II Acampamento Terra Livre de Mato Grosso reúne indígenas de 43 povos do estado em Cuiabá
Dialogar sobre desafios na demarcação dos territórios e os impactos ambientais que afetam as comunidades foram objetivos do acampamento, realizado entre 2 e 5 de abril
Com o tema “Construindo nossas Perspectivas Territoriais e de Direitos”, a segunda edição do Acampamento Terra Livre (ATL) de Mato Grosso ocorreu entre os dias 2 a 5 de abril, na Praça Ulisses Guimarães, em Cuiabá (MT). O evento reuniu cerca de 400 indígenas de diferentes povos do estado com objetivo de dialogar sobre os desafios na demarcação dos territórios tradicionais, os impactos ambientais que afetam as comunidades, assim como compartilhar experiências e fortalecer as organizações indígenas no estado.
“Unidos em um só propósito, a luta por direitos, os povos indígenas das sete regionais da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso [Fepoimt] se encontram no Acampamento Terra Livre de Mato Grosso”, explica Eliane Xunkalo, presidente da Fepoimt.
“Unidos em um só propósito, a luta por direitos, os povos indígenas das sete regionais da Fepoimt se encontram no Acampamento Terra Livre de Mato Grosso”
Eliane ainda explica as razões pelas quais os 43 povos indígenas do estado se reuniram nesta edição local do Acampamento Terra Livre. “E nós estamos realizando por quê? Mostrar para o estado de Mato Grosso que nós temos povos indígenas, o quanto que nós somos produtivos e o quanto que nós somos cidadãos e queremos ser ouvidos pelo poder público”.
Além das mesas de debate reunindo representantes das organizações indígenas do estado, de parlamentares e do governo estadual, a segunda edição do ATL-MT contou com uma feira de artesanato indígena e é parte da identidade e da história de cada povo.
“Estamos aqui para mostrar ao estado de Mato Grosso que somos povos indígenas, que somos produtivos, somos cidadãos e queremos ser ouvidos pelo poder público”
Na sexta-feira (5), último dia do evento ocorreu uma audiência pública. Os debates e articulações políticas com agentes públicos são extremamente importantes para garantir os direitos, assim como “é histórico ter a audiência na praça, porque democracia se faz aqui no chão. Já que nem sempre nós temos acesso à Casa do Povo, ela tem a ir para a praça, isso é a democracia”, afirma a presidente da Fepoimt.
Na audiência, o cacique Raoni Metuktire foi homenageado com o Prêmio Estadual de Direitos Humanos Padre José Ten Cate, entregue pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Kokonan Metuktire, filha do cacique, recebeu a honraria em nome do pai.
“O cacique Raoni Metuktire foi homenageado com o Prêmio Estadual de Direitos Humanos Padre José Ten Cate”
Durante o acampamento, a secretária executiva da Rede Juruena Vivo, Marta Tipuici, do povo Manoki, apresentou o contexto dos empreendimentos hidrelétricos e de mineração na bacia do Juruena e reivindicou a demarcação das terras indígenas em Mato Grosso.
“As terras indígenas Manoki, Uirapuru, Ponte de Pedra e Estação Paresi aguardam homologação, além das terras indígenas Batelão e Apiaká do Pontal e Isolados, que aguardam regularização”, alerta Marta.
“No Mato Grosso os indígenas enfrentam invasões de madeireiros, garimpeiros, posseiros e grileiros de terras, assédios de grandes empreendimentos”
O estado possui uma população indígena de 58.231 pessoas, sendo 48 povos indígenas, 115 Terras Indígenas e referências de nove povos indígenas que vivem em isolamento voluntário, de acordo com dados do Censo Demográfico realizado em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com as terras indígenas citadas por Marta Tipuici, atualmente 23 povos indígenas no estado enfrentam situações de irregularidades em seus territórios, seja por invasão de madeireiros, garimpeiros, posseiros e grileiros de terras, assédios de empreendimentos e de projetos de construção de barragens, estradas e ferrovias, especialmente em territórios que foram deixados fora das demarcações.
“Hoje, o Mato Grosso tem pelo menos 14 indígenas ameados de morte”
“Razões pelas quais o Mato Grosso tem pelo menos 14 indígenas ameados de morte”, explica Natália Filardo, coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Mato Grosso.
No estado, há cinco povos indígenas que não possuem território demarcados: Tapayuna, Xerente do Araguaia, Kanela do Araguaia e Guarani de Cocalinho e os Chiquitano, além de uma comunidade do povo Arara do Rio Pardo também não tem seu território demarcado, conta Natalia.
Entre os desafios listados pelos participantes do ATL-MT, também estão a educação indígena, que não atende as especificidades dos povos; a saúde, onde há ineficácia de tratamentos e a má gestão de recursos; a política indigenista, que apresenta lacunas que precisam ser sanadas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Os povos indígenas também apontam a necessidade de que seja reconhecida sua importância como guardiões da natureza.
“Demarcar, fiscalizar e proteger os territórios indígenas são medidas eficazes no enfrentamento ao colapso climático”
“Demarcar, fiscalizar e proteger os territórios indígenas são medidas eficazes no enfrentamento ao colapso climático. O diálogo sobre as economias indígenas precisa ser prioridade, respeitando sempre a organização social de cada povo e também inserindo o debate sobre os direitos da natureza”, avalia a coordenadora regional do Cimi em Mato Grosso.
“É importante que o movimento indígena faça o enfrentamento à Lei 14.701, que impõe o marco temporal e inviabiliza as demarcações de terras indígenas. Esta lei contradiz a Suprema Corte brasileira e a própria Constituição, assim como recomendações de mecanismos e instrumentos da ONU [Organização das Nações Unidas]”, explica Natália.
“É importante que o movimento indígena faça o enfrentamento à Lei 14.701, que impõe o marco temporal e inviabiliza as demarcações de terras indígenas”
No encerramento do II Acampamento Terra Livre de Mato Grosso, os representantes dos 43 povos que compõem a Fepoimt listam questões que devem nortear a atuação do movimento indígena do estado durante o evento nacional.
O 20º Acampamento Terra Livre (ATL 2024) será realizado entre os dias 22 e 26 de abril, em Brasília (DF), com o tema “Nosso Marco é Ancestral: sempre estivemos aqui”. O evento marca a comemoração do 20º aniversário da mobilização realizada anualmente na capital federal e da união entre os povos.