04/07/2023

“Pepehi”: um ressurgir agradecido

As assembleias está sendo o caminho de reencontro trilhado pelo povo Madijá do Amazonas e Acre; as duas últimas ocorridas no mês de junho de 2023

Os Madijá foram o primeiro povo, que na década de 1990, fez sua autodemarcação. Foto: Óscar González / Cimi Regional Amazônia Ocidental

Os Madijá foram o primeiro povo, que na década de 1990, fez sua autodemarcação. Foto: Óscar González / Cimi Regional Amazônia Ocidental

Por Hortênsia Labiak Neves, Maria Eugenia Lloris Aguado, Oscar González Marquès, do Cimi Regional Amazônia Ocidental*

O povo Madijá é um povo resistente, fiel aos seus costumes e tradições, mostrando pouco interesse em viver de acordo com o sistema ocidental. Foi o primeiro povo que na década de 1990 fez sua autodemarcação, sendo pioneiros, tornando-se referência até hoje nesta luta, conseguindo ter os nove territórios demarcados, homologados e registrados.

Porém há 10 anos, os Madijá estão vivendo situações de violência, causadas pela introdução do álcool na sua sociedade e pelas políticas públicas que favorecem o maior contato e aproximação deste povo na cidade chegando até as aldeias. Sobretudo na cidade de Eirunepé e Ipixuna (AM), onde sofrem mais violência, preconceito e negligencia do governo e dos órgãos públicos. É possível ver homens, crianças e mulheres, na beira do rio, nas ruas, se envolvendo em brigas, e prostituição para obter a bebida, que são vendidas desmedidamente pelos brancos sem escrúpulos, apesar da proibição.

“Os Madijá foram o primeiro povo, que  na década de 1990, fez sua autodemarcação”

Tal situação se agravou nos últimos quatro anos, devido ao governo anti-indigenista que (des) governou o país, ante a inoperância dos órgãos de assistência social. Diante deste quadro de desassistência os Madijá preocupados e em diálogo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Amazônia Ocidental e o Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (COMIN), antigos parceiros na luta e nas demarcações, decidiram retomar as Assembleias abandonadas há cerca de 10 anos.

Desde abril de 2022, se reiniciou o processo de Assembleias do povo Madijá. Até junho de 2023 aconteceram quatro Assembleias nas aldeias: Piau, no rio Juruá, município de Eurinepé (AM), Jaminawa, no rio Envira, no município de Feijó (AC), Maronawa, no rio Purus, no município de Santa Rosa (AC), Macapá no Rio Tarauacá, no município de Envira (AM). Estas duas últimas ocorridas no mês de junho de 2023.

“Diante do quadro de desassistência os Madijá decidiram retomar as assembleias abandonadas há cerca de 10 anos”

As últimas assembleias realizadas ocorreram em junho de 2023. Foto: Cemi Kulina

As últimas assembleias realizadas ocorreram em junho de 2023. Foto: Cemi Kulina

Nessas Assembleias contaram com a presença dos caciques, lideranças, homens, mulheres, anciãos e jovens, das aldeias das calhas correspondentes a cada território, organizações indígenas da região: OPIJU (Organização dos Povos Indígenas do Juruá), CIKAJU (Conselho Indígena dos Kanamari do Juruá e Jutaí), missionários do Cimi Regional de Amazônia Ocidental, parceiros da UFAC (Universidade Federal do Acre), antigos missionários do COMIN, e parceiros indigenistas que acompanham estes povos. Foram convidados e participaram representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), das secretarias de Educação e Saúde correspondentes a cada região. O Ministério Público do Amazonas, se fez presente por meio de vídeos que foram gravados e repassados durante a assembleia.

As Assembleias foram dirigidas pelas lideranças indígenas das aldeias anfitriãs, decidiram a pauta de mutuo acordo, e os encaminhamentos surgiram por consenso. Foram realizadas cartas para a Funai, o Ministério Público Federal, prefeituras, secretarias de Educação e de Saúde Indígena, reivindicando melhores condições de educação e saúde. Ao longo da Assembleia foi assistido o vídeo da autodemarcação com a finalidade de relembrar e reavivar o espírito de autonomia e coragem como povo, frente as situações de violência e alcoolismo que sofrem. Também estiveram presentes algumas lideranças que participaram na primeira autodemarcação. Como fruto desta lembrança se firmaram novos compromissos de retomar a picada e monitorar o território e seus limites.

“É importante a abertura da picada, juntos Kashinawa e Madijá, para evitar que os brancos cheguem ao nosso território”

E assim, Daniel Kulina- coordenador da Assembleia Maronawa, afirmou, recolhendo a fala dos parentes presentes: “É importante a abertura da picada: juntos Kashinawa e Madijá [povos que compartilham o mesmo território], para evitar que os brancos cheguem ao nosso território, e pedir também que a SESAI venha conosco por se houver picada de cobra. Por isso, precisa de bússola também. Quero que fique na memória”.

As assembleias também ajudaram a revitalizar a cultura sendo sempre iniciadas com canto e dança, e intercalando os debates com mostras culturais, finalizando-os com o mariri.

A presença dos parceiros foi essencial para que o povo recuperasse as cartilhas de educação bilingue que favorecem a alfabetização do povo na língua Madijá, e que atualmente o Governo não fornece.

“É muito bom voltar para esta terra, que foi muito boa conosco. Estou muito feliz, volto para a terra que me acolheu”

Pepehi, na língua povo Madijá, significa Chega! Basta!, ou acabou. Foto: Óscar González / Cimi Regional Amazônia Ocidental

Pepehi, na língua povo Madijá, significa Chega! Basta!, ou acabou. Foto: Óscar González / Cimi Regional Amazônia Ocidental

O Regional Amazônia Ocidental percebeu algumas mudanças ao longo da realização dessas assembleias: aumento de interesse, engajamento, vontade de querer fazer diferente, de retomar os costumes e sabedoria tradicional. O CIMI festeja com os Madijá este ressurgimento, de maneira que nos permita juntos deixar para trás a sombra do que obscurece a história do povo. Como destaca Eduardo missionário do COMIN, um dos convidados que morou na aldeia Maronawa por 10 anos, e que esteve presente em uma das assembleias:

“É muito bom voltar para esta terra, que foi muito boa conosco. Naquela época a aldeia era pequena e hoje, muita criança é sinal de esperança, é como se Maronawa, saísse da terra e se fizesse uma arvore grande. Estou muito feliz. Volto para a terra que me acolheu. Muitos morreram: Kasenó, Zuaná, Maiká. Quando fomos embora levamos muita coisa conosco, agora 39 anos depois, meu filho tem 44 anos. O mais bonito que levamos do povo não é dinheiro, mas o amor que recebemos aqui. O tesouro da amizade”.

 

Explicando

Pepehi, na língua povo Madijá – que vive nas proximidades do rio Juruá, entre o Perú e o estado do Amazonas, no lado brasileiro -, significa Chega! Basta!, ou acabou. Dizem quando terminam uma história ou um mito. Também, é usado como forma de expressão, exemplo: depois de comer e querem dizer que estão satisfeitos.

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*Integram a turma de Formação Básica do Cimi, cursando a segunda e última etapa da formação. Os três fazem parte do Cimi Regional Amazônia Ocidental, compreende o estado do Acre;

** Está produção faz parte da atividade prática, realizada pelos integrantes do Curso de Formação Básica do Cimi, etapa 2, desenvolvida a partir do módulo Política de Comunicação do Cimi ministrado pela Assessoria de Comunicação da entidade.

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