Juventude Xukuru Kariri cobra demarcação de TI e suspensão da Lei do Marco Temporal em encontro
O VIII Encontro da Juventude Xukuru Kariri teve como tema ‘A Juventude se Fortalecendo com os Saberes Ancestrais: Guardiões de Memória do Território do Povo Xukuru Kariri’
A juventude do povo Xukuru Kariri, pelo oitavo ano seguido, se reuniu, em encontro que, cada vez mais, se consolida no calendário de lutas dos povos indígenas do Nordeste, com a certeza de que para enfrentar as ameaças aos projetos de vida e ao “futuro ancestral” é necessário fortalecer as conexões do passado com o presente.
O VIII Encontro da Juventude Xukuru Kariri, com o tema ‘A Juventude se Fortalecendo com os Saberes Ancestrais: Guardiões de Memória do Território do Povo Xukuru Kariri’, que ocorreu durante os dias 10 e 12 deste mês, na Terra Indígena Xukuru Kariri, município de Palmeira dos Índios (AL), também pode suscitar uma reflexão mais ampla: nos saberes ancestrais é possível encontrar alternativas aos enclaves vivenciados pelos povos indígenas.
Justamente por isso, a juventude Xukuru Kariri tratou de uma das principais ameaças aos direitos indígenas: a Lei 14.701/23, a chamada Lei do Marco Temporal. “Guiados pela sabedoria de nossos anciões e ancestrais, que nos ensinaram a ser guardiões da memória e da terra, reiteramos que a terra é a base de nossa existência e resistência”, diz trecho da carta do VIII Encontro.
Para os participantes do encontro, o Estado brasileiro deve concluir a demarcação da Terra Indígena Xukuru Kariri, “uma dívida histórica que se arrasta e que é a maior prova de desrespeito com nossas vidas e ancestralidade”. A demarcação está parada. O governo federal não pretende desagradar grupos políticos influentes que detêm vastas áreas da Terra Indígena.
Ao passo que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em face de ações judiciais impetradas na Corte Suprema contra e a favor da Lei 14.701/23, optou por não suspender os efeitos da lei e abrir uma Câmara de Conciliação, que pretende mudar a forma como se demarca terras indígenas no Brasil.
“Não aceitaremos qualquer decisão que legalize o roubo de nosso chão e a destruição de nossos modos de vida. A terra é a base de tudo e dela depende nossa saúde, educação e o futuro das próximas gerações”, diz trecho da carta. Conforme a juventude Xukuru Kariri, as conciliações que o Estado propõe envolvem beneficiar o latifúndio reduzindo demarcações.
Leia a carta na íntegra:
CARTA FINAL DO VIII ENCONTRO DA JUVENTUDE XUKURU KARIRI: SE FORTALECENDO NOS SABERES ANCESTRAIS
Nós, juventude Xukuru-Kariri, com as lideranças das aldeias: Mata da Cafurna, Fazenda Canto, Cafurna de Baixo, Coite, Serra do Capela, Boqueirão, Serra do Amaro, Jarra juntamente com parceiros/as e aliados/as de caminhada CIMI, UFAL, UNEAL, DIOCESE DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS, UFPE, FUNAI, DSEI, INSTITUTO VOZES QUILOMBOLA, CARITAS DIOCESANA DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS, MCP, SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS, SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS, CESMAC, e representantes dos povos GERIPANCO, WASSÚ COCAL, KARAPOTÓ PLAKI-Ô, KARAPOTÓ TERRA NOVA, KATOKINN, KARUAZÚ, KRAUNÃ, KARIRI-XOCÓ E XOKÓ nos reunimos na aldeia da Mata da Cafurna, reunidos no VIII Encontro da Juventude, realizado nos dias 10, 11 e 12 de outubro.
Neste ano, escolhemos como tema do Encontro: “A JUVENTUDE SE FORTALECENDO COM OS SABERES ANCESTRAIS: GUARDIÕES DE MEMÓRIA DO TERRITÓRIO DO POVO XUKURU KARIRI”. Foram dias bastante intensos, de riqueza nas discussões, de descobertas coletivas, de crescimento para nossa caminhada, de formação comunitária, de novos aprendizados, de muita luz e esperança. Sob a força de nosso Toré, dos anciões, guardiões de nossa cultura, recebemos energias para as reflexões que travamos. Compreendemos que o atual momento de luta do povo Xukuru Kariri não se trava sozinho, tão pouco isolado. Realizamos diversas mesas de debate temático e rodas de conversas, em torno da análise de conjuntura, as memórias vivas e o legado Xukuru Kariri, os saberes ancestrais enquanto força que constrói nossa identidade étnica. Debatemos sobre o Marco Temporal, território e territorialização e a questão fundiária do território Xukuru Kariri; a inserção e permanência do indígena no nível superior a continuidade de formação de professores/as indígenas, discutimos também os desafios para a efetivação da saúde diferenciada. afirmamos nosso compromisso inabalável de fortalecer nossa identidade, nossa cultura e nossa luta por justiça. Guiados pela sabedoria de nossos anciões e ancestrais, que nos ensinaram a ser guardiões da memória e da terra, reiteramos que a terra é a base de nossa existência e resistência.
A terra, para o povo Xukuru Kariri, é a força da vida. É ela que sustenta nossos corpos e espíritos, com seus elementos sagrados como o ouricuri, que dá nome aos nossos rituais e é o pilar de nossa identidade. O Ouricuri é o símbolo de nossa permanência e de nosso vínculo ancestral com este território. Os elementos que a terra nos oferece, assim como seus rios, ventos e montanhas, são mais do que recursos, são manifestações vivas daquilo que somos enquanto povo. Sem terra, não há cultura, não há saúde, não há educação, não há futuro. Não aceitamos o avanço de empreendimentos dentro das áreas delimitadas da demarcação, a exemplo do balneário recentemente construído com aval do poder público local.
Exigimos, de forma intransigente, que o Estado brasileiro conclua a demarcação do território Xukuru Kariri, uma dívida histórica que se arrasta e que é a maior prova de desrespeito com nossas vidas e ancestralidade. Nossa existência não será negociada ou apagada por interesses econômicos ou políticos. O reconhecimento integral de nossos territórios é um direito que nos pertence por natureza e justiça.
Repudiamos com veemência toda e qualquer ação que vise destruir ou enfraquecer nossa existência. A tese do Marco Temporal é um ataque frontal aos povos originários e à história deste país, uma tentativa de apagar nossas raízes e abrir caminho para a exploração indiscriminada de nossas terras. Não aceitaremos qualquer decisão que legalize o roubo de nosso chão e a destruição de nossos modos de vida. A terra é a base de tudo e dela depende nossa saúde, educação e o futuro das próximas gerações.
A educação, para nós, é um caminho de fortalecimento coletivo, onde aprendemos a defender nossa cultura e a lutar por nossos direitos (infraestrutura, criação do cargo de professor indígena, concurso público específico e diferenciado). No entanto, sem terra, a educação perde seu sentido, pois ela é parte da nossa vivência ancestral e está diretamente ligada aos saberes que brotam do solo. Da mesma forma, a saúde indígena só existe onde a terra é respeitada, onde nossos rituais e plantas sagradas continuam a ser fontes de cura e equilíbrio.
Não estamos apenas pedindo, estamos exigindo o que é nosso por direito. O respeito aos povos indígenas, e de maneira especial ao povo Xukuru Kariri, passa pela garantia plena de nossos territórios e pela defesa intransigente de nossas culturas e saberes. Não aceitaremos retrocessos ou omissões.
Continuaremos a lutar por um mundo justo e equânime para nós e para todo o povo brasileiro. Estamos bastantes preocupados com o nível das tensões do oriente Médio e a escalada de guerras no mundo, isso afeta todas as pessoas. Somos a favor da paz, do diálogo, da harmonia entre as culturas. Não compactuamos com aqueles/as que pregam racismos, separações, discriminações e ódios. Mais uma vez precisamos aprender a viver juntos com nossas diferenças. Nossa querida Mãe Terra, casa comum de todos nós, nos ensina constantemente: somos seres interdependentes, precisamos uns dos outros, por isso acreditamos que podemos, solidariamente, superar o abismo da maldade e aprender a (com)viver respeitando e cuidando da Terra.
Em nosso VIII Encontro, as discussões geradas, nos uniram ainda mais na compreensão da defesa da vida de nosso povo e dos demais povos. Queremos fortalecer a unidade entre as comunidades Xukuru Kariri, realizar trabalhos cooperativos, superar dificuldades, defender nossas escolas, tradições, aprimorar a saúde indígena, dispor ainda mais de uma consciência ecológica, base e futuro da humanidade.
Agradecemos aos nossos anciãos, que continuam a nos guiar com sua sabedoria, e a cada pessoa que colaborou para que este encontro acontecesse. Agradecemos, com o coração e a memória, aos que já partiram deste plano, mas cujas vozes ecoam em nossas lutas: Maninha Xukuru-Kariri, Maria Luiza,José Augusto Santana, Miguel Celestino, Gecivaldo Xukuru-Kariri, Raquel Xukuru Kariri, José Francelino. E aos que presentes fortalecem a luta trazendo seus ensinamentos, Francisco Januário, Marlene Santana, Antônio Celestino e todos os outros que seguem presentes e firmes na caminhada.
Em nome da juventude Xukuru Kariri, nos comprometemos a continuar firmes, honrando nossos ancestrais e defendendo a terra que é nossa vida.
Comissão de Jovens Xukuru Kariri
Aldeia Mata da Cafurna, Palmeira dos Índios, Alagoas, 12 de outubro de 2024