Indígenas Avá Guarani da TI Tekoha Guasu Guavirá sofreram novo ataque neste domingo (29), no oeste do Paraná
A ataque iniciou no domingo (29) e prosseguiu pela madrugada desta segunda (30); “Enquanto não matar uns 10 caras desse, vai continuar essa patifaria”, sustenta um homem não identificado, em áudio pelo WhatsApp
O povo Avá Guarani, do tekoha Yvy Okaju (antigo tekoha Y’Hovy), na Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, localizada no município de Guaíra, oeste do Paraná, sofreu novo ataque na noite deste domingo (29), e a madrugada desta segunda-feira (30). Em 2023, a comunidade sofreu ataques a tiros às vésperas do Natal, nos dias 23 e 24 de dezembro.
Ontem (29/12), os Avá Guarani foram surpreendidos por pessoas que atearam fogo na vegetação e plantações. Incendiaram um dos barracos e depois realizaram disparos de arma de fogo e lançaram bombas contra a comunidade. Os indígenas, inclusive crianças, se protegeram atrás de uma árvore e em meio a vegetação.
“Os juruá [não indígenas] estão invadindo os barracos dos Guarani e dando muitos tiro”
“Os juruá [não indígenas] estão invadindo os barracos dos Guarani e dando muitos tiros”, descreve uma das lideranças, que não será identificada devido a intensidade dos conflitos na região. Seu relato vai de encontro aos vídeos registrados pela comunidade durante o ataque.
Representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul estiveram no tekoha Yvy Okaju e ouviram o relato dos Avá Guarani. “Os tiros partiram de uma distância de uns 10 metros do último barraco mais próximo ao asfalto e a uma altura para matar”, assim confirma a família que foi atacada. “Sobreviveram porque se ampararam atrás de uma árvore e de um elevado de terra, ao lado do barraco. Quando atiraram, os indígenas se protegeram e depois se esconderam no mato, no capim alto. Então, avançaram e tocaram fogo no barraco dos Avá”, conta um dos missionários do Cimi.
Apesar da violência até o momento não há registros de feridos, porém as famílias estão sem nenhum tipo de abrigo, alimentos e até mesmo água potável para beber.“Os tiros partiram de uma distância de uns 10 metros do último barraco mais próximo ao asfalto e a uma altura para matar”
Áudios que circulam pelo WhatsApp, que nossa equipe teve acesso por meio das lideranças, demonstram como os indígenas têm sido tratados no oeste do Paraná. Em um deles, um homem não identificado, sustenta, “enquanto não matar uns dez caras desse aí, vai continuar essa patifaria”. Em outro trecho do áudio o sujeito afirma, “enquanto isso não acontecer, vai ficar com essa patifaria aí, ó, querendo invadir tudo aí. Eles têm que saber quem é que manda aqui. Não é só a lei lá de cima não”, e assim encerra o áudio.
“Enquanto não matar uns dez caras desse aí, vai continuar essa patifaria”
Outra liderança, que também não vamos identificar por estar ameaçada de morte, conta que “se uma pessoa sair ferida é culpa da Força Nacional, porque a gente falou com a Força Nacional e só falaram que ninguém falou nada pra eles lá de cima [instâncias superiores]. Que ninguém ordenou para eles ficarem ali como ponto”, completa o relato.
Temendo novos ataques, inclusive durante o recesso de fim de ano, os Avá-Guarani acionaram a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), a Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai), o Ministério do Povos Indígenas (MPI) e demais órgãos competentes. Porém, “a equipe da Força Nacional que atua na região não tem demonstrado interesse em conter a violência, porque mesmo sendo acionada, a equipe só se fez presente no tekoha após a Polícia Militar chegar”, denunciam as lideranças.
“A equipe da Força Nacional que atua na região não tem demonstrado interesse em conter a violência”
Segundo relato dos indígenas, a FNSP justificou a inoperância por não saber onde fica o tekoha, “enquanto isso os tiros estão correndo solto, os brancos conseguiram queimar uma barraca nossa, eles vieram atirando contra nós”, denúncia a lideranças que tem sua vida ameaçada.
O pedido dos Avá Guarani é para que a Força Nacional se desloque, o que aconteceu nesta nesta segunda (30), mas também que se mantenha na área de conflito para conter as agressões. São noites de angústia e desespero e os indígenas temem novos ataques neste final de ano, assim como foi em 2023. “Uma triste e violenta história que se repete, se a Força Nacional não atuar como deve, vai acontecer o pior”, prevê uma das lideranças alvo de ameaças por lutar pelo território tradicional.
“Uma triste e violenta história que se repete, se a Força Nacional não atuar como deve, vai acontecer o pior”
A Portaria Nº 812 do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) instituiu em 21 de novembro de 2024 o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Fundação Nacional dos Povos Indígenas, no estado do Paraná.
Na tarde desta segunda (30), uma equipe de peritos da Polícia Federal esteve no tekoha Yvy Okaju e coletou pelo menos 13 capsulas e uma munição não detonada, ou seja, uma bala inteira não deflagrada, todas de calibre 38. Dado o local onde foram encontradas as munições corroboram o relato dos indígenas de que “os tiros foram deflagrados a pouco mais de 10 metros, e para matar mesmo”.
O Cimi Regional Sul acompanha o caso, mais informações sobre o assunto serão atualizadas no site e nas redes sociais da entidade.
“A perícia da Polícia Federal esteve no tekoha e coletou 13 capsulas e uma munição letal não detonada, todas de calibre 38”
Aviso prévio
Devido aos constantes ataques que enfrentam naquela área, os Avá Guarani rebatizam o nome da aldeia Y’Hovy para Yvy Okaju. O rito tornou-se público durante a II Assembleia Ava Guarani Ñomongeta”, realizada entre os dias 23 e 24 de novembro deste ano, registrado no documento final da assembleia e levado ao conhecimento das autoridades.
Durante o evento, os Avá Guarani também lançaram um “S.O.S ALDEIA YVY OKAJU CORRE RISCO DE EXTERMÍNIO”. No documento afirmam ter recebido um recado com novas ameaças e destacaram: “recebemos um recado de que no dia 25 de dezembro de 2024 os brancos estão se organizando para fazerem um novo ataque contra a nossa comunidade”. O ataque não ocorreu no dia de Natal, mas quatro dias depois, confirmando a ameaça recebida pelos indígenas e denunciada ainda em novembro.
Segundo os Avá Guarani, “desde que iniciamos a autodemarcação os brancos, em forma de crime organizado começaram a invadir a nossa área de ocupação, e continuam até hoje aumentando cada vez mais”. Na carta os indígenas ainda fazem uma alerta, “se mais vez houver derramamento de sangue Ava Guarani, todas as autoridades competentes carregarão culpa por não terem feito nada”.
Confira o documento na íntegra, aqui.
Ataques incessantes“Desde a autodemarcação os brancos começaram a invadir a nossa área de ocupação, e continuam até hoje aumentando cada vez mais”
O tekoha Yvy Okaju compõem a Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, que engloba áreas dos municípios paranaenses de Altônia, Guaíra e Terra Roxa e por cuja demarcação o povo Avá-Guarani luta há décadas. A regularização desta TI segue paralisada por determinação judicial, com base no marco temporal.
Desde julho, as comunidades da TI Tekoha Guasu Guavirá enfrentam uma série de ataques armados, que deixaram barracos destruídos, indígenas feridos por atropelamentos propositais e por disparos de arma de fogo, vários feridos com gravidade. A violência contra as comunidades motivou a manutenção da Força Nacional de Segurança Pública na região, além de idas de autoridades do governo federal e de uma Missão de Direitos Humanos ao território.
“Em 2023, às vésperas do Natal, os Avá Guarani sofreram ataques com armas de fogo e suspeita de atuação de milícias armada”
Em 2023, às vésperas do Natal, os Avá Guarani (23 e 24 de dezembro) sofreram ataques com armas de fogo, cachorros “torturados” e suspeita de atuação de milícias armadas. A região tem um histórico de violência e conflitos com invasores, também a busca por reparação pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Um ano depois, vários ataques ocorreram, e a avaliação dos Avá Guarani é de que a atuação da FNSP não tem sido efetiva para conter os ataques, e punir os responsáveis pelos ataques.
“Em 2023, às vésperas do Natal, os Avá Guarani sofreram ataques com armas de fogo e suspeita de atuação de milícias armadas”
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