Plenário do STF confirma suspensão do Parecer 001/2017 da AGU, que aplicava marco temporal, sobre terra Xokleng
Justificativas do Parecer, publicado sob o governo Temer, são semelhantes aos utilizados pelo Congresso para aprovar Lei do Marco Temporal em 2023
Na última sexta-feira (19), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em votação plenária e por unanimidade, por manter a suspensão do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), que buscava inviabilizar a demarcação das terras indígenas no Brasil.
A decisão se aplica apenas ao território do povo Xokleng, em Santa Catarina, e confirma a determinação estabelecida quatro anos atrás, em fevereiro de 2020, pelo ministro relator Edson Fachin. Na ocasião, o ministro suspendeu, liminarmente, os efeitos do “Parecer Antidemarcação”, como ficou conhecida a medida, sobre a Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ.
A decisão se aplica apenas ao território do povo Xokleng, em Santa Catarina, e confirma a sentença dada quatro anos atrás, em fevereiro de 2020, pelo ministro relator Edson Fachin
A medida cautelar, agora referendada pela plenária da Suprema Corte, resulta de um pedido da comunidade feito dentro do processo da Ação Cível Originária (ACO) 1100, que discute a demarcação da terra indígena do povo Xokleng. Com a decisão, a suspensão do parecer fica mantida até o final do processo, com o julgamento do mérito da ação.
Em uma decisão anterior de maio de 2020, o STF, em um pedido de igual conteúdo, suspendeu o parecer para todos os processos de demarcação de terras indígenas. Esta suspensão do Parecer, de caráter nacional, foi determinada pelo STF no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, de repercussão geral, que discute os direitos territoriais indígenas.
A medida cautelar, agora referendada pela plenária da Suprema Corte, resulta de um pedido da comunidade Xokleng feito dentro do processo da Ação Cível Originária (ACO) 1100
Nesta decisão, também dada de forma liminar, a Suprema Corte determinou a suspensão do parecer da AGU até a conclusão do julgamento do recurso extraordinário de repercussão geral em discussão na Suprema Corte.
O julgamento do mérito do processo, finalizado em setembro do ano passado, decidiu pelo afastamento da tese que buscava estabelecer um marco temporal como critério para demarcação das terras indígenas. Hoje, contudo, a tese ressurge por meio da Lei 14.701, promulgada pelo Congresso meses após a decisão do STF.
Hoje, contudo, a tese ressurge por meio da Lei 14.701, promulgada pelo Congresso meses após a decisão do STF
Tanto o Parecer 001 como a Lei 14.701 possuem em seu bojo a tese do marco temporal, gerador de um conflito irresoluto que tem envolvido os Três Poderes da República, além de um conjunto de restrições à demarcação de terras indígenas. A disputa tem colocado em questão os direitos originários dos povos indígenas, reconhecidos pelo STF como cláusula pétrea da Constituição Federal.
Para Rafael Modesto, advogado da comunidade Xokleng e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a decisão é importante porque confirma o entendimento do Supremo sobre a tese do marco temporal, que constitui a base dessas normativas, tanto do parecer 001, como da Lei 14.701.
Tanto o Parecer 001 como a Lei 14.701 possuem em seu bojo a tese do marco temporal
“Essa decisão referendada pelo Supremo nesta sexta-feira, dia 19 de abril, dia dos povos indígenas é importante porque reforça o entendimento tomado em setembro de 2023 com relação a inconstitucionalidade da tese do marco temporal. É um enunciado de que a lei 14.701 também deve ser afastada e declarada inconstitucional, porque, de fato, ela afronta as decisões que o Supremo tem tomado ao afastar a tese do marco temporal do nosso universo jurídico”, esclarece Rafael.
Parecer antidemarcação
Emitido em 2017, ainda durante o governo do ex-presidente Michel Temer, o parecer da AGU aplicava uma série de restrições à demarcação de terras indígenas no âmbito da administração pública federal, dentre elas a tese do marco temporal. O parecer, nesse sentido, serviu não só para barrar processos de demarcação, como para reverter aqueles já concluídos ou em andamento.
No início de 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça (MJ), sob a ordem de Sérgio Moro, devolveu os processos demarcatórios de ao menos 17 terras indígenas à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), utilizando como base o Parecer 001/2017. Sob o mesmo argumento, outras cinco terras que aguardavam a homologação também foram afetadas, assim como vários outros processos demarcatórios que foram paralisados.
O parecer, nesse sentido, serviu não só para barrar processos de demarcação, como para reverter aqueles já concluídos ou em andamento
Na época, o parecer também vinha sendo utilizado como justificativa para o abandono da Funai à defesa de comunidades indígenas em processos judiciais. No relato de lideranças indígenas, como Darci Kaingang, o Parecer 001 trouxe uma série de retrocessos para os povos indígenas. “No estado do Rio Grande do Sul foi um processo de grande perda, porque muitos juízes de primeira instância passaram a usar esse parecer para derrubar as portarias declaratórias com base no marco temporal”, explicou.
No caso do povo Xokleng, o parecer chegou a ser incluído pela União nos autos do processo da ACO 1100 com o pedido para que a ação fosse analisada conforme as normas do parecer. Se aplicada, a medida anularia o procedimento administrativo de demarcação, “pois o instrumento normativo da AGU desconsiderava o esbulho violento sofrido pelo povo Xokleng e determinava a aplicação do marco temporal”, declara o advogado da comunidade.