Mística missionária e militante: a formação que fortalece a luta junto aos povos indígenas
Inspirado na visão de uma “Igreja em Saída”, defendida pelo Papa Francisco, o Cimi reafirma sua missão de defesa incondicional à vida e aos direitos originários dos povos indígenas por meio da formação de seus missionários

Registro realizado durante atividade prática da Oficina de Comunicação do Cimi. Foto: Sirlei do Nascimento/Regional Norte I
Veja aqui a edição completa.
“Os processos formativos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) têm como referência, e principal fonte, a luta dos povos indígenas por seus territórios, suas identidades, suas culturas, pela integridade de suas comunidades e de seu modo de ser e pela realização de seus projetos de vida”, aponta o Plano Pastoral da entidade. E foi com esse propósito que, entre 12 de janeiro e 2 de fevereiro de 2025, no Centro de Formação Vicente Cãnas, em Luziânia (GO), o Cimi deu continuidade ao seu processo formativo, com a realização do curso Básico 1, curso Básico 2 e curso de Formação Continuada.
Ao longo desses 53 anos de Cimi, há um histórico de cuidado com a formação das missionárias e missionários da entidade. “É uma atividade constitutiva do trabalho do Cimi”, destaca seu Plano Pastoral. Prova disso são os registros e relatos feitos nas primeiras formações, aquelas que aconteciam de forma orgânica nas caminhadas, no interior e entre as aldeias, onde havia partilha, escuta e o acúmulo do que aprendiam com os povos indígenas. “A convivência com as comunidades, os encontros, as reuniões, as assembleias, as mobilizações são compreendidas como espaços prioritários de formação, de socialização das experiências e de definição de estratégias de ação”, frisa o Plano Pastoral, que foi construído pelo Cimi após sua jornada de mais de 30 anos de presença e luta junto aos povos indígenas.
Com o tempo, o corpo missionário do Cimi entendeu que a necessidade formativa carecia de mais elementos que unissem teoria e prática, sempre com o compromisso de respeitar e fortalecer as lutas desses povos. Foi quando adotou-se o formato de cursos, para oferecer bases teológicas, antropológicas, históricas, metodológicas e políticas, além de oferecer ferramentas jurídicas e de comunicação para o trabalho que as missionárias e os missionários desempenham em seus regionais junto às comunidades indígenas.
A formação de missionárias e missionários do Cimi não se limita ao aprendizado teológico, mas se estende à compreensão profunda das realidades e desafios enfrentados pelos povos indígenas

Registro realizado durante atividade prática da Oficina de Comunicação do Cimi. Foto: Guilherme Antunes/Regional Norte II
Anos depois, os cursos passaram a ser realizados com mais etapas: Básico 1, que acolhe novos missionários e os envia para estudos de observação e relatoria junto aos povos que atuam enquanto estagiários. Básico 2, que compartilha as observações feitas no relatório de campo e aprofunda os debates sobre a ação missionária do Cimi. E Formação Continuada, que é um “reforço à missão, à atuação. Nele, a gente discute a questão da conjuntura política atual, como também a conjuntura eclesial, mas, sobretudo, esse reforço da nossa espiritualidade, que é muito alinhada também com as espiritualidades dos povos indígenas”, explica a secretária-adjunta do Cimi, Ivanilda Torres dos Santos.
Rosimeire Diniz Santos, missionária do Cimi Regional Maranhão e integrante do Coletivo de Formação do Cimi, explica a importância dessa preparação: “O Cimi entende que, para atuar junto aos povos originários, missionários e missionárias precisam passar por uma formação para compreender a história do Cimi, a história do movimento indígena, a história da missão, antropologia e tantos outros conteúdos necessários. É a oportunidade que a entidade dá para compreender um pouco mais dessa realidade, olhar para o fazer missionário de uma forma mais aberta, mais crítica e mais confiante”.
A formação de missionárias e missionários do Cimi não se limita ao aprendizado teológico, mas se estende à compreensão profunda das realidades e desafios enfrentados pelos povos indígenas, ela “visa seu crescimento na fé através da compreensão ampla das lutas indígenas e de seu protagonismo. Ela está baseada na mística do compromisso com a causa indígena que emana da convicção da fé cristã em um Deus da Vida, fonte de esperança, que impulsiona a caminhada”, aponta o Plano Pastoral do Cimi. Nesse sentido, o documento ainda acrescenta: “Se a utopia de uma sociedade plenamente democrática, igualitária e plural é o horizonte, os meios, métodos, pedagogias e articulações do Cimi exigem coerência no dia-a-dia do trabalho missionário.”
A formação nos alimenta nessa caminhada com os povos, amplia nossa compreensão e nos impulsiona

Registro realizado durante atividade prática da Oficina de Comunicação do Cimi. Foto: Daiane Nascimento Carvalho/Regional Leste I
Primeiros passos na missão
O Curso Básico 1 é a porta de entrada para as missionárias e missionários, que são inicialmente considerados estagiários. Nesta edição, sete novos missionários foram acolhidos para iniciar sua experiência junto aos povos originários nos regionais Mato Grosso, Amazonas Ocidental, Norte I e Norte II.
Coordenado por Alda Maria Oliveira, do Cimi Regional Leste, o curso buscou consolidar os princípios e valores da missão. Para Rosimeire Diniz, o Básico 1 “é fundamental para garantir a continuidade da missão do Cimi, trazendo pessoas alinhadas à causa indígena”.
Eduardo Alves, missionário que atuará com povos em contexto urbano em Barra do Garças (MT) e Aragarças (GO), compartilhou sua experiência: “Era o que eu esperava e o que eu imaginava. A formação nos alimenta nessa caminhada com os povos, amplia nossa compreensão e nos impulsiona. Os companheiros de diversos regionais compartilham experiências e nos fortalecem. Seguimos na esperança e pela causa.”
Este momento é considerado essencial para consolidar a formação e reforçar o compromisso com a luta originária

Registro realizado durante atividade prática da Oficina de Comunicação do Cimi. Foto: Pe. Francisco Prim
Aprofundamento e partilha
A segunda etapa da formação, o Curso Básico 2, ocorre no mínimo um ano após o Básico 1, permitindo que as missionárias e missionários sistematizem suas observações e troquem conhecimentos sobre a realidade vivida nos territórios.
Nesse período, eles apresentam relatórios detalhados que abordam questões como: situação territorial e processos de demarcação; modos de vida baseados no Bem Viver; educação e saúde diferenciadas; políticas públicas e sua ausência; parentesco, espiritualidade e diálogo inter-religioso.
Este momento é considerado essencial para consolidar a formação e reforçar o compromisso com a luta originária.
É um momento de vivência da nossa espiritualidade missionária e militante na causa indígena, trocas de experiências e também alinhamento político da nossa ação junto aos povos

Registro realizado durante atividade prática da Oficina de Comunicação do Cimi. Foto: Daiane Nascimento Carvalho/Regional Leste I
Aprendizado contínuo na caminhada
O processo de formação não se encerra com os cursos básicos. A Formação Continuada é um espaço de reflexão constante para missionários que já têm anos de atuação.
“Este ano, o curso trouxe experiências muito positivas. É um momento de vivência da nossa espiritualidade missionária e militante na causa indígena, trocas de experiências e também alinhamento político da nossa ação junto aos povos. E para além disso, a gente também se debruçou sobre a nossa participação enquanto Cimi nas incidências internacionais, mas, sobretudo, a autonomia dos povos de participação no sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), na questão das denúncias, das violências sofridas aqui no país e, também, para além dessa temática, a gente aprofundou um pouco a questão da comunicação e do direito dos povos nessa conjuntura da Lei 14.701, lei do marco temporal, como também da criação da Câmara de Conciliação pelo Supremo Tribunal Federal. Então, é um momento muito rico de aprendizagem, de trocas de experiências e, sobretudo, de muita vivência da espiritualidade e conexão entre os missionários”, explicou Ivanilda Torres dos Santos, secretária-adjunta do Cimi.
A caminhada, que começou com os mochileiros dos primeiros anos, continua, agora, com novas gerações que carregam a mística da luta
Para ela, a formação permanente aprofunda a compreensão das lutas originárias e mantém viva a essência do Cimi: estar com os povos, aprender com eles e fortalecer sua resistência. Ou seja, a cada novo missionário que passa pelo processo de formação, renova-se o compromisso histórico do Cimi com os povos originários. A caminhada, que começou com os mochileiros dos primeiros anos, continua, agora, com novas gerações que carregam a mística da luta e a esperança de um futuro onde os direitos originários sejam plenamente respeitados.
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*Com informações do material produzido durante as atividades práticas da Oficina de Comunicação do Cimi do curso de Formação Permanente.