33% de defensores e defensoras acompanhados por Programa de Proteção são indígenas; ONU pede “reforma radical”
O estado com mais casos acompanhados pela Equipe Federal do PPDDH é o Mato Grosso do Sul, com 37 indígenas. Dez estados possuem programas estaduais
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A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, ao apresentar declarações finais da visita ao Brasil, ocorrida em abril desse ano, fez críticas ao Programa de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH).
O programa, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, “tem a finalidade de articular medidas para a proteção de pessoas, grupos e comunidades que, em decorrência de sua atuação na defesa dos direitos humanos, estão em situação de risco ou sofrem ameaças”, diz o artigo 1º, do Decreto nº 11.867, de 2023.
“Parece ser inadequado para o propósito e precisa de uma reforma radical”, recomendou Mary. De forma resumida, a relatora da ONU entende que o PPDDH é um mecanismo de proteção essencial, mas carente de ajustes. Alguns deles importantes. Atualmente, o programa funciona sob efeito de decreto da Presidência da República, ao contrário do recomendado pela relatora: o programa precisa de uma legislação específica.
A política de proteção foi uma conquista histórica da sociedade civil, criada no ano de 2004, mas que conforme especialistas e organizações dos movimentos sociais sofreu ao longo dos anos diversos processos de enfraquecimento.
A Equipe Federal do PPDDH informou à reportagem que acompanha 271 casos, sendo 90 deles de defensores e defensoras indígenas espalhados em dez estados, representando 33% dos casos.
O estado com mais casos acompanhados pela Equipe Federal é o Mato Grosso do Sul, com 37. Na sequência vem Rondônia, com 20, e Roraima, com 10 casos. A Equipe Federal cuida ainda de oito casos em Santa Catarina, sete em Alagoas, três no Piauí e dois no Tocantins. Acre, Distrito Federal e São Paulo possuem um caso cada.
Conforme a conclusão prévia da relatora da ONU, o Estado brasileiro precisa ampliar o acompanhamento direto aos estados em que há convênio com organizações da sociedade civil, que para ela não é a condição ideal de proteção aos defensores e defensoras, e também aos estados que sequer possuem o Programa Estadual de Proteção.
Programa estadual
Os programas de proteção estaduais, conforme apuração junto a fontes que preferem não se identificar, funcionam sem estrutura, estão sendo precarizados, falta ou atraso de repasses e estão envolvidos por incertezas em seus funcionamentos. Nos últimos anos, não são raros os casos de salários que ficaram meses atrasados.
De dez programas de proteção estaduais em funcionamento (Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul), pelo menos três sofrem com atraso no repasse de recursos, conforme o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH).
Entre esses estados, a Bahia lidera o número de defensores e defensoras de direitos humanos incluídos no programa: 76. Ainda no Nordeste, Pernambuco possui uma equipe que assiste 22 indígenas; no Ceará, 18. Já na Paraíba, seis indígenas são protegidos pelo programa. No Mato Grosso, 16 pessoas indígenas são acompanhadas e em Minas Gerais, 14.
No caso do Amazonas, há uma equipe regional, o que é diferente do programa estadualizado. Lá são 35 defensores e defensoras de direitos humanos indígenas assistidos. Nos estados em que não há convênio algum, nem estadual ou regional, a Equipe Federal assume, sendo o Rio de Janeiro um exemplo recente: não houve a renovação do convênio e os casos foram levados para a esfera federal.
Entre as lideranças indígenas, o consenso é de que o PPDDH se mostra fundamental, mas com problemas importantes, caso da escolta policial. “A gente tem até medo de pedir porque quando tem a escolta é feita por policiais da região que na maioria das vezes são aliados de quem quer nos matar. Outra é que só colocar câmeras não resolve pra evitar um atentado”, disse um indígena acompanhado pelo programa que não iremos identificar por motivos de segurança.
Articulação reforça críticas
No contexto da visita da Relatora da ONU, o CBDDH, articulação composta por 48 organizações e movimentos sociais, apresentou uma carta aberta apontando três pontos centrais sobre a política de proteção no Brasil: o funcionamento do Grupo de Trabalho de construção do Plano Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (GTT Sales Pimenta), instalação do Conselho Deliberativo do Programa de Proteção às Testemunhas Ameaçadas (ConDel) e precarização da política de proteção.
“É uma carta que convoca ao governo a priorizar a política pública, e denúncia à relatora e à sociedade, todo o cenário que temos vivenciado tem o propósito de apresentar a importância do fortalecimento da política pública de proteção, que sofre um processo preocupante. Proteger as defensoras e defensores de direitos humanos é uma obrigação que deve ser abraçada pelo Estado brasileiro como condição fundamental para a manutenção da democracia e, a sociedade civil que assina a presente nota, está atenta e atuante para exigir que isso seja cumprido”, diz trecho da carta.
O CBDDH ressalta a baixa execução orçamentária, falta de participação social e transparência, baixa institucionalização, falta de estrutura e equipe para atendimento da demanda, diminuição de casos incluídos no âmbito federal, insegurança política na gestão, inadequação quanto à perspectiva de gênero, raça e classe na política e demora, insuficiência e inadequação das medidas de proteção.
Para o Comitê, é necessário que o Estado Brasileiro “assuma o compromisso de proteção às defensoras e defensores de direitos humanos, com o fortalecimento dos espaços de participação e com a destinação de recursos adequados, que sejam capazes de garantir ao GTT Sales Pimenta condições efetivas de atuação e participação qualificada da sociedade civil no processo”.
Da mesma forma, defende o CBDDH na carta, é necessário que haja o restabelecimento de um Conselho Deliberativo do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, em tempo razoável, garantida a participação social de maneira paritária.