25/04/2024

Secretário da Sesai defende no ATL nova Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas

O secretário Weibe Tapeba afirmou que a atenção à saúde deve ocorrer dentro dos territórios, com pronto-atendimento

O secretário da Sesai, Weibe Tapeba, durante plenária do ATL sobre saúde indígena. Foto: Than Pataxó/Apib

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Nordeste

No terceiro dia da 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), nesta quarta-feira (24), na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), o secretário da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba, prestou contas da gestão, defendeu a Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AgSUS) e declarou: “o subsistema (de Atenção à Saúde Indígena – SasiSUS) não dá conta mais da nossa realidade”.

Uma das principais críticas do secretário é sobre o atual formato de convênios que a Sesai celebra por meio de edital público com organizações sociais para a prestação dos serviços de atenção à saúde indígena. “Inúmeros órgãos de fiscalização do governo apontam irregularidades e inconsistências na aplicação dos recursos por estes convênios”, afirmou.

Para o secretário, à frente da pasta desde o governo de transição, é preciso mudar a lógica da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI). O Tapeba anunciou que uma nova portaria está sendo pensada por um Grupo de Trabalho (GT). Para isso, informou, ao menos cinco seminários regionais serão realizados com o objetivo de ouvir os povos para que a Sesai reelabore de forma “ousada, audaciosa e progressista” a PNASPI.

Tendo como objetivo essa mudança na política nacional, e em face do Decreto da Presidência da República que criou a AgSUS (leia mais abaixo), o secretário informou que os convênios serão prorrogados por chamamento público até o próximo dia 31 de dezembro. Ato contínuo, o GT da Sesai está constituído para formular uma nova proposta ao PNASPI e seguirá com os trabalhos de estudo e consulta prévia.

Atendimento na própria Terra Indígena 

Conforme o secretário, a atual gestão da Sesai entende que terras indígenas onde vivem “10 mil, 20 mil, 30 mil indígenas deveriam ter policlínicas, unidades de pronto-atendimento e laboratórios de análises clínicas”. Ou seja, o atendimento de saúde deve ocorrer prioritariamente dentro das aldeias. Weibe Tapeba explicou que há a necessidade de novos atos normativos para ampliar a cesta de medicamentos, que em sua opinião é limitada.

“Um outro ponto importante é a regulamentação das categorias de AIS (Agentes Indígenas de Saúde) e Aisan (Agentes Indígenas de Saneamento). São 6.098 indígenas contratados, lotados nos 34 DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas) e atuando na atenção à saúde em suas respectivas comunidades”, disse. No total, são 22.925 mil trabalhadores na saúde indígena espalhados pelo país – no final de 2022, esse número era de 13.587.

Há seis anos tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL) apresentado pela então deputada federal Joenia Wapichana (Rede/RR), hoje presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), visando a regulamentação das categorias de AIS e Aisan. “Já estamos em articulação com as lideranças do governo no Congresso Nacional para criar um ambiente político para a aprovação desse PL”, declarou Weibe Tapeba.

A plenária que debateu temas relativos à saúde indígena teve especial atenção à AgSUS: medida controversa do governo federal adotada sem consulta prévia. Foto: Than Pataxó/Apib

AgSUS: a controvérsia 

A AgSUS segue sendo a principal controvérsia entre a gestão pública e o movimento indígena. Em 20 de novembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva regulamentou a AgSUS, através do Decreto 11.790, para substituir a Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS), criada pelo governo anterior para gerir, com especificidade, o programa “Médicos pelo Brasil”.

A agência está vinculada ao serviço social autônomo, tendo sido instituída na forma de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública. Tem como finalidade promover, em âmbito nacional, a execução de políticas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena e da atenção primária à saúde, em caráter complementar e colaborativo com a atuação dos entes federativos.

Representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) apresentaram o entendimento de que repassar para a AgSUS as funções estratégicas da saúde indígena, além de ferir o legítimo direito de consulta dos povos, promove a privatização da gestão, enfraquece o controle social e decreta o fim da autonomia dos Dsei’s.

O secretário Weibe Tapeba rebateu essa análise afirmando que a AgSUS “vai atuar sob a coordenação e orientação do Ministérios da Saúde. (Ela) não tem vontade própria, o Ministério da Saúde é que decide onde ela vai atuar. Conforme seu regimento interno, quando a AgSUS for executar ação determinada pelo ministério, a fará sob um contrato de gestão (…) a Sesai fará um contrato de gestão com a própria AgSUS”.

Não haverá ações “por vontade própria da AgSUS”, disse. Ele afirmou que a AgSUS não terá dotação orçamentária própria. “A Sesai é quem contrata a AgSUS”, destacou. Para o secretário, o formato facilita a fiscalização dos contratos de execução da política de atenção à saúde, o que atualmente considera difícil de ocorrer e o que explica a quantidade de irregularidades encontradas pelos órgãos de fiscalização do Estado.

Para as organizações e lideranças indígenas críticas à AgSUS, o governo Lula promove uma ingerência da iniciativa privada no SUS e, por especial interesse de alguns setores privados, na política de atenção à saúde indígena. Por outro lado, há consenso entre o movimento indígena e suas organizações com a Sesai de que o atual formato de convênios não atende às necessidades e está tomado por irregularidades.

“A discussão não chegou nas bases pra vermos se de fato vai atender a nossa população indígena”, Ivanildes Guarani Mbya

Falta de consulta prévia 

A AgSUS não é a primeira tentativa de mudança na execução de políticas de atenção à saúde indígena. Nos governos da presidente Dilma Rousseff, entre 2010 e 2016, tentou-se criar o Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI). As ações e serviços em saúde seriam executadas por empresários da iniciativa privada, aos moldes da Rede Sarah, que gerencia hospitais como o Sarah Kubitschek, em Brasília.

Ocorre que organizações e lideranças indígenas apontam que, tal como no caso do INSI, não houve e ainda não há debates acerca da criação da AgSUS tampouco no âmbito da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), espaços de controle social que se somam aos conselhos distritais de saúde indígena. No caso do INSI houve a tentativa de um decreto, mas acabou sendo vazado e combatido pelo movimento indígena.

Ivanildes Guarani Mbya, da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), se mostrou preocupada porque “a discussão não chegou nas bases pra vermos se de fato vai atender a nossa população indígena. Quem segura a saúde indígena são as bases. Lembro que na gestão anterior a gente foi pra rua defender a saúde indígena. Como é do nosso interesse, é importante que isso seja discutido na base”.

Os críticos à AgSUS apontam ainda que o formato acaba com a obrigatoriedade de contratar agentes indígenas de saúde e demais profissionais indígenas que prestam serviços nos Dsei’s, porque o responsável pela contratação será o empresário conveniado, que visará a lucratividade a partir de seus serviços e irá buscar a mão de obra técnica que melhor atender aos seus objetivos e custos financeiros.

Há também preocupação com a perspectiva da assistência diferenciada, com vínculos agregados aos conhecimentos tradicionais, às casas de reza, aos pajés e à medicina associada à terra e ao mundo dos encantados. Não são poucas as falas dando conta de que este modo diferenciado perde força e estará condicionado à perspectiva empresarial, que se adequa ao modo do mercado.

Os indígenas ouviram com atenção Weibe Tapeba, secretário da Sesai, e apresentaram suas opiniões a respeito da AgSUS e críticas ao subsistema de saúde indígena. Foto: Than Pataxó/Apib

Sesai: gestão de reconstrução

A prestação de contas do secretário Weibe Tapeba serviu ainda para constatar o enorme passivo gerado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, e como parte da atual gestão da Sesai tem sido de reconstrução e atendimento da “demanda reprimida”. No final de 2022, o governo pretendia cortar 59% do orçamento da Sesai para o ano seguinte. O movimento indígena protestou e o governo de transição manteve o orçamento.

“Nós não só evitamos esse corte como aumentamos em 52% o orçamento da saúde indígena. Estamos crescendo. Reconhecemos que o passivo é gigante. Há demanda reprimida de unidades de saúde, saneamento, equipamentos, apoio aos trabalhadores, mais insumos. Para isso, ampliamos a capacidade de aporte financeiro da Sesai com projetos e linhas de financiamento disponíveis e nunca utilizadas”, disse Weibe Tapeba.

O secretário citou as negociações com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo Amazônia para financiar a saúde indígena em até R$ 300 milhões. Com o Proad SUS, a Sesai conseguiu R$ 30 milhões para, entre outras atividades, financiar a realização de exames preventivos para mulheres e adolescentes indígenas, tendo como foco o combate ao câncer de útero.

Se até 2022 o número de profissionais do Mais Médicos caiu para menos de 150, em 2023 a Sesai registrou 562 médicos do programa atuando em terras indígenas. Além disso, Piaui e Rio Grande do Norte passarão, neste ano, a ter a cobertura do Subsistema de saúde Indígena de forma inédita. O Fundo de Integração do Mercosul irá apoiar com recursos o trabalho do subsistema nas terras indígenas em região de fronteira.

Já o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinará, também de forma inédita, recursos para a saúde indígena na ordem dos R$ 132 milhões para resolver um dos principais passivos da Sesai: o saneamento básico. “Cerca de 20% de todos os territórios indígenas têm acesso à água potável. Temos um grupo discutindo como ampliar o serviço e se continuar no atual ritmo, nem em 50 anos conseguimos resolver o passivo”, disse o Tapeba.

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