58a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU tem início em Genebra com participação dos povos indígenas e Cimi
O período de sessões segue até o dia 4 de abril. O Cimi e povos indígenas se pronunciam em Diálogo Interativo, Debate Geral e nos Painéis, além de Evento Paralelo
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Organização das Nações Unidas. Foto: ONU
Teve início nesta segunda-feira, 24, a 58a Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, na Suíça. O período de sessões segue até o dia 4 de abril. A situação dos defensores e defensoras de direitos humanos, a prevenção ao genocídio e a reforma de direitos constitucionais são temas de destaque aos interesses dos povos indígenas no Brasil a serem tratados neste ciclo.
As sessões de março têm um peso político importante, pelo chamado Segmento de Alto Nível, reunindo autoridades dos Estados-membros da ONU durante a primeira semana. Conforme analistas, o segmento indica a direção dos ventos da política global de direitos humanos.
Mesmo com interferência limitada nos casos concretos, o Conselho de Direitos Humanos é um espaço onde os povos indígenas podem se apropriar de jurisprudências internacionais capazes de proteger e monitorar a aplicação de direitos, receber visitas de relatorias especiais em suas aldeias, além do Estado brasileiro ser instado a cumprir com tratados internacionais dos quais é signatário.
Como ocorre há uma década, os povos indígenas e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) tomarão parte das discussões levando à comunidade internacional os entraves, violações e presentes nos territórios e terras indígenas, obstáculos à garantia dos direitos humanos das populações tradicionais e seus integrantes.
Lideranças indígenas e representantes do Cimi participarão de forma oficial, e com direito a pronunciamento, do Debate Geral, do Diálogo Interativo e de alguns Painéis, caso da Prevenção ao Genocídio.
No próximo dia 5 de março, Evento Paralelo receberá relatora da ONU sobre Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Mary Lawlor
Haverá ainda um Evento Paralelo sobre a questão indígena no Brasil no dia 5 de março, promovido por um grupo de organizações, entre elas o Cimi, referente à temática dos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, que será alvo de debate público nesta sessão do Conselho envolvendo os Estados-membros.
No ano passado, entre setembro e outubro, uma delegação com lideranças indígenas e integrantes do Cimi esteve em Genebra para a 57a Sessão do Conselho. Por mais que haja uma linha costurando as incidências, cada sessão possui um foco destacado.
Nesta 58a sessão, a relatora da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos, Mary Lawlor, reportará à comunidade internacional no dia 6 de março suas constatações e recomendações a respeito de visitas realizadas a vários países do mundo. Em abril de 2024, Mary esteve no Brasil, onde visitou terras indígenas na Bahia e no Mato Grosso do Sul.
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A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, esteve no Brasil entre os dias 8 e 19 de abril. Foto: ACNUDH/UN
Marco temporal e a situação dos defensores e defensoras
A relatora da ONU recomendou ao Supremo Tribunal Federal (STF) prioridade no julgamento da Lei 14.701/23, a Lei do Marco Temporal, ao se referir ao Brasil no informe de 19 páginas publicado no último dia 31 de janeiro. Mary deverá reafirmar a questão durante o debate público no Conselho de Direitos Humanos.
Tramita no STF três Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre a Lei 14.701, cujo argumento lembra a Corte Suprema de que a lei contraria as 13 teses fixadas no tema 1031, e uma outra Ação Direta, mas de constitucionalidade, movida pelos partidos que aprovaram a lei no Congresso Nacional.
Mary recomenda ainda que o governo brasileiro acelere as demarcações das terras indígenas como forma de proteger os defensores e defensoras de direitos humanos
“Priorizar com a máxima urgência, em estreita colaboração com o Ministério dos Povos Indígenas e agências relevantes, a demarcação de territórios indígenas”, diz trecho do relatório.
As Relatorias Especiais são parte de um grupo de mecanismos conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. No caso da Relatoria da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos, o mandato não tem como missão se debruçar sobre o tema “povos indígenas”, senão a situação de defensores e defensoras.
No entanto, Mary entende que “grande parte da violência contra pessoas defensoras de direitos humanos no país está enraizada no conflito pela terra”.
Contrariando o que recomenda o relatório, o Estado brasileiro sinaliza para inflexões na legislação indigenista capazes de potencializar violações de direitos humanos e territoriais.
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Representantes indígenas se retiraram da mesa de conciliação sobre a Lei 14.701/2023 com manifestação e gritos de “marco temporal não!”. Foto: Tiago Miotto/Cimi
Negociação e reforma de direitos
No Brasil, se orquestra um pacote de mudanças hostil à Constituição Federal articulado a partir da Lei do Marco Temporal, cuja tese central é considerada inconstitucional pelo STF.
Ocorre que a Lei do Marco Temporal não envolve apenas sua tese central, mas também a possibilidade da exploração econômica dos territórios indígenas pela mineração, agronegócio e grandes empreendimentos. Neste enclave se estabelece a parte fundamental da conjuntura indigenista.
A negociação e a reforma de direitos constitucionais dos povos indígenas, com destaque à Mesa de Conciliação aberta no STF pelo ministro Gilmar Mendes, têm gerado não apenas apreensão e insegurança, mas também impulsionado ações judiciais de suspensão de demarcações e ondas de violência nos territórios mais vulneráveis.
Enquanto isso, o STF precisa concluir a análise dos recursos que faltam para a conclusão do processo de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas e o marco temporal.
O ministro Edson Fachin solicitou ao presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, que tenha prioridade na pauta de julgamentos. A indicação feita pelo ministro em dezembro de 2024 reconhece a relevância e a urgência da questão, após solicitação feita pelo povo Xokleng e por diversas organizações indígenas. A posição foi apoiada, no dia 23 de janeiro, por um conjunto de organizações da sociedade civil que atuam como amigas da Corte (“amici curiae”) no processo, também conhecido como Tema 1031.
A suspensão dos efeitos do processo de demarcação e o decreto de homologação da Terra Indígena (TI) Toldo Imbu, pelo ministro do STF André Mendonça, no último dia 20 de fevereiro, teve como justificativa a falta de conclusão definitiva do processo de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas e o marco temporal.