29/01/2025

Povos indígenas de Brumadinho lançam protocolo de consulta em reação às violações perpetradas pela Vale

O lançamento ocorre durante o aniversário de seis anos do rompimento da barragem de Brumadinho e em reação às violações que os povos Kamakã Mongoió e Xukuru Kariri vêm enfrentando

Povos indígenas de Brumadinho lançam protocolo de consulta em reação às violações perpetradas pela Vale. Foto: Diego Cota/Aedas

Por Maiara Dourado, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Na última semana (22), em meio às celebrações que rememoram os seis anos do crime de Brumadinho (MG), os povos Kamakã Mongoió e Xukuru Kariri, ambos situados na região, lançaram seus protocolos de consulta livre, prévia e informada. Os protocolos estabelecem diretrizes a empresas, órgãos públicos e apoiadores sobre como empreendimentos, projetos ou discussões devem ser conduzidos e consultados dentro dos territórios indígenas.

A medida é uma forma de implementar, de forma efetiva, o direito à consulta livre, prévia e informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para isso, as comunidades dos povos Kamakã Mongoió e Xukuru Kariri definiram, com o apoio de entidades parceiras como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Leste, a Cáritas Brasileira e a Rede Igrejas e Mineração Minas Gerais a forma e os critérios com os quais suas decisões serão tomadas.

“Os órgãos governamentais competentes têm que respeitar os caciques e pajés das comunidades, porque muitas vezes eles vêem as comunidades como nada, e aqui tem uma hierarquia a ser seguida”

Povos indígenas de Brumadinho lançam protocolo de consulta em reação às violações perpetradas pela Vale. Foto: Diego Cota/Aedas.

“O protocolo contém informações sobre quem é o povo Kamakã Mongoió, nossa memória, nossos anciões e sobre como deve ser feita uma consulta dentro da nossa comunidade. E, também, como nos organizamos dentro da nossa retomada”, explicou Nauru Kamakã, cacique da aldeia Kamakã Mongoió, que entende o documento como uma “ferramenta de luta, que divulga a organização do nosso território tanto para quem está nele, como para quem vem de fora”.

Para o cacique Arapowãnã, da aldeia Arapowã Kakya do povo Xukuru Kariri, o protocolo é também uma forma de sua comunidade “ter mais voz” em espaços de decisão que os afetam direta ou indiretamente. “Os órgãos governamentais competentes têm que respeitar os caciques e pajés das comunidades, porque muitas vezes eles vêem as comunidades como nada, e aqui tem uma hierarquia a ser seguida”, explicou a liderança.

O lançamento dos protocolos de consulta de ambos os povos ocorreu dentro da programação da VI Romaria pela Ecologia Integral, que lembra a morte das 272 pessoas vitimadas pela mineradora Vale

Povos indígenas de Brumadinho lançam protocolo de consulta em reação às violações perpetradas pela Vale. Foto: Diego Cota/ Aedas

O lançamento dos protocolos de consulta de ambos os povos ocorreu dentro da programação da VI Romaria pela Ecologia Integral, que lembra a morte das 272 pessoas vitimadas pela mineradora Vale no rompimento da barragem de Brumadinho. No último sábado (25), o rompimento da Barragem Córrego do Feijão completou seis anos. Até hoje, nenhum responsável pelo crime foi punido.

Retomada

Entre 2021 e 2022, os povos Kamakã Mongoió e Xukuru Kariri retomaram áreas de fazendas desocupadas após o rompimento da barragem de córrego do Feijão. A elaboração dos protocolos de consulta dos povos Kamakã Mongoió e Xukuru Kariri se insere dentro desse contexto de retomadas, “fruto da nossa luta e da nossa retomada aqui nessa região metropolitana do município de Brumadinho”, lembrou Arapowãnã.

Ambos os povos saíram de seus estados – da Bahia, no caso do povo Kamakã Mongoió, e de Alagoas, no do povo Xukuru Kariri – em peregrinações pelo Brasil na busca de terra. O longo histórico de expulsões, ameaças e deslocamentos forçados os impeliu a seguir a mesma sina de outros povos expropriados de suas terras, que buscavam ocupar uma área, ainda que fora de seu território originário. Para eles, essa era muitas vezes a única forma de garantir seus direitos territoriais, seja por meio da demarcação de seus territórios originários ou pela constituição de reservas indígenas em outras áreas.

“Eles [a Vale] viviam com drone 24 horas monitorando a comunidade. Mas o impacto maior foi falar que nós estávamos contaminando a água do açude em que as crianças e toda a comunidade tomam banho”

Povos indígenas de Brumadinho lançam protocolo de consulta em reação às violações perpetradas pela Vale. Foto: Diegos Cota/ Aedas

Foi nesse movimento em sentido à terra que os povos Xukuru Kariri e Kamakã Mongoió chegaram em Brumadinho e ocuparam áreas, até então, destruídas pelos rejeitos oriundos do vazamento da mineradora Vale. Já em posse das comunidades, essas áreas foram compradas pela mineradora. Ao transformá-las em áreas de compensação ambiental, a empresa impediu sua regularização como territórios indígenas.

“Ela [a Vale] fala que é área de compensação ambiental, mas sofremos por três meses cárcere privado, porque ela não queria deixar ninguém ter acesso, impedindo a entrada alimentos e a assistência de saúde a uma criança. Eles viviam com drone 24 horas monitorando a comunidade. Mas o impacto maior foi falar que nós estávamos contaminando a água do açude em que as crianças e toda a comunidade tomam banho”, relatou Arapowãnã.

Vale

Em março de 2024, a comunidade Kamakã Mongoió da região de Brumadinho foi impedida de enterrar uma de suas principais lideranças, o cacique Merong Kamakã, na terra por eles reivindicada.

“Foi um processo muito violento a morte do cacique Merong, principalmente a tentativa da Vale de impedir seu sepultamento naquele território”, relatou Lethicia Reis, assessora jurídica do Cimi Regional Leste, que colaborou com a construção dos protocolos de consulta dos Kamakã Mongoió e dos Xukuru Kariri.

“Para ela [ a Vale] entrar hoje dentro do nosso território, ela tem que consultar e tem que ser uma consulta livre e de boa fé. A consulta pelo nosso protocolo de consulta”

Povos indígenas de Brumadinho lançam protocolo de consulta em reação às violações perpetradas pela Vale. Foto: Diego Cota/Aedas

As restrições ao território se somavam ao assédio da imprensa em torno da morte de Merong Kamakã e de pessoas de fora da comunidade que se pronunciavam, sem autorização, em nome da mesma. “Foi aí que eles entenderam a importância de se estabelecer regras para que as pessoas se relacionassem com eles, especificamente no que envolvesse alterações no território”, explicou a advogada.

A construção dos protocolos, nesse sentido, buscava “demonstrar para as empresas, principalmente a Vale, que não é do jeito dela. Para ela entrar hoje dentro do nosso território, ela tem que consultar e tem que ser uma consulta livre e de boa fé. A consulta pelo nosso protocolo de consulta”, explicou o cacique Arapowãnã.

“É a demonstração do avanço que nós demos com a terra, cuidando da mãe terra, naquele local onde a gente tá hoje, que é a aldeia”

Povos indígenas de Brumadinho lançam protocolo de consulta em reação às violações perpetradas pela Vale. Foto: Diego Cota/ Aedas

Quase cinco anos depois da retomada do território em Brumadinho, o cacique do povo Xukuru Kariri comemora as benfeitorias feitas em uma terra que, até tempos atrás, era terra arrasada. “É a demonstração do avanço que nós demos com a terra, cuidando da mãe terra, naquele local onde a gente tá hoje, que é a aldeia”, explica a liderança.

Para Lethicia, a retomada de terras na região de Brumadinho por povos indígenas após o rompimento da barragem traz uma perspectiva de relação e ocupação com o território que é oposta à relação predatória que a Vale possui com o local. “Ela traz, na verdade,  uma nova esperança para a cidade de Brumadinho e para a relação que tem sido constituída com o meio ambiente e com a pauta socioambiental”, considera a assessora.

Acesse os protocolos de consulta dos povos Kamakã Mongoió e Xukuru Kariri.

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