em Reza e em Canto Sagrado nós assumimos o grande pacto e compromisso de avançar na demarcação de nossas Terras e afastar os perigos e armadilhas das tentativas de negociação/conciliação de nossos direitos por parte do Governo e do Estado Brasileiro.

Nós hoje, somos um.

Entre os dias 18 e 20 de março de 2025, estivemos enquanto lideranças de mais de 24 povos de todas as regiões do Brasil, sendo: Kaiowa, Nhandeva, Avá Guarani, Munduruku, Arapiun, Gavião, Kaingang, Pataxó, Guarasugne, Karitiana, Oro Nao, Kreniê, Xerente, Xucuru Kariri, Kariú Kariri, Apãnjekra Kanela, Karaxuwanassu, Chiquitano, Nukini, Maraguá, Mura, Pankararé e Apinajé. Participando um Encontro de Lideranças e somando na luta com os parentes Guarani e Kaiowá.

Muitos de nós viemos de aldeias e territórios distantes. Vencemos estradas, atravessamos quilômetros, cruzamos rodovias e rios, trazendo nas bagagens solidariedade e vontade de lutar.

Encontramos entre os Kaiowa e Guarani povos valentes, herdeiros de uma luta inacreditável, detentores de uma determinação comovente e de uma espiritualidade poderosa e contagiante. Junto a eles e com eles pactuamos o clamor pela justiça e a busca incondicional por nossos direitos. Incansavelmente encontraremos a dignidade para nossos povos através da demarcação de nossos territórios.

Estivemos em Ivy Ajere, onde no ano passado, por mais de 40 dias, um acampamento miliciano imprimiu terror contra parentes desarmados. Diante da completa omissão e até mesmo da conivência do Estado e do Governo, famílias foram massacradas e alvejadas em cenas de guerra e barbárie.

Sentimos e partilhamos a dor do povo Kaiowa e Guarani, que espera pela demarcação desta Terra desde 2011. Todos os parentes que aqui estiveram, de todos os Povos, tem histórias semelhantes. Lembramos dos massacres, das lideranças assassinadas, dos ataques que sofremos cotidianamente. Assim como no Mato Grosso do Sul, a violência avança contra nossos povos e a natureza em todas as regiões do Brasil através da monocultura, madeireiros, mineradoras, imobiliária, empresas e dos megaprojetos.

A raiz de toda essa violência segue sendo o avanço do modelo econômico Capitalista e Colonial e diante disso a omissão do Estado Brasileiro em garantir a demarcação de nossas Terras. Nos Governos anteriores e no atual Governo os direitos indígenas seguem sendo negociados e esquecidos, a grande maioria de nossos territórios ainda aguarda publicação, declaração e(ou) homologação.

É vergonhoso assistir o Congresso Nacional atropelando decisões do próprio STF e ameaçando nossos povos através de uma lei inconstitucional

Encontro nacional de lideranças indígenas na TI Panambi – Lagoa Rica (MS) | 18-20/03/2025

Enquanto isso a soja e o milho avançam e as crianças e mulheres estão sendo contaminadas pelo agrotóxico e o leite materno está envenenado. O veneno das fazendas está contaminando as plantações que alimentam nosso povo.

Entendemos que o Ministério do Povos Indígenas e a Funai precisam se retirar da mesa de negociação que ameaça nossa existência.

Na contramão da garantia de nosso direito Constitucional o Estado segue assediando nossos povos através da mesa de conciliação/negociação do Marco Temporal e de propostas de compra de terra inclusive contrariando as direções apontadas pelos Ministros do STF, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365.

Para este Território Tradicional no qual estamos pisando – Panambi Lagoa Rica – sabemos que o Governo pretende apresentar propostas de compra de terra tais quais praticou contra o território Guarani e Kaiowá, onde aproveitando de uma situação sensível do povo Kaiowa, procedeu de maneira imoral e ilegal, indenizando indiscriminadamente assassinos dos povos Kaiowa e Guarani sem nenhuma margem constitucional para isso.

Sabemos que da mesma maneira, o Governo tem assediado outros povos no Mato Grosso do Sul, como o povo Terena, buscando junto aos territórios de Buriti e Taunay Ipegue, abrir precedentes para ferir nosso direito constitucional.

É vergonhoso assistir o Congresso Nacional atropelando decisões do próprio STF e ameaçando nossos povos através de uma lei inconstitucional que revive o Marco Temporal bem como preparar a PEC 48 como instrumento de morte para nossos direitos constitucionais mesmo cientes de que são cláusulas pétreas da CF88. Bem como, nos envergonha que os outros dois poderes (executivo e judiciário) utilizem deste instrumento de morte, alinhando-se as bancadas inimigas dos povos, para amedrontar e chantagear nossos povos forçando-os a aceitar propostas que em si já ferem nossa tradicionalidade – essência do reconhecimento de nosso direito ancestral e originário.

É igualmente absurda e constrangedora a insistência do Governo na pratica ilusionista e golpista de questionar o atual método de demarcação administrativa via decreto 1775, escondendo o fato de que foram os próprios governos, negligenciando sua atribuição e responsabilidade de implementação do decreto que paralisaram e inviabilizaram as demarcações – atribuição está exclusiva do Executivo.

O Direito indígena é premissa sagrada conquistada com o derramamento de sangue de nossas lideranças e nossos ancestrais, garantidos pela Constituição

Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Não permitiremos que estas estratégias de agressão ao nosso direito e à nossa tradicionalidade sejam levadas a cabo contra o território de Panambi Lagoa Rica nem contra nenhum território de nossos povos e parentes. Direitos negociados não são mais direitos. São concessões junto aos ladrões de nossas Terras e aos nossos agressores bem como a supressão de garantias fundamentais para nós, povos indígenas. O Direito indígena é premissa sagrada conquistada com o derramamento de sangue de nossas lideranças e nossos ancestrais, garantidos pela Constituição Federal de 1988 e guiados e protegidos pelos nossos encantados.

Ao mesmo tempo que impediremos retrocessos e armadilhas que tentem enganar nossos povos em nossas bases, anunciamos que marcharemos todos juntos a Brasília, denunciando abusos e violações, exigindo que nossos direitos sejam respeitados e que os três poderes da república honrem com suas obrigações constitucionais.

A violência que acontece com os parentes Guarani e Kaiowá acontece também com outros povos que estão na linha de frente ameaçados de morte e sem o território demarcado.

Por fim, declaramos que enquanto nosso direito for negado pela institucionalidade, iremos encontra-lo na pratica, na marcha e na luta. Retomaremos nossos territórios, um a um, povo a povo, porque eles são fundamentais para nossa existência e já não aguentamos mais viver apartados deles. Não permitiremos mais que nossos anciões deixem o mundo sem poder viver e sonhar em nossas terras, junto a nossos encantados. Não esperaremos mais, agora ou vai ou racha.

Precisamos permanecer vivos, mas vivos em nossos territórios demarcados e livres de ameaças ou de negociação sobre nossos direitos.

Exigimos enquanto movimento de unidade entre nossos povos que:

– Sejam retomados e finalizados os procedimentos administrativos de demarcação. E exigimos que a FUNAI crie imediatamente o Grupo de Trabalho (GT) e vá até os territórios realizar os estudos de identificação e delimitação.

– Seja declarada a inconstitucionalidade da lei 14.701.

– Seja encerrada imediatamente as mesas de conciliação/negociação do Marco Temporal.

– O STF julgue urgentemente os embargos do RE 1.017.365.

– Exigimos que os fazendeiros sejam punidos pelos crimes cometidos e imediatamente retirados dos territórios indígenas.

– Exigimos que a Sesai venha urgentemente atender em nas nossas retomadas.

 

 

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